Busco atrelar o conteúdo do blog ao que já vivi ou ao que estou vivendo. Me parece uma forma transparente de transmitir o que penso. Ao sentar para escrever um novo texto, analiso antes as minhas emoções e os meus sentimentos, na tentativa que garantir que eles sejam contaminados e que contaminem também a ideia trazida. Sinto que assim a escrita fica mais autoral. É uma forma também de enxergar fora de mim aquilo que circula dentro. Coloco uma playlist com músicas na mesma vibe que estou e deixo rolar. O que vai sair hoje...
Já deu para perceber que às vezes não tenho ideia do que escreverei, né? Não diria ideia nenhuma, mas não tem roteiro. Só uma vaga intuição e a vontade forte de mergulhar. Acredito que todos nós somos mergulhadores natos. Nascemos com essa capacidade. Mergulhar em nós mesmos. Alguns serão mergulhadores de águas rasas. Outros de águas mais profundas. A capacidade será a mesma. O que difere é o quanto cada um desejará – ou conseguirá – aprofundar. O preço que estará disposto a pagar por isso. Ou a necessidade, quando a própria vida impelirá algo que será necessário lidar.
Quero ser um mergulhador de águas profundas! Apesar do medo de acessar o inconsciente como qualquer pessoa tem, ele se mescla com curiosidade também. Com uma excitação que me faz avançar. Há prazer nisso. Apesar de difícil em alguns momentos, é bastante prazeroso também. Quanto mais se aprofunda em si mesmo, mais contato com aspectos sombrios da personalidade. Nesse estágio se encontra de tudo, como na dark web. Já ouviram falar em dark web? Eu nunca estive lá. Mas dizem que é onde estão muitos conteúdos da web propositalmente escondidos por seus proprietários. Conteúdos esses inacessíveis por mecanismos de busca usuais. Eles só podem ser acessados por métodos específicos. É impressão minha ou acabamos de descrever a psicanálise?
A dark web é o mesmo que o nosso inconsciente então. E os métodos específicos de acesso são os trabalhados em análise: interpretação dos sonhos, mecanismos de defesa, atos falhos, chistes, repetições, associação livre... Meios de trazer à tona conteúdos recalcados. Aqueles mais profundos. Mais sombrios. Distantes da superfície luminosa. Banidos da consciência. Às vezes por motivos de segurança. A partir daqui acredito que entraremos no miolo desse texto. Até que ponto uma pessoa tem condições seguras de mergulhar? Lembra do que eu disse que nem todos são mergulhadores de águas profundas? A questão não está só em ter habilidade para mergulhar. Mas de ter capacidade de suportar esse mergulho. Nesse ponto creio que a psicanálise não é para qualquer um.
Essa semana pensei muito sobre isso. Tentarei ser o mais claro e objetivo ao que vou dizer. Gosto de acessar conteúdos profundos – quanto mais fundo melhor. Minha criação favoreceu isso, eu acho. Vejam que os textos aqui são densos. Intensos. Fortes. Mas assim é a minha personalidade também. Não sou depressivo. Na Grécia Antiga diziam que isso era um temperamento melancólico. Sou profundo. Busco sentir todas as emoções da forma mais vívida possível. Mas sem transparecer também. Não gosto de demonstrar. Procuro metabolizar o que sinto sem transparecer ao meio. Forçar inexpressividade. Mostrar indiferença. Frieza. Ocultando a sensibilidade e uma perspectiva bem pessoal. Estou sempre analisando de um ponto de vista muito particular. Mas sou bastante afetado, embora esconda. Às vezes com uma única palavra ocorre uma avalanche de sentimentos em mim. Ganho o dia. Ou perco a semana. Mas ainda assim não demonstrarei absolutamente nada.
Ao longo da minha vida precisei desenvolver uma capacidade quase que extrema de me aprofundar. Eu vivi uma infância muito difícil, em questão emocional e psicológica. Aqui no blog dou umas pinceladas sobre a infância e a adolescência que tive, até para evitar dar “ideias erradas” aos pais de como educar os filhos. Vamos dizer que o meu pai tinha formas bastante peculiares de educar e disciplinar. Hoje não tenho mágoas disso, mas quando criança foi um desafio e tanto lidar com tudo. Como não tinha para onde fugir, corri para dentro. Para o meu interior. Quanto mais desconfortável o ambiente fora, mais aprofundava em mim. Alguma coisa me dizia que a saída do que estava vivendo era voltada para dentro. Então mergulhei de cabeça. Eu só tinha medo de romper com a realidade. Porque embora aquela realidade fosse difícil de suportar, era a realidade. Eu sabia disso. Então procurava não perder o foco. Não fantasiar demais. Tinha medo de enlouquecer.
De alguma forma percebi cedo que tinha uma propensão para isso. Alguma coisa me dizia que estava numa encruzilhada. Um dos caminhos poderia me levar a uma psicose. Outro a um transtorno de personalidade antissocial ou narcisista. Outro ao autismo. Síndrome de Asperger. Me sentia em pontos limítrofes. Cresci caminhando sob uma corda bamba, imaginando qual lado cairia.
Como era de se esperar fiquei bem treinado a suportar estágios que exigem muito do psiquismo. Tanto que sou atraído pela ideia de hospitais, principalmente psiquiátricos. Presídios. População em extrema pobreza. Abuso doméstico de qualquer natureza. Me preocupo com situações em que um indivíduo precisa ser capaz de manter a saúde psíquica em condições radicais de sobrevivência. O quão forte psiquicamente uma pessoa precisa ser, quando o ambiente externo a leva ao extremo?! Aprendi que quando não há saída para o lado de fora, precisará haver no lado de dentro. Assim desenvolvi uma inclinação para mergulhar fundo. O mais fundo que pudesse ir na minha mente. Isso também trouxe tendência a escape. A impulsos (auto)destrutivos. Compulsões. Adicções. Pulsão de morte. Hoje fico longe do consumo de álcool. De substâncias psicoativas de qualquer natureza. De tudo que possa me tirar da realidade. Imagino como é ter um pezinho na neurose e outro na psicose.
Precisei desenvolver uma inteligência intrapessoal. Tenho facilidade para levar as pessoas a estágios mais profundos também. Percebo isso nas minhas relações com amigos. Familiares. As pessoas comentam. Sempre fui de observar o comportamento das pessoas. Isso me fascina. Mas antes de fazer psicanálise achava natural me meter na vida das pessoas. Sair “mexendo no psicológico” dos outros. Hoje sei que isso é psicanálise selvagem. Quando fazemos uma “interpretação analítica” desconsiderando a situação, a dinâmica e a dimensão na vida da pessoa, expondo um conteúdo recalcado, desprezando as resistências e a transferência. Isso não ajuda em nada. E ainda pode atrapalhar bastante a vida da pessoa.
Freud disse que um analista só consegue ir com o paciente até onde ele deu conta de ir em sua própria análise. Se assim for, quero mergulhar bem fundo. Quero ser um analista de águas profundas. E um mergulhador amador é bem diferente de um profissional. É errado levar uma pessoa a estágios que ela não está preparada. Talvez nem queira ir. Ou precise. O analista deve interferir o menos possível. É como uma dança, mas é o paciente quem deve conduzir.
Quanto mais faço o (per)curso psicanalítico vejo que o que faz um bom analista não é domínio da teoria. Isso é o mais simples. O desafio é lapidar a si mesmo. E isso é fruto da própria análise.
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