domingo, 14 de novembro de 2021

FÉ NO PAI QUE O INIMIGO CAI?


 

     Acredito que o texto de hoje poderá ser um pouco polêmico. Então, antes de começá-lo, já gostaria de deixar claro o seguinte. Eu acredito em Deus.

     Dito isso, usarei de base nesse texto de hoje uma frase que costumo sempre ouvir. “Fé no Pai que o inimigo cai”. Essa frase pode ser dita também de muitas outras formas, mas o que se subentende nelas é uma busca por algo superior – externo à pessoa – que supra a sua proteção. “Confie em Deus”.Deus no comando. “Deus proverá”. Todas essas frases são de fato bonitas. Elas são carregadas de fé e podem ser acalentadoras de alguma forma. Principalmente nos momentos de sofrimento. Eu também as uso. Só que penso o seguinte. Se não nos atentamos também, essas frases podem esconder uma espécie de terceirização da nossa própria vida. Um desejo inconsciente – e infantil – de sermos acolhidos por um adulto. Se Deus é da ordem do metafísico, a quem cabe o físico?

     Ao filósofo Espinoza, “Deus é um mecanismo imanente da natureza e do universo. Deus e natureza: dois nomes para a mesma coisa”. Acho belíssimo o Deus de Espinoza. Se partimos de um princípio de que nós somos natureza, e de que na verdade nem poderíamos conceber essa ideia apartada de natureza e nós, mas vendo como uma coisa , entenderíamos que nós somos o todo. E se o todo é Deus, somos parte Dele também.

     Fé no Pai que o inimigo cai me faz refletir “Qual a parte de Deus que existe em nós?” Acredito que todos nós temos esse Self, um eu superior como disse Jung. Uma parte da nossa personalidade que seria mais sábia. Divina. Mais preparada para responder, na minha opinião, às demandas que nos afligem. Assim, todas as vezes que passamos por algum problema, penso que deveríamos acessar essa nossa parte superior e buscar fazer aquilo que nos cabe. Na prática. Colocar o divino no dia a dia. E não só pensar em Self como algo que transcende o físico e que me conecto apenas no abstrato, no metafísico. E o físico?

     Se tenho um problema de saúde, buscarei um médico, farei uso da medicação prescrita e farei tudo o que estiver ao meu alcance para obter a cura. Se tenho um problema financeiro, repensarei os meus gastos, farei um planejamento melhor, verei o que posso cortar e pensarei em quais formas de aumentar meus recursos. Em todos os nossos problemas buscar acessar essa nossa parte mais íntima, não apenas para responder seguindo a nossa essência, mas para responder – de forma prática – a essa demanda com aquilo que temos de mais elevado. De divino.

     E isso pode se aplicar a todas as situações difíceis. Diante dos obstáculos verificar o que podemos fazer, o que está ao nosso alcance. E com a graça de Deus, utilizando aquilo que de melhor Ele mesmo nos concedeu que é o discernimento. A força de vontade. O amor. E lidar com as atribulações da vida com maturidade. Coragem. Sabedoria. Como adultos. Deus é da ordem do metafísico. A física cabe ao homem. O que está ao nosso alcance devemos fazer. E após tudo ter sido feito depositar para quem acredita – no sobrenatural. No metafísico. Aí sim clamar a Deus. Porque aquilo que coube ao homem foi feito.

     Outro ponto que me chama a atenção nessa frase é a ideia de inimigo. De diabo. A ideia do mal. E não estou dizendo que o mal não exista, porque se acredito em Deus, acredito também no diabo. Mas assim como Deus habita em mim, o diabo também não habitaria? E quando o nosso inimigo somos nós mesmos? Tudo aquilo que desconhecemos tendemos a ter medo. Só que em grande medida nós somos desconhecidos a nós mesmos. Às vezes inconscientemente desejamos o oposto daquilo que acreditamos que queremos.

     Na prática, dizemos que queremos sair de uma determinada relação, mas continuamos. Dizemos que queremos iniciar um determinado projeto, mas nos sabotamos. Teorizamos uma coisa e na prática fazemos outra. Cavamos a nossa própria cova, julgando o coveiro! Segundo Freud, "As emoções não expressas nunca morrem. Elas são enterradas vivas e saem das piores formas mais tarde". O retorno do recalcado. Mas a conta é sempre do outro. “É muita maldade”. “É armadilha do inimigo.” E quando nosso próprio inimigo somos nós?!

     É impossível escrever esse texto sem pensar naquele conhecido conto dos lobos. Em que um sábio e o seu discípulo assistiam dois lobos brigando. Um lobo era o bem e o outro o mal. O discípulo pergunta ao mestre qual lobo sobrevive. E o mestre responde, “Aquele que você alimenta”. Todos nós temos Deus e o diabo dentro de nós. Entendendo Deus como o nosso lado mais sublime. E o diabo como o nosso lado desconhecido que não necessariamente é maligno. Todavia, enquanto esse lado estiver inconsciente, ele dirigirá a nossa vida. E culpabilizaremos os outros.

     Esse texto de hoje é para nos fazer refletir sobre a direção da nossa própria vida. Onde estão as rédeas da sua vida? Aquilo que está em seu poder fazer – ou deixar de fazer –, você tem feito? Você analisa o que existe em seu inconsciente? Sejamos adultos. Antes de buscarmos a Deus no metafísico, vamos encontrar o Deus que habita em nós no físico. Na prática! Com o discernimento e a sabedoria nos concebidos resolver nossos dilemas. Sem perder de perspectiva o inconsciente. Analisando que o que chamamos de inimigo pode ser uma parte de nós mesmos que não foi integrada à consciência. Caso contrário, clamaremos infantilmente um Deus, como crianças chamando um adulto.

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