quinta-feira, 27 de agosto de 2020

ESPIRITUALIDADE NO MUNDO CORPORATIVO


     Estava na faculdade ainda, quando na semana de Administração nos passaram o cronograma de palestras a serem dadas aos alunos. “Espiritualidade”, acredito que era esse o nome de uma delas. Ou algo com essa temática, mas ligado ao universo do trabalho. Confesso que de início fiquei bastante curioso, até surpreso, assim como não via, naquela época – uns dez anos atrás – ligação entre essas esferas: o espiritual e o profissional. Ficava pensando: “Mas o que tem uma coisa a ver com outra? Isso nem se mistura! O que esse cara vai falar?”. E fui à palestra com esse espírito...

     Não que eu não tenha fé, muito pelo contrário, diria que sou extremamente crédulo e espiritualizado, mas nessa época da minha vida insistia em crer que a fé e o trabalho eram caminhos, talvez até paralelos, que não podiam nem deveriam se cruzar. Vou ainda mais longe, tinha a forte crença que vida pessoal, sentimento, qualquer temática não relacionada ao trabalho, e especificamente ao meu trabalho, deveria ficar porta à fora da empresa. Como se isso fosse possível, não é? Então, hoje eu sei que não é. Mas nessa época da minha vida pensava assim – ou pelo menos relutava a pensar de outra maneira. Com essa mentalidade alimentava meu estilo de liderança fazendo com que eu fosse um líder altamente produtivo e eficaz. Minha equipe chegava onde fosse necessário, mas às custas de sufocar todos os seus anseios e demonstrações emocionais. Não tinha espaço para isso comigo. Não à toa levava fama de general que comandava na base do chicote – diziam isso porque era aquele que não pensava duas vezes para dar punições disciplinares. Eu nem gostava de ser assim, mas tinha crenças que hoje vejo serem erradas. Engraçado que da porta para fora era mais humano, espiritualizado, até bom ouvinte, só que ao entrar para o trabalho, registrava o ponto e já incorporava uma espécie de robô. Um homem máquina que só enxergava números, metas, ranking, matéria, matéria... Quase um corpo sem alma. Sem espírito.

     O mais engraçado ainda é que eu sentia que o caminho não era por ali. Eu não entendia racionalmente, mas eu podia sentir que tinha algo de errado. Intuía um contra fluxo, estava me obrigando a nadar contra maré. Como se me desconectasse de uma parte minha no início de todo dia de trabalho, me reconectando só ao final do dia. No entanto, muitas vezes ao longo do dia, ao ouvir uma música, sentir um perfume, ter contato com algo que me remetesse a uma lembrança e me fizesse abstrair, logo rompia esse devaneio com ordens para voltar ao trabalho e focar. Eu me obrigava a não misturar as coisas e combinava comigo mesmo que temas transcendentais, etéreos, metafísicos teriam que ficar fora do expediente porque ali deveria me concentrar. Só que isso me matava um pouco por dia e logicamente não deu certo por muito tempo porque acabei adoecendo mentalmente. E era exatamente esse o alerta do palestrante aquela noite.

     As palavras daquele palestrante naquela noite na faculdade me atingiram em cheio. Ele explicava como muitas pessoas sofriam no trabalho porque não viam nele um propósito maior. Um propósito sagrado. Elas não sacralizavam seu oficio. Segundo ele, quando funcionamos apenas num nível material, sem nenhum valor transcendental, seria mais fácil vir um desgaste físico e mental porque assim como máquinas avariam, nos assimilaríamos a elas nesse modo de vivenciar o trabalho. Apenas físico. Material. Ele nos alertava sobre um lado etéreo, metafísico no trabalho, e isso não tem nada a ver com religião – não somente. A espiritualidade nas organizações está mais ligada à capacidade dos trabalhadores de possuírem ou de desenvolverem valores transcendentais como fé, esperança, o que é sagrado, para baseados nisso, alicerçados por isso obterem maior motivação para suas tarefas. Sacralizar o ofício. Dar um cunho sagrado ao trabalho. A uma categoria elevada.

     Daquela noite em diante muitas fichas minhas começaram a cair. Percebi que não estava sozinho nessa. Muito pelo contrário, havia todo um estudo por trás dessa temática sobre Espiritualidade no trabalho. Um movimento que já começara há bastante tempo, mesmo que um tanto quanto timidamente ainda, mas que eu só estava tomando contato naquele momento. Pesquisando percebi que alguns grandes líderes e CEOs depois de uma longa jornada corporativa compartilhavam conhecimentos e momentos de profundas vivências espirituais, curiosamente até se tornando gurus no mundo empresarial. Assim nos sinalizando da importância de unificarmos a matéria e o espírito mesmo no mundo dos negócios.

     O tempo foi passando e fui então trazendo para dentro da minha esfera profissional aspectos da minha personalidade que sempre gostei, mas que viviam porta à fora apenas. Fui me abrindo pouco a pouco até permitir que as pessoas conhecessem o meu verdadeiro eu, e não apenas um colega de trabalho. Passei a ter momentos para orar silenciosamente. Respirar fundo, fechar os olhos e procurar me conectar a Algo Maior que acredito que perpassa todos nós, conectando tudo sistematicamente. Me entrego com fé e prossigo minhas atividades do dia com ainda mais otimismo e esperança. Imagino que o ser humano sofre por desconexão com essa essência, quando isso não é possível. Esse é o nosso primeiro erro: nos identificar tanto com a nossa mente e esquecer que a mente é só uma ilusão. Há uma essência que precede nossa mente, uma essência que possui inúmeros nomes e para mim é simplesmente Deus. Uma essência sinônimo basicamente de amor e paz. Assim, trabalhar conectado com essa crença é compreender que somos mais do que circunstâncias, funções e resultados momentâneos e aconteça o que que acontecer tudo ficará bem.

     Eu não estou aqui pedindo que você abandone suas metas e seus sonhos materiais. É sim ótimo ter ambições e espero que você as tenha. Está tudo bem querer bens materiais, crescer financeiramente, obter maior status social. Mas não somente isso. Você não é só um um carro; um apartamento; uma casa; um salário; um cargo; um resultado. Você é tudo isso e você é mais do que isso! Existe por trás de todas essas coisas um todo incompreensível, pleno e infinitamente maior do qual você e eu fazemos parte e isso é o que dá todo sentido a nossa vida. Esse todo é como se fosse o nosso cinto de segurança. É o nosso paraquedas. Nosso bote salva vidas. É a garantia que se todas as peças fossem retiradas do tabuleiro, ainda assim restariam fé, esperança, amor e a partir disso tudo se reconstrói! Posso garantir a você que se você se conectar com essa essência vai ressignificar obstáculos, vai se levantar após quedas e terá maiores certezas perante os dilemas do trabalho e da vida. Um dia eu nadei contra a correnteza, mas hoje eu entendo, ou melhor, eu sinto, de uma forma que não sei racionalmente explicar, que quando soltamos as nossas crenças e nos entregamos ao fluxo sentimos a verdadeira força da vida. Percebemos que não estamos sós e concluímos que tudo caminha para fins melhores, sejam profissionais ou pessoais. A espiritualidade no trabalho vai te mostrar um eixo e se revelar um ponto de equilíbrio, encontrando paz de espírito, força e fé para avançar com mais sentido e propósito na sua carreira.

Nenhum comentário: