Diálogo (1939), de António Dacosta
Essa semana ouvi algumas vezes uma determinada frase que me fez refletir bastante. Vocês já devem ter percebido que gosto muito de refletir sobre as coisas, e por ser muito observador, tudo o que vejo ou ouço, por mais simples que seja, me faz parar e pensar. Nem sempre é possível, ou me é permitido, no exato momento em que isso acontece, mas quase sempre depois “aquilo” me volta. Aquilo que ouvi... Aquilo que vi... Muitas vezes até anoto num pedaço de papel uma palavra ou frase sobre o ocorrido e guardo na carteira, para mais tarde retomar esse pensamento. E quem sabe virar um texto, como no caso de hoje.
Tenho um pensamento extremamente analítico. Tudo o que me chega, eu costumo quebrar as informações disponíveis em fragmentos menores, avalio e peso cada um desses fragmentos a fim de construir conclusões lógicas. E essa palavra – lógica – é talvez a principal nesse texto de hoje. E tudo começou nessa semana como disse. A frase que ouvi em alguns episódios foi a seguinte. “Contra fatos não há argumentos.” E todas as vezes em que ouvi essa frase imediatamente me lembrei de algumas vezes que discuti com as pessoas por coisas óbvias. “Está na cara isso!”, “Mas isso é lógico!”, eu dizia. Nessa época, eu, "cheio de razão", não conseguia aceitar como as pessoas não entendiam as coisas. A mim parecia que algumas pessoas se recusavam a entender o óbvio ao repetir os mesmos erros. De lá pra cá tanta coisa mudou... Hoje paro e penso: Nós somos mesmo lógicos? O que de fato é “óbvio”?!
Essa
forma de pensar veio a partir de quando comecei
a estudar psicanálise, porque
aprendemos que o inconsciente é atemporal, irracional e desconhece
lógica.
A questão da lógica me chamou mais a atenção desde o começo. Freud vai dizer
que “As regras decisivas
da lógica não têm validade no inconsciente, pode-se dizer que ele
é o reino do ilógico”.
Isso
me fez repensar sobre a forma como eu interpretava o mundo. Mas
precisamente a
impaciência e a intolerância que eu tinha
com quem não me parecia agir de forma lógica.
Hoje
me questiono:
se
o inconsciente responde pela maior parte do nosso conteúdo psíquico e
ele não reconhece os princípios da lógica, como posso criticar ou
julgar o comportamento de outra pessoa?! Hoje não consigo mais. Não sem parar para pensar sobre tudo isso.
Segundo a lógica aristotélica, também chamada de lógica clássica, três princípios devem ser respeitados. São eles:
princípio de identidade: A = A
princípio da não-contradição: A não pode ser A e não A ao mesmo tempo e sob o mesmo aspecto
princípio do terceiro excluído: Entre A e não A não há meio-termo
Embora Freud não esclareça exatamente de quais regras decisivas da lógica ele se referia, e se utilizando da lógica clássica, dos três princípios acima se pode concluir seguramente que o da não-contradição não possui validade no inconsciente, já que ideias e sentimentos contrários a respeito de um mesmo objeto podem coexistir numa mesma pessoa ao mesmo tempo. Isso para não questionar a validade dos outros dois princípios também. Quem quiser se aprofundar nesse assunto, eu recomendo o artigo “O inconsciente e a lógica a partir de Freud e Lacan” de Felipe Shimabukuro. Li aqui. Gostei bastante.
O que eu quero dizer com esse texto é o seguinte. A partir do momento que compreendi que existe uma grande parte de nós desconhecida de nós mesmos e que essa parte não é movida por lógica, passei a pensar duas, três, quatro vezes antes de proferir qualquer comentário condenatório a uma pessoa. Eu não a conheço. Nem mesmo ela se conhece. Desconheço o que se passou de fato na sua vida. Se somos movidos por impulsos inconscientes que não respeitam princípios lógicos, está desautorizado todo e qualquer comentário no que tange ao outro. “Isso não faz sentido”. “Mas por que você faz isso?”. “Isso não tem lógica!” “Eu não entendo você”.
Às
vezes nem ela própria se entende. E
não
somos nós que vamos entender por ela.
Ou lhe dizer
o que deve ou
não fazer. A própria pessoa quem deve trilhar o seu caminho, pois só ela consegue de fato se ajudar. E isso vai acontecer quando ela puder. Conselhos, críticas, julgamentos, ameaças a sua pessoa, nada disso faz muito efeito. A própria pessoa não entende direito o seu comportamento. Isso
relativiza tudo então?
Não.
Conteúdos
inconscientes não nos eximem
da responsabilidade por nossos atos. Mas
ter conhecimento
do funcionamento deles impede a nossa capacidade
de
arbitrar
a
vida alheia, pois só depende do outro.
Agora você entende, por que não agimos de forma tão lógica?
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