Que texto difícil de sair…
Começo a escrever o texto de hoje com uma sensação diferente.
Estranhamento. Seria essa a palavra? Estou assim há alguns dias, e
começou, não por menos, após a minha última sessão de análise deste ano, que foi nesta semana. Embora alguns não saibam – e quem já fez
análise irá se identificar melhor com isso – depois que termina
uma sessão algo começa. Dizem que aí que começa a verdadeira análise. Tudo aquilo que foi conversado e
que sentimos durante a sessão volta durante os dias que se
seguem após a sessão, com inúmeros conteúdos que nos põem a pensar, a repensar, a
refletir o que foi discutido. E isso é positivo. É esperado até. Mas não é
perfeitamente reconhecível. E é esse o ponto que espero
chegar nesse texto. A questão do reconhecimento.
Aqui eu abro um ponto, até um parênteses, para nos lembrar daquelas relações que temos, até com amigos, que nos colocam a pensar. Isso vale muito a pena. Sem fazer qualquer comparativo aqui entre um amigo e a figura do analista, porque claramente são pessoas com finalidades e capacidades diferentes. Mas apenas nos lembrar que embora nunca reparamos nisto, nem valorizamos adequadamente, existem algumas pessoas que nos relacionamos, algumas amizades até, que nos fazem pensar as nossas próprias questões. Geralmente são aquelas pessoas que conseguem inteligentemente se manterem neutras, ficar além do estar do nosso lado ou discordar de nós, e sempre nos fazem boas perguntas durante a conversa fazendo com que nós próprios nos escutemos.
E quase sempre após o encontro com essas pessoas, a
conversa que tivemos termina reverberando numa série de reflexões seguintes
interessantes. Certamente isso é da ordem do analítico. E como eu disse vale muito a pena. Já tive e
tenho bons amigos dessa natureza, e reconheço o poder dessas relações no
meu amadurecimento. Assim como sou grato também, gostaria de deixar claro isso nessa postagem. Você tem amizades assim? Valorize-as.
Mas voltando ao texto. O que estou sentindo agora, neste exato momento não tem um nome específico. Nem um rosto. Nem voz. É do campo do desconhecido. Ou melhor dito, do inconsciente. E esse texto de hoje é uma tentativa de duas coisas. Primeiro, dar algum contorno possível a isso o que estou sentindo. E vamos ver o que vai sair daqui… Segundo, tentar em algum nível ajudar você, leitor desse texto, quando estiver passando por isso. O que estou sentindo tem, em tese, muitos nomes. A quem chame de melancolia. Ansiedade. Angústia. Agonia. Inquietação. Mas eu digo que é próprio do ser humano.
O
que pretendo trazer com esse texto é que não deveríamos nos preocupar
tanto com o nome dessa sensação, mas procurar analisar para onde
ela aponta. O que nos diz. Já que sentir isso é próprio
da nossa condição humana. Só que infelizmente estamos vivendo um momento da humanidade
que tem buscado silenciar todos esses incômodos psíquicos. E não à toa a
psicanálise vem ganhando cada vez mais força, pois foi Freud, o pai da psicanálise, quem inaugura de maneira inédita a cura pela Palavra. Fale livremente
– ele pedia a seus pacientes. E para irmos além, mas não muito longe disso:
Expresse-se. Externe o que você está sentindo. Dê algum contorno ao seu sofrimento.
Simbolizando-o de alguma forma possível. Até que você seja capaz de perceber minimamente o seu desejo.
Eu
não sou contra a farmacologia, até porque cabe aos médicos o uso
devido da prescrição. Mas é inegável que nos dias de hoje existe um uso
indiscriminado de psicofármacos, porque temos muita dificuldade em
passar por esses momentos de desconforto. Qualquer sensação
desconfortável, que seja mais inquietante, já nos leva a procurar algum
diagnóstico para isso – e consequentemente algum medicamento. Quando
muitas vezes o diagnóstico mais plausível seria Humano. Fulano sofre de humanidade. Ou seja, ele está sujeito então a sentir toda a
gama de emoções e sentimentos próprios de um ser humano saudável. Não estou aqui desmerecendo o sofrimento humano, nem invalidando a boa medicina; mas até que ponto podemos solucionar, definitivamente, todas as nossas inquietações psíquicas, com uma pílula?! Acho que não vai dar...
Desde
de ontem precisamente, estou com uma sensação inquietante. Parece
que me falta alguma coisa. E na verdade falta mesmo! E sempre vai
faltar. Porque somos seres da falta. Faltantes por natureza. Posso
comer tudo o que tenho direito sobre a mesa. Posso ir a qualquer lugar na face da
Terra. Posso me rodear de quem for nesse momento. O que muda?! O que quero dizer é
que nada disso mudará coisa alguma o que estou sentindo agora. Não tem a onde fugir, já que qualquer lugar que eu vá me levarei junto. Essa sensação dentro de mim continuará "agitando" de qualquer forma, porque ela me constitui. Faz parte de mim.
E o fato de ser Natal ainda, uma época do ano tipicamente em família, teve tudo para evocar experiências infantis facilitando ainda mais
a eclosão dessa sensação de falta. Já que é justamente nos
primeiros anos de vida que ela se origina. Será à toa que, justamente nesse período do ano, aumentam os relatos de sofrimento psíquico?
Apesar desse texto estar transmitindo possivelmente um caráter pessimista ou deprimente, não pense assim! Eu não sinto assim. Muito pelo contrário. Eu penso exatamente como UM CONVITE. Já me experimentei tempo o suficiente na vida para saber que momentos como esses são próprios. São inevitáveis. Mas bem vindos também. Porque a partir da observação desses momentos de estranhamento, dessas sensações desconfortáveis é que somos capazes de conhecer aqueles aspectos desconhecidos de nós mesmos. E assim poder também recriar novas formas de visualizar essas nossas questões, por mais irreconhecíveis que elas sejam.
Eu
acho que falei difícil agora, mas vou tentar simplificar isso. E
exemplificar. Eu acredito que nós nunca conseguiremos enxergar as
nossas questões cara a cara. Nunca chegaremos ao âmago dos nossos problemas, a ponto de nos dizer: É isso! O problema
da minha vida é esse! Isso não existe.
Isso nunca vai acontecer de fato, porque isso é impossível. Ah! Então
por que fazer análise? Para CONVIVER com essa impossibilidade nata. Por isso que eu particularmente não acredito em cura, do
ponto de vista analítico. Porque você nunca chegará ao
cerne da sua questão! Ninguém é capaz disso.
Como seres faltantes por natureza que somos, inevitavelmente haverá
sempre alguma questão irreconhecível. Inominável. Inalcançável.
E poderemos, no máximo, ter algum vislumbre do que seria essa questão. Essa é a nossa tarefa. Agora dizer que chegaremos a concluí-la é seguramente uma fantasia.
Gosto de imaginar um grande quebra-cabeça da nossa vida. Acredito que quando refletimos sobre as nossas questões e buscamos encontrar algum alívio, o que estamos fazendo é tentando montar esse quebra-cabeça. Só que nunca o montaremos por completo. Essa tarefa jamais é finalizada – nem mesmo a cabo de uma análise! Mas não é de todo ruim também. Há um lado bom. A medida que nos dispomos a montar esse quebra-cabeça da nossa vida pelo menos, vamos aos poucos nos familiarizando com as partes da imagem contidas em cada uma das peças do quebra-cabeça.
Apesar de não enxergarmos o todo, podemos ver a imagem de cada peça. E isso já nos ajuda muito. Por isso todos os insights que temos sobre nós mesmos, no fundo são partes que vão compondo esse grande entendimento de nós mesmos. De tanto nos analisar, e aos poucos ir montando esse quebra-cabeça, vamos elaborando e percebendo do que se trataria a grande figura. Ou seja, do que se trataria
o nosso desejo. O que buscamos desde o dia que nascemos até morrermos é saciar esse desejo! E apesar de não conseguirmos sequer concluir esse quebra-cabeça em vida,
e descobrir qual a sua real imagem, a partir daquilo que observamos em cada uma das
peças (insights) que temos ao longo da vida, podemos inferir o todo. Intuir. Simbolizar. Alcançando o máximo a imagem final.
Esse
é dos objetivos de uma análise por exemplo. Simbolizar! Esse é um dos
objetivos de uma pintura. Uma escultura. Um texto, como esse de hoje. O
meu texto é só mais uma pecinha de um quebra-cabeça colossal! Uma
pecinha que contém um fragmento de imagem. E embora ela não me revele o quebra-cabeça
montado, é parte dele! De pecinhas como essa que eu posso
aos poucos, ao longo do tempo, vislumbrar a figura final – mesmo que nunca a termine de fato. O objetivo não é
terminá-la também. É me aproximar! Mesmo que nunca alcancemos o nosso real desejo de fato, a ponto de afirmar “É isso!”, estaremos a caminho... Quanto mais agimos livremente, mais nos aproximamos do nosso desejo. E quanto mais afinados com ele, melhor tenderá a fluir a nossa vida.
Então não sufoque seus momentos de estranhamento. Não fuja de olhar às suas questões. Esses momentos fazem parte de uma vida humana perfeitamente saudável. Investigá-los pode levar a um melhor conhecimento de si mesmo. E com o tempo descobrirá que momentos assim vêm, mas vão embora também. E se é natural que eles cheguem, e partam, o que podem nos ensinar enquanto ficam?
Boas
Festas! Que venha um ótimo 2022! Nos encontramos lá!😉
2 comentários:
Parabéns meu amigo que evolução ....
É sempre bom ser seu ouvinte e melhor ainda
Quando vc me ouve
Muito obrigado!
Certamente a alegria é recíproca.😃
Um abraço!
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