Uma legenda para compreender melhor
as analogias desse texto:
A Organização = o corpo humano;
O Líder/Gestor = um médico;
O Conflito = uma ferida (talvez)
inflamada ou infeccionada;
A Intervenção = a entrada (ou não)
de medicação;
O 'tratamento' psicanalítico ministrado: A Fala (ou
melhor, A Escutatória!)
Assim como na vida em geral e em
todos os seus setores, existe também nas organizações algo muito
famoso – e temido. Os conflitos! Isso ocorre, porque onde houver
pessoas haverá certamente conflitos de interesses e/por necessidades
não atendidas. Aqui entra então o “x” dessa questão que é o
item nevrálgico a ser analisado através da seguinte pergunta: quais
seriam as necessidades não respeitadas ou não observadas nessa
dinâmica? Sempre tem.
E muitas vezes elas clamam
para serem ouvidas. Assim
como um processo inconsciente que está gerando alguma
disfuncionalidade, enquanto essas necessidades não forem trazidas à
luz (à discussão; ao debate; ao
diálogo) o conflito
aflorará como uma ferida inflamada que teima em não cicatrizar e
constantemente se abre vazando pus. Na grande maioria das vezes só
se olha para o pus,
quando seria melhor trabalhar
a inflamação.
Como
todas as pessoas também tenho meus próprios conflitos, sejam eles
interpessoais ou conflitos pessoais (eu comigo mesmo). Mas por algum
motivo – e fico sempre atento à razão disso –, a vida me levou
a estar numa posição de mediação principalmente nas organizações.
Se formos analisar, o setor de Recursos Humanos (e aqui se engloba
todas as suas ramificações, desde o Departamento Pessoal à Gestão
de Pessoas) é um mediador entre o empregador e os empregados, e
historicamente nessa relação há conflitos de interesses. E eu sempre atuei nessa área. Mas de nenhuma forma estou dizendo que seria
apenas esse setor a mediar os conflitos nas organizações, volto a
repetir que o conflito é natural nas relações. Como é natural ao
corpo produzir uma inflamação em algum momento por algum motivo,
nas empresas (que devem
ser vistas como um organismo vivo!)
isso também ocorre em todos os departamentos. Onde há pessoas há
conflitos – essa é a máxima. Então, já advirto que é um erro
pensar que “todo conflito é ruim”;
que “na minha empresa não ocorre conflitos”;
ou o que é pior, acabar não lidando com eles, porque eles irão “se
resolver sozinhos”. É preciso
saber, e ter muito claro isso, que nem todo conflito se resolve
sozinho. Na maioria das
vezes, sem gastar energia, tempo e atenção ao conflito, ele não se
resolverá. Ele ficará
manifestando sintoma atrás de sintoma, das mais diversas formas,
porque o próprio conflito em si já é um sintoma de algo que não
está sendo visto. Ouvido. E está intimamente ligado às
necessidades mais básicas.
Existem
muitos gestores, líderes que percebem um conflito aflorado em alguma
situação e fazem que não
estão vendo isso.
Ignoram, não acompanham e continuam os processos sem tocar nessa
ferida, pois existe a crença que “assim será melhor”;
ou o que é mais complicado ainda – mas perfeitamente explicável
também –, quando o líder não tem maturidade psíquica,
conhecimento e segurança da sua posição e principalmente quando
ele não tem inteligência emocional
para intervir. Quando o líder não tem esse preparo é comum ele
se contaminar no calor da
emoção do conflito,
assim ele perde a cabeça e acaba se alterando também. Justamente
nesse momento, quando as partes estão com a cabeça quente e ele
teria que manter a sua fria, ele descompensa. É como um médico que,
sem ter uma especialização específica para tratar uma determinada
ferida numa parte do corpo, se propõe a fazê-lo sem utilizar EPI
por exemplo (luvas, máscara etc), logicamente que se for algo contagioso ele poderá se contaminar. Então, num movimento de
autodefesa, muitos gestores que não têm (auto)conhecimento e
capacidade de gerenciamento de conflitos, acham melhor não lidar com eles.
Só que esse negligenciamento acabará sendo ruim para a equipe a
médio e a longo prazo, pois é como se o líder só estivesse
enxugando gelo ou o que é muito pior, ele
estaria alimentando o fogo!
Um fogo que só está queimando latente
e lentamente... E isso
vai seguir fazendo diferentes sintomas e poderá
cursar para algo que vai eclodir lá na frente,
com ainda mais força! O famoso efeito bola de nove – e dominó,
porque aí uma coisa termina puxando outra... E sai tudo do controle.
Vale
ressaltar também que, assim como não tomamos anti-inflamatório e
antibiótico para todos os males, pois o médico sabe a necessidade
da prescrição, o bom gestor precisa saber quando intervir numa
situação de conflito. O médico tem ciência que existe em nosso
organismo uma capacidade natural de se regenerar, de se curar sozinho
quando isso é possível. Por isso nunca devemos nos automedicar,
devemos sempre buscar orientação médica para avaliar a necessidade
de entrar com uma medicação, porque se o nosso corpo já tiver a
capacidade de gerar uma determinada recuperação sozinho, o médico
sabe que não é recomendado nem indicado uso de antibiótico, por
exemplo. Não à toa estamos assistindo a existência de
superbactérias e pessoas não respondendo mais tão bem a alguns
antibióticos. Sem falar numa ingestão constante de drogas e na
toxicidade desnecessária ao organismo. Isso se deve a um uso
indiscriminado de medicações que não foram prescritas por um
médico.
Mas
o que isso tem a ver com a administração de conflitos? As
organizações, como um tecido humano vivo, têm a suas próprias
dinâmicas e mecanismos e eles devem ser analisados. Os trabalhadores
seriam, nessa analogia, como células, órgãos, tecidos desse todo
maior que têm as suas próprias interações, e soluções sem
o intermédio constante do líder.
No lado oposto ao de fechar os olhos aos conflitos, por
uma necessidade de comando e controle (do líder),
ele pode pensar ser necessário sempre intervir em qualquer impasse
do grupo. Isso toxica a equipe. Isso vai desgastando um time. É
interessante – e esperado – que uma
equipe também seja solucionadora das suas próprias demandas;
é quando os colaboradores se atritam entre si e eles mesmos ali vão
se resolvendo. E a equipe é capaz promover isso. Desse modo então,
é importante que o gestor conheça muito bem cada um e assim como um
médico que vai observando a evolução do paciente, o líder saberá
quando é hora de
pontualmente intervier no
gerenciamento desse conflito e trazer as questões dos envolvidos –
muitas vezes inconscientes
– à luz. Aqui entra uma poderosa ferramenta da Psicanálise: A
Fala! Nesse momento o líder precisa agir com conhecimento, sabedoria e
maestria.
Salvo
quando o colaborador tem algum transtorno de personalidade, como a
psicopatia por exemplo, onde existe aí uma perversidade consciente e
objetiva – o que nesse caso também é a esmagadora minoria (graças
a Deus!) –, os
colaboradores não conflitam porque querem.
Os impasses e atritos são naturais mesmo das relações
interpessoais – e nem sempre conscientes. Grava isso: na maior
parte das vezes – para não dizer sempre – a origem dos conflitos
é mais básica e simples
do que se imagina, tem a
ver com uma necessidade
primitiva (íntima para
cada um) que não está sendo acolhida ou ameaçada. É um mecanismo
interno de sobrevivência muito atrelado ao medo e à insegurança.
Uma sensação primitiva (registrada lá na infância), como por
exemplo: medo de ser rejeitado; abandonado; manipulado; humilhado;
traído. Assim, quando o colaborador, por algum motivo ali no dia a
dia de trabalho, tem
contato com essa dor primordial,
seja pelo ambiente, pela interação com um outro colega ou por uma
situação específica que dispara
o gatilho (o faz
ressentir essa dor), logo ele
reagirá se defendendo –
até inconscientemente.
Aqui
imagino que o líder que está lendo esse texto agora esteja pensando
assim: “Mas como eu
vou saber isso?! Eu não sou psiquiatra, psicólogo ou
psicanalista!!”. Você
tem razão, você não tem
que saber tudo isso. Mas se quiser ser um (bom) líder, você tem que
ter ou desenvolver, pelo menos, as seguintes competências:
- AUTOCONHECIMENTO: para conhecer minimamente o seu liderado, precisa saber o que é seu, ou seja, se conhecer primeiro. Isso garantirá menos ruídos nas suas análises do outro;
- INTELIGÊNCIA EMOCIONAL: em todas as situações você precisa desenvolver a capacidade de dar respostas assertivas ao invés de ter reações instintivas, controlando assim seus impulsos primários (raiva, ódio, ciúme, inveja etc) sempre se fazendo a pergunta “Qual a melhor forma de eu responder a essa situação?”. Isso fará com que seja visto como alguém prudente, até sábio;
- EMPATIA: ter o genuíno interesse em descobrir o que se passa com o seu liderado, ouvindo-o e tentando imaginar o que ele poderia estar sentindo, sempre se questionando “E se isso acontecesse comigo?”. Isso fará com que se mostre humilde, humano e verdadeiramente interessado.
Vale
também lembrar que:
- Está lidando com pessoas que assim como você têm necessidades próprias, e elas são diferentes das suas;
- Existem forças que imperam em nossos comportamentos que nem sempre estamos conscientes disso. Então, ao invés de rapidamente julgar o comportamento conflituoso de alguns colaboradores, procure analisar o que estaria por trás desse comportamento, quais possíveis necessidades estariam sendo negligenciadas e trabalhe a resolução do conflito nessa direção.
Isso
significa que deve ser posto um divã e fazer análise com os
colaboradores na empresa? A resposta é não. A empresa não é o
lugar para isso. Mas nunca se deve abafar conflitos que nela existem,
ainda mais quando eles já demonstraram que não se resolverão
sozinhos. Como já vimos, nessa situação um conflito tem potencial
para se agravar e se complicar ainda mais. O que se propõem aqui
então é a Arte da Escutatória. Típico da Psicanálise. Trazer a
fala. Trazer o diálogo. Fazer
as partes ouvirem a si mesmas e com isso enxergarem quais
necessidades não estão sendo respeitadas.
Exemplo:
Conflito de A com B.
Um bom líder traria ambos para uma conversa. Traria o conflito
persistente por ele observado. Em seguida tentaria demostrar a B como
ele (o líder) acredita (assistindo o conflito de fora) que A esteja
se sentindo. E isso poderia justificar suas ações. Em seguida fazer
o mesmo com A.
Qual
é a grande sacada disso? 1 – o
líder tem uma visão privilegiada de fora
e pode através da sua posição dizer seguramente o que acredita
estar vendo, solicitar que
o corrijam se estiver errado
e analisar junto das
partes como acredita que
elas estejam se sentindo, no intuito de
sensibiliza-las; 2 – ao
fazer com que cada parte se ouça e perceba da outra quais
necessidades íntimas não estão sendo atendidas, “justificaria”
aquele comportamento, abrindo um canal propício ao entendimento; 3 –
uma vez que as partes estão se enxergando mais humildes, humanas e
agora estão abertas ao diálogo fica mais fácil a partir daí
surgir uma boa resolução ao conflito. Isso tende a aumentar a
empatia no grupo, o respeito pela própria liderança e o incentivo por
soluções que passem pelo diálogo.
2 comentários:
Muito bom 👏👏
Obrigado🙏🏻
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