domingo, 2 de janeiro de 2022

PSICOSSOMÁTICA


Quando a boca cala, os órgãos falam, e quando a boca fala, os órgãos saram.

Adalberto Barreto


Quando o sofrimento não pode expressar-se pelo pranto, ele faz chorarem os outros órgãos.

W. Motsloy

 

     Essa é a primeira postagem de 2022. Espero que você tenha passado bem a virada de ano. Por mais que o tempo não reconheça essas divisões que fazemos, a nós psiquicamente é bastante interessante e simbólico essa passagem. Poder deixar para trás. É como zerar algo e recomeçar com uma nova oportunidade de fazer diferente. Melhor. Espero então que você, dentro do que se propôs, se permita isso. E que consiga realizar.

     Fiquei pensando sobre o que escrever hoje e como no texto anterior falamos sobre analogias, metáforas, vou pegar esse gancho. Acho que esse assunto é bem relevante. Sem dúvida um dos objetivos da psicanálise enquanto processo terapêutico é fazer o paciente ser capaz de simbolizar, principalmente aqueles que seriam especialmente somatizadores. Digo especialmente estes, porque em qualquer pessoa, eventualmente, um conflito psíquico pode se converter numa manifestação corporal. Isso significa que uma pessoa pode estar numa estrutura neurótica obsessiva e ter eventualmente processos somatoformes, assim como pacientes histéricos podem, eventualmente, apresentar quadros patológicos de natureza mental, num pensamento obsessivo por exemplo. Então nada é estanque se tratando de ser humano, sempre vale ressaltar isso.

     Estou falando difícil, mas sucintamente poderíamos dizer que, entre [neuróticos] histéricos e obsessivos, os primeiros tendem a converter no corpo seu conflitos psíquicos, enquanto os segundos os processos patológicos são mais de natureza mental, de pensamento. E eu me percebo mais no segundo grupo. Tenho uma tendência a apresentar sintomas de neurose obsessiva. E se você entende um pouco de psicanálise já deve ter reparado isso em mim através dos meus textos aqui no blog.

     Um pensamento mágico. Um método ordenado. Mecânico. Rituais. Um sentimento perene de culpa inconsciente. Excessiva racionalização. O que até me leva a [tentar] conduzir a minha própria análise. Isso é comum em pacientes obsessivos. Minha analista sempre me faz observar isso. O paciente obsessivo sabe [acha que sabe] exatamente o que ele tem; o que ele precisa fazer; porque ele acredita que pode ajudar o analista no seu processo. Na verdade está se sabotando. É um paciente escorregadio. Controlador. Tende a falar o que o analista espera ouvir. O obsessivo, inconscientemente, sabota a própria análise, porque ele raramente aceita abrir mão do controle.

     Mas como disse antes, mesmo eu sendo mais marcadamente um obsessivo já tive alguns processos de conversão relevantes. Há um tempo atrás estava passando por uma fase bem estressante. Então comecei a ter alguns sintomas físicos. Era eu ficar mais agitado, tinha alergias nas pernas e nos braços. Muita enxaqueca. A garganta fechava. Travamento de maxilar ocorria direto. E desenvolvi uma dor nas costas muito forte e inespecífica, que médico nenhum encontrava a origem. Acordava de madrugada com dor e corria ao hospital tomar alguma injeção. Fui em clínicos, em ortopedistas, em neuro… Fiz exames de sangue, de imagem... Nada. Já estava tomando medicamento para a dor com receita controlada! Mas nenhum médico descobria o que eu tinha, até que um deles me ouviu minimamente e logo disse “Isso o que você tem é somatização, precisa procurar uma ajuda psicológica”.

     Olhem para vocês verem. Calhou que nessa mesma época estava iniciando a formação em psicanálise. E no começo da formação a gente estuda sobre a histeria, porque tudo começou com as histéricas, pacientes de Freud. Assim como estudamos sobre Psicossomática também. E esse conhecimento me ajudou muito nessa recuperação. Eu me lembro que estudamos sobre a noção de Alexitimia, dos norte-americanos Sifneos e Nemiah. Assim como estudamos também sobre o conceito de pensamento operatório, da Escola Psicossomática de Paris. Ambos respectivamente aludem a uma dificuldade da pessoa de conseguir “ler” as próprias emoções e à dificuldade de fantasiar, assim o ego não consegue processar, elaborar e representar as pulsões. O que isso significa na prática?

     Quando nós somos capazes de nomear as nossas emoções e traduzir os nossos incômodos em palavras, simbolizando, constrói-se um corpo simbólico. Pense nesse corpo simbólico como uma espécie de anteparo que vai proteger o seu corpo. Uma barreira psíquica protetora. Toda vez que você passa por algum conflito psíquico, se você é capaz de nomear e simbolizar esse incômodo, o impacto do conflito até pode atingir o soma (o corpo), mas boa parte é “absorvida” por esse corpo simbólico. Um indivíduo alexitímico, que possui um pensamento operatório, ele tem dificuldade de simbolizar, então pode-se dizer, segundo os autores, que ele é desprovido desse anteparo que o protegeria. Desta forma, todo o impacto advindo do conflito psíquico atinge diretamente o corpo!

     Freud chega a dizer que “o ego, antes de tudo, é corporal”. Olha que interessante. Então, falhas de processos de simbolização convertem-se numa manifestação no corpo. Assim o corpo se torna um cenário, onde se narrará, através de sintomas físicos, a história de uma pessoa. O corpo comunicará. Uma outra frase célebre de Freud: “(…) os mortais não conseguem guardar nenhum segredo. Aqueles cujos lábios calam denunciam-se com as pontas dos dedos (...)”.

     Então de posse desses estudos fui atrás de me entender. E percebi quantos “sapos” estava engolindo. Tinha coisas que eu queria falar e não falava. Tinha coisas que eu queria fazer e não fazia. Mas como nada disso era consciente, eu ficava em constantes mecanismos de negação e de formação reativa. Ou seja, negava pra mim mesmo o quanto desconfortável eu estava em algumas situações. E à contrapartida era exageradamente agradável em outras situações, ocultando sentimentos de frustração e de raiva de algumas pessoas.

     Então, quando identifiquei e nomeei isso, e passei a pontuar com algumas pessoas o que queria pontuar, e deixei de fazer coisas que eu não concordava em fazer, milagrosamente as minhas dores nas costas desapareceram! E nunca mais tive também problemas de garganta ou de alergia. Hoje sempre procuro nomear e dar vazão às minhas emoções e aos meus sentimentos, com assertividade.

     Esse texto é relevante porque algumas pessoas podem estar lendo e vivenciando isso o que passei. Fazendo uma bateria de exames. Indo a uma porção de médicos. Tomando vários medicamentos. E não sentindo uma melhora significativa para as suas questões. Ou estando constantemente reincidindo os sintomas. De forma nenhuma estou dizendo para não procurar os médicos. Nem deixar de tomar as medicações prescritas. Apenas alerto para a existência de processos de origem psicossomática. E friso o quanto é importante conciliar o tratamento médico com alguma ajuda psicológica.

Você consegue falar sobre o que sente? Põe pra fora. Esse é o caminho.

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