terça-feira, 2 de novembro de 2021

O QUE APRENDI COM A CRISE DE PÂNICO

 


      Estamos vivenciando cada vez mais ansiedade. Não é nenhuma novidade que o número de pessoas acometidas hoje em dia por esse transtorno é alarmante. E esse número só cresce a cada ano. Já é uma epidemia isso. Quando penso sobre isso, não consigo não acreditar que boa parte se deve a velocidade que tudo está acontecendo. Processos, situações, descobertas, mudanças que levavam certo tempo para acontecer, cada vez mais assistimos isso acelerando. Por um lado é positivo, o avanço tecnológico é um bom exemplo. Recentemente pudemos presenciar o quão rápido foi o desenvolvimento de uma vacina que o mundo aguardava. Mas por outro lado nunca sofremos tanto por não podermos prever minimamente o que vem pela frente. Por mais futurista que uma pessoa seja, é impossível prever como estará o mundo daqui a dez anos. Essa falta de uma mínima previsibilidade somada à velocidade com que tudo está se transformando são a base do nosso desequilíbrio emocional.

      Não cheguei a escrever sobre aqui isso no blog, mas em abril do ano passado tive uma forte crise de pânico. Foi a segunda crise que tive dessa intensidade. A primeira foi na adolescência, por volta dos meus dezesseis anos. Eu me lembro que no ano passado eu estava num ritmo intenso de trabalho e já andava a várias semanas com uma preocupação de fundo. Nada específico também. Mas a minha personalidade é repleta de preocupação. Sou cauteloso. Responsável. Precavido. E estou sempre equilibrando esses traços de personalidade, porque se deixar facilmente entro num modo de apenas trabalho. Funcional. Quase como se eu fosse um robôzinho mesmo – é até engraçado. Então, nessa época eu já vinha num batidão forte de trabalho – e eu adoro trabalhar! Mas todo excesso esconde uma falta. Então eu sempre me policio. Tenho outras áreas na minha vida e sei que todas são igualmente importantes (hoje tenho mais consciência disso).

      Eu sentia nessa época que estava no limite do meu funcionamento psíquico. Apesar de malhar todos os dias e sair correr aos finais de semana, parecia que não era o suficiente para queimar as minhas energias. Tinha muita energia mental! Quem me conhece pensa que sou calmo, mas tenho muita energia interior. Foi então que em março foi decretada a pandemia. “Pronto! Agora eu vou despirocar!”, foi o que pensei. Eu fui administrando... Liguei o modo turbo... E respiração. Manter a calma. Contar até dez... E os dias foram passando e eu me administrando. Alguns dias foram melhores, outros mais estressantes. Mas eu sentia que estava enxugando gelo. Algo dentro de mim me dizia: “Você vai capotar!”. Eu sabia que eu ia cair a qualquer momento. Acho que eu aguentei bem umas duas a três semanas. Até que um dia em abril – eu me lembro como se fosse ontem – bateu a crise!

      A minha boca começou a adormecer. As pontas dos dedos começaram a formigar. Meu coração foi batendo cada vez mais rápido. A minha vista foi ficando turva. Já não conseguia respirar tranquilamente. Ia ficando cada vez mais difícil... “Estou tendo um ataque de pânico, de novo!” - só pensava isso. Eu sabia que estava tendo uma segunda crise, porque a sensação era idêntica a que vivi aos dezesseis anos. E isto é importante ser dito. Racionalmente falando, eu sabia que era uma crise de ansiedade. Entendia todos os sinais. Estudei-os. Intelectualmente falando, eu sabia de tudo isso. Mas nesse momento isso não significou nada! Porque o corpo dá todos os sinais de que estamos infartando e não temos controle. É biológico. Corporal. Mas eu ainda me sentia decepcionado e comecei a me culpar no momento da crise. Eu sabia o que estava acontecendo, eu havia estudado e me preparado para esse momento, então “como não estou conseguindo me controlar?!”. E isso só piorava tudo... Numa crise de pânico você não tem controle. Você só pode esperar passar. E quem disse que eu conseguia isso?!

      Sai do trabalho desgovernado direto ao pronto socorro. Passavam várias coisas pela minha cabeça. Pensei até que eu estivesse com COVID e já tinha tomado os pulmões, por isso que não conseguia puxar o ar. Já cheguei no hospital chorando. Só dizia a eles que estava morrendo. Ninguém conseguia me acalmar. Eu estava desesperado, muito agitado. Só me lembro do médico falando “Eu preciso te dar algo e você vai apagar”. E antes de fazer efeito o que ele tinha me dado, me lembro que ele ainda me orientou: “Você precisa urgentemente procurar ajuda psicológica, a sua ansiedade está muito alta!” Eu não sei o que ele me deu, eu nunca tinha tomado nenhum tipo de calmante. Nem suco de maracujá eu tomo. Só sei que aquilo me deixou dopado. Parecia que eu estava voando. Mas entendi o recado.

      Procurei ajuda. Hoje faço análise. Inclusive esse é um pré-requisito à formação de psicanalista. E eu sinto não ter procurado ajuda antes. Hoje entendo algumas coisas que antes não entendia. Hoje eu percebo algumas coisas que antes não percebia. Tirei da cabeça essa ideia errada de que ter conhecimento de algo é o bastante. Eu acreditava, e me julgava por isso, que por eu ter conhecimento sobre a ansiedade e os seus mecanismos, que isso seria o suficiente para não me acometer. Estaria blindado – pensava. Como se fosse fácil assim. Se fosse assim nenhum cardiologista teria problema de coração. Era muita vaidade. Mas em partes passar por isso foi bom. Isso me mostrou que a vida é o que acontece na prática. E muitas vezes na prática a teoria é outra. Não tem como viver a vida pelos livros. Segundo uma teoria. Estou percebendo isso na análise. Boa parte da minha vida busquei encaixar, enquadrar todas as variáveis em teorias. Como se fosse possível teorizar a existência humana. E o fundo disso é medo. Ansiedade e medo são faces de uma mesma moeda. É como se eu buscasse antecipar na mente os acontecimentos por medo do que pode vir a acontecer na realidade. O gasto energético disso é imenso. E qualquer semelhança com uma neurose obsessiva é uma mera coincidência...

      A postagem de hoje é para dividir o que venho aprendendo sobre tudo isso. De que forma enxergo essa situação hoje. Como administro. E como gosto de retratar nos meus textos: ir do particular para o universal. Ou seja, pegar uma experiência íntima e, dentro do possível, fazer analogias, inferências e deduções e generalizações. No intuito de ajudar alguém que estiver passando por isso.

      A nossa mente tende a vagar entre o passado e o futuro. E você já deve ter ouvido sobre ficar no presente. Mindfulness... Atenção plena... Isso é muito real. Como disse no começo desse texto, temos a percepção de que tudo está acontecendo mais rápido. E isso gera alguma ansiedade. Não raro nos percebemos mais agitados e ofegantes do que o normal. Tendemos a fazer as atividades diárias correndo para ganhar tempo. E com toda essa mentalização inevitavelmente perdemos o contato com o presente. Perdemos o contato com o nosso corpo também. Desconhecemos o que estamos sentindo. O que estamos passando. Quando realmente temos fome, sede, sono... Quais as necessidades, os limites e os sinais que o nosso corpo emite o tempo todo. Uma espécie de inteligência corporal que a gente tem perdido. Há uma desconexão entre a mente e o corpo. Quando deveríamos ver como uma coisa só. É como se nossos pés estivessem no presente e a mente em outro ponto. Vagando. Hora no passado com pensamentos e sentimentos num tom melancólico. Ora no futuro com um verniz de medo e ansiedade. Até o dia que o nosso corpo manda a conta.

      Para a psicossomática as doenças têm um fundo emocional. Antes de atingir o corpo, há emoções subjacentes mal administradas. Negligenciadas. Sufocadas. Reprimidas. Então isso alcançará o corpo em algum momento. Como uma forma – ainda que radical – da psique administrar essa questão. E isso é uma fala. Para a psicanálise, todo sintoma é uma fala. Foi o que houve comigo. Precisei passar – novamente – por uma crise de ansiedade para compreender algumas coisas. Quero dizer que precisamos buscar uma reconexão com o corpo. Estamos demais no plano mental! Ruminando pensamentos. Precisamos aterrar. Gosto de uma técnica da bioenergética que fala em “grounding”. Pés no chão. Sentir o solo. A temperatura. Prestar atenção a nossa respiração. Aos sons do nosso corpo. Movimentar-se atentamente. Fechar os olhos. Perceber o entorno. Olhar mais para dentro.

      Nos dias de hoje se faz necessário descobrir uma ilha dentro de si mesmo. Ser capaz de criar um local interno de paz. Um espaço que lhe sirva de ancoragem. Que seja um eixo da personalidade. Um ponto que você possa se encontrar com o seu real self, para quando precisar voltar ao momento presente. Por exemplo. Quem eu sou? Eu me pergunto isso de tempos em tempos. E sei que podemos responder a essa pergunta de diferentes formas ao longo da vida. Como respondemos aos vinte anos difere de como respondemos essa pergunta aos trinta, e será diferente de como responderemos aos sessenta. Mas é extremamente importante sabermos quem somos agora. O que estou buscando agora? Para onde estou indo? Quais são os meus valores? Aquilo que para mim é muito importante. Isso é uma forma de você não se perder de perspectiva, e quando estiver tudo muito bagunçado ao seu redor, volte para dentro. Lembre-se de quem você é. Encontre o ponto em você que vai te ancorar, até que possa ganhar força e fôlego novamente. 

      Assim, quando perceber que a rotina do dia a dia te tragou. Que foi pego pelo fluxo, procure um local calmo e feche o olhos. E se lembre de quem você é. O que você está buscando. Respira. Abra uma torneira e com os olhos fechados deixe a água fria cair sobre as suas mãos... E vá voltando ao presente. Por mais triste o que tenha te acontecido ou preocupante e estressante sejam os seus problemas, você só tem o momento agora. Foca nele. Naquilo que está no seu controle. Não gaste energia, nem tempo naquilo que não está no seu controle mudar. Aceita. E deixa fluir. Uma coisa de cada vez. E toda vez que perceber que a rotina está te tragando repita isso novamente. E volte para o presente. Só temos o presente! O que passou, passou. E o que está por vir, vai acontecer como tiver que acontecer. E quando esse momento chegar – se chegar – você vai resolver como tiver que resolver. Sem sofrimento.

      Se houver muita dificuldade e se estiver passando por sofrimento psíquico, recomendo que busque ajuda profissional. Não seja tolo como eu. Não fique teorizando e tentando administrar algo, se já percebeu que não está conseguindo. Ninguém é super-herói. Nem precisa ser. Buscar ajuda não te diminui nada. Pelo contrário. Dê a si mesmo a chance de mudar! 

 


 

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