domingo, 19 de dezembro de 2021

INSIGHT E ELABORAÇÃO


Édipo e a Esfinge, de Jean Auguste Dominique (1808)
 

      Nunca comentei isto, quando comecei a estudar psicanálise logo nos primeiros meses pensei em desistir da formação. Eu já tinha o blog há mais de dez anos nessa época e me considerava muito resolvido, porque já tinha um bom conhecimento de mim mesmo e imaginava que a mim seria fácil passar pelo processo [Arrogância! – cof, cof, rsrs]. Já disse em outras oportunidades aqui que comecei a investir em práticas de autoconhecimento muito cedo na minha vida. Pensei sinceramente então que fosse simples me tornar psicanalista, pois jeito pra coisa eu já teria. E não é bem assim…

     Logo nos primeiros meses comecei a sentir uma sensação muito desconfortável. A analogia que faço é que parecia que estavam sendo tiradas as minhas roupas. Era uma sensação de nudez mesmo. De total exposição. E a medida que ia me aprofundando sistematicamente na obra freudiana, cada vez mais sentia um gelo no estômago. Sentia medo. Angústia. Quase uma agonia. E não entendia o porquê. Mas a psicanálise é um conhecimento pesado. Realmente mexe com o estudante. A pessoa precisa estar preparada para o que vai encontrar. A si mesma! Eu revivi abalos estruturais psíquicos que me foram muito familiares, como quando li pela primeira vez, ainda quando criança, sobre o Complexo de Édipo. Quem quiser entender melhor sobre isso recomendo esse texto do blog aqui.

     De repente constatei que o medo era porque o buraco era bem mais embaixo. Não que todos esses anos de blog e “autoanálise” (sinto que agora preciso colocar essa palavra entre aspas) não fosse útil. É claro que foi. E continuo recomendando isso às pessoas para que desenvolvam, em algum nível possível, essa prática. Mas a formação em psicanálise me colocou obrigatoriamente em análise pessoal. É exigido isso para se tornar um psicanalista. E aí a coisa muda de figura. Fazer análise com um profissional, no meu caso com uma psicanalista, principalmente quando você próprio já está estudando a teoria psicanalítica, é completamente diferente. Aí sim você se dá conta de que a analogia feita por Freud sobre o iceberg e o nosso aparelho psíquico é real. Eu sabia que estava me acovardando nesse momento, mas não conseguia aceitar o medo de prosseguir também. Então com muita calma e paciência resolvi continuar firme. Só para terem uma noção de como foi isso vou dividir algo que caminhou comigo por quinze anos. Nunca escrevi sobre isso aqui no blog.

     Na noite que meu pai faleceu sonhei com ele. Ele veio, conversou comigo e me deu uma missão. Eu sabia no sonho que ele havia falecido, nós conversamos sobre a sua morte nesse sonho. Ele estava todo de branco e envolto numa luz intensa. Eu o abracei, beijei a sua testa e ainda me espantei que ele estava quente! Até disse isso a ele. Ele só me respondeu que o seu corpo morreu, mas não a sua alma, e que ele estaria sempre comigo. A missão que ele me deu naquele dia foi que cuidasse da nossa família, ele passava agora o bastão a mim. Nos despedimos. E ele se foi. Acordei chorando. Tinha dezoito anos nessa época. A partir desse dia me casei com a minha mãe. Me tornei pai do meu irmão – sendo que ele é o mais velho. Me fiz o homem da casa! E no fim destronei o Laio…

     Interpretei esse sonho na época como um sinal divino. Algo sobrenatural. De ordem mística. Acreditei sinceramente que tinha conversado com o espírito do meu pai naquela noite, logo após o seu sepultamento. Eu não costumava me lembrar dos meus sonhos. Isso era algo raro. Então por que esse em específico me lembraria? Talvez algumas pessoas não saibam, mas para a psicanálise os sonhos não são xamânicos. Segundo Freud os sonhos são manifestações de desejos inconscientes. Foi aí que tive o insight! Foi assim um descortinar... Com a ajuda da minha analista interpretei o sonho.

     Eu sempre gostei de esoterismo e o meu inconsciente precisou se utilizar dessa linguagem (mística) para que eu pudesse acreditar no meu próprio sonho. Quer dizer que eu mesmo me enganei esse tempo todo?! Sim. Foi exatamente isso o que aconteceu. Eu precisei de uma justificativa que me levasse a fazer aquilo que eu queria fazer, sem que eu pudesse ser censurado por isso (censurado até por mim inclusive). Entenda que o nosso inconsciente tem uma lógica própria (diferente da lógica clássica), que nos leva a fazer algo do campo do desejo, mas não do campo do social, e por ele estar o tempo todo tentando se comunicar, como nós o ignoramos, não raro ele pode se comunicar à revelia de nós mesmos. Por essa razão Freud diz que o “eu não é senhor em sua própria morada”. Expondo à humanidade a sua terceira ferida narcísica, como ele mesmo disse.

     E foi assim que por mais de uma década eu assumi o lugar do meu pai – simbolicamente – na casa. E se deixar até hoje. Como falar que a psicanálise não existe? Que ela não tem razão? Me explica isso... A mim ter esse insight não foi nada fácil hein. Me sentia tolo. Fiquei dias me sentindo mal. Ridículo. Mas dizia a mim mesmo também: Jonas, dorme com esse barulho! Vamos elaborar isso!

Eu dei toda essa volta para chegar nesse ponto que queria. Agora que começa a ideia desse texto. O que de fato é uma elaboração? O que é um insight? Como saber se estamos no caminho certo?

     Com essas perguntas em mente pesquisei hoje em alguns livros. Tenho muitos livros de psicanálise. Alguns me perguntam se leio todos esses livros e a resposta é não. Nem daria conta disso. Posto várias fotos de livros no meu Instagram (a propósito: me segue lá), mas não os leio logo de cara. E quando o faço leio por capítulos – aqueles que me interessam ainda. Hoje por exemplo me debrucei sobre alguns temas, como Elaboração e Insight. Porque mesmo fazendo a formação em psicanálise percebo que tenho uma certa dificuldade em compreender o que se entende por elaborar. Elaboração não é algo tão simples. E existem entendimentos diferentes entre autores da psicanálise.

     Vamos pensar um pouco. Um sujeito leva uma vida agindo de uma determinada maneira. Aí um dia ele vai para a análise por um desconforto qualquer. Ele acredita mesmo que em dois ou três passos resolverá a questão que caminha com ele por todos esses anos? Seria bom demais se fosse assim. Uma pena que não é. Como eu disse lá em cima: o buraco é bem mais embaixo. Demanda efetiva elaboração. Como escreve Freud em “Recordar, repetir e elaborar (1914)”. Hoje para escrever esse texto li alguns livros. “Fundamentos da Técnica Psicanalítica”, de R. Horacio Etchegoyen. “Dicionário de Psicanálise”, de Elisabeth Roudinesco e Michel Plon. “Fundamentos Psicanalíticos. Teoria, técnica e clínica” e “Manual de Técnica Psicanalítica”, ambos de David E. Zimerman.

     A conclusão que cheguei é que um insight não é unicamente um processo intelectual. Então não adianta achar que ter conhecimento de uma determinada questão é o suficiente. E esse processo é muito melhor realizado – talvez apenas assim – a quatro mãos. O efetivo insight é aquele que até parte de um conhecimento – de si mesmo –, mas ele deve mobilizar também uma resposta emocional. Insight é quando você torna consciente um desejo até então inconsciente. E a partir desse momento demandará uma elaboração, porque agora você precisará “resolver” um conflito entre o seu desejo infantil e o restante de sua própria personalidade que não o aceitam ou só o aceitam sob certas condições.

     Mas você sendo capaz de traduzir esse insight em práxis, ou seja, em prática, através da RESPONSABILIDADE POR SEUS ATOS, poderá promover em si, ao longo do tempo, mudanças psíquicas estáveis e definitivas. E isso, a meu ver, não se confunde com cura. Mas, como alguns autores da psicanálise dizem, “amadurecimento”. “Crescimento mental”. Desenvolvimento de uma função autoanalítica”. Isso não significa que jamais necessitará de um analista novamente, mas que agora compreende que sempre depende muito mais de você!

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