terça-feira, 31 de dezembro de 2019

ENFORCADO EM 2019


     Essa é a última postagem de 2019. A postagem de hoje começou a dias, talvez semanas atrás, quando comecei a pensar sobre ela. Fiz reflexões profundas sobre como esse ano foi para mim procurando sintetiza-lo em poucas palavras, até encontrar apenas uma. Sacrifício! Auto-sacrifício, na verdade. Essa palavra definiria o meu ano de 2019. Você deve estar pensando que “não foi um ano bom então”. Diria o contrário. Apesar de ter sido sim um ano DIFÍCIL, o balanço geral é positivo, porque foram movimentos CONSCIENTES.

     Na imagem dessa postagem vocês observam uma carta do tarot, O Enforcado ou Dependurado. Sou apaixonado pelo tarot pela sua SIMBOLOGIA. Adoro simbologia. Gosto de figuras de linguagem, analogias, a significação das coisas e o que somos capazes de aprender. Desde de criança gosto de mitologias. Gosto da psicologia analítica e dos arquétipos do Jung. O símbolo tem um significado. O corpo fala. Uma imagem fala mais do que mil palavras. Sou interessado no que está oculto, no que não foi dito, no que está submerso e nem sempre vem à consciência. 

     Gosto de observar a vida e os seus movimentos. Gosto de observar as pessoas, as conversas, os conflitos. Gosto de me observar. Prestar atenção aos detalhes. Sons. Gestos. Olhares. Silêncios... Aprender a procurar o conteúdo latente ofuscado por aquilo que alguém está expressando. Aprender que às vezes esses conteúdos podem divergir: algo mostrado na superfície diverge do que está submerso. Aprender também a discernir quando o conteúdo por mim visto é uma projeção minha. Freud trouxe o conhecimento de uma instância psíquica chamada de Inconsciente. Aprendi então que uma pessoa não é mentirosa ou falsa – como julgava muitos no passado – quando me mostra algo diferente do que estou captando, pois talvez ela não tenha ainda consciência disso. E não cabe a mim trazer isso à tona. Essa é a tônica dessa postagem: a vaidade por trás de tentar expor os conteúdos alheios e de julgar saber o que é melhor para os outros.

     De todas as teorias psicológicas que conheci, me incomodava a psicanálise. E tudo começou com a psicanálise. Me irritava com essa abordagem e entrava em impasses com psicanalistas, porque a achava “passiva”. Me incomodava o fato de uma pessoa de fora (o analista) enxergando muitas vezes claramente uma situação, não intervir. Não falar aberta e objetivamente o que ele está captando. Tinha a crença que seria muito melhor se fosse direto! Quando fiz uma especialização em psicologia organizacional, estudei numa disciplina mais sobre a abordagem psicanalítica e convivendo com psicanalistas e conversando com eles entendi melhor a psicanálise. Compreendo hoje que o que leva anos para se construir não se “descontrói” da noite para o dia. E expor o que vejo nos outros só revelará uma necessidade egóica minha. A de querer estar certo e ficar com a razão. E quem tem razão?!

     Onde quero chegar com tudo isso? Eu aprendi... Ou melhor... A vida me ensinou que eu não sei o que é melhor para uma pessoa que eu gosto. E isso dói sabe onde? No ego. Quantas vezes tentamos intervir numa situação, numa história, na vida de uma pessoa, seja de um familiar, de um amigo, de alguém que gostamos muito e tentamos falar para essa pessoa o que é melhor para ela? A gente quer o bem dessa pessoa? Sim. Estamos imbuídos de boas intenções? Sim. Mas até onde não estaríamos tentando CONTROLAR a situação? É duro admitir isso, porque dói no ego, mas é controle. Quando entramos, até sem a autorização clara, na vida das pessoas que a gente ama e tentamos mostrar a elas, quase impondo, o melhor caminho para elas é um sinal de prepotência velada. Ao fazer isso nos colocamos num pedestal onde nos julgamos melhores, pois saberíamos o melhor a ser feito e ditamos o que o outro precisa fazer para obter sucesso, saúde, bem-estar. E isso é tão falso, né gente... Muitas vezes a gente não sabe direito nem o que é melhor à nossa própria vida, como podemos julgar saber o que será melhor na vida de outra pessoa? Mesmo que isso seja uma atitude por amor, no fundo é só vaidade. Controle. E ego.   

     Eu tinha essa crença inconsciente. Quando eu gosto de uma pessoa, tento imaginar o que seria melhor para ela e vou a empurrando em direção a isso (inconscientemente). Vou condicionando seu caminho. Quem fazia isso comigo? Meu pai. Ele se achava muito certo e no direito de escolher todos os meus caminhos. Ele fazia isso por amor? Sim. Ele me amava demais. Só que no fundo eu nunca gostei disso, pois só me fazia sentir manipulado, controlado e o pior de tudo: que eu não era aceito nem amado por ele do jeito que eu era. Então perto dele me sentia sempre em falta, sempre aquém. Quando entramos na vida das pessoas que gostamos para verificar o que seria melhor para elas, subentende-se aqui que do jeito que elas são não é possível ou não serve para nós. Numa tentativa de fazer o bem para a pessoa, estamos fazendo mais mal. 

     É duro admitir que tenho esse comportamento crítico do meu pai. Tudo o que eu odiava nele, como sua crítica excessiva, seu ego inflamado, seu excesso de controle, o rigor desmedido, às vezes sem perceber reproduzo esses comportamentos, não só com os outros, como comigo mesmo. E por que é duro admitir isso? Porque sou igualzinho a ele. Entenda que a pessoa que você mais briga, que mais bate de frente e te irrita é justamente porque vocês se parecem! Aceita que dói menos. Hoje, entendendo melhor alguns conceitos da psicanálise, percebo que reproduzimos comportamentos no automático, mas não basta você ter o conhecimento de um mecanismo inconsciente, você precisa elabora-lo

     O que eu quero dizer é que um comportamento inconsciente não deixará de atuar só porque se teve conhecimento dele, pois ele tenderá sempre a se repetir. É como um disco riscado que a música trava ali, é uma tendência ficar se repetindo. É uma marca, uma cicatriz no nosso psiquismo. O que quero dizer com isso? Como fui criado por um pai com essas características e sempre fui mais apegado a ele, “registrei” esse comportamento mesmo não gostando! Por amor a ele! Sou sim excessivamente crítico, orgulhoso, gosto de controlar tudo e rigoroso, por mais que eu não goste disso. Ter consciência disso não vai MUDAR o meu jeito de ser, MAS pode me oferecer ferramentas para me trabalhar melhor. Assim, quanto mais consciência tiver desse funcionamento da minha personalidade, e das razões disso estar vindo à tona, obtenho mais autonomia para decidir se valerá a pena ou não persistir nisso. 

E você, já se observou para descobrir quais crenças tem e quais comportamentos reproduz sem muita consciência? Quem te ensinou a ser assim? Por que você continua com isso? Vale a pena continuar? 

     Agora, você deve estar se perguntando: o que isso tem a ver com a carta do tarot? 

     A carta significa um sacrifício consciente. Note que a personagem da carta, mesmo dependurada, está com uma expressão de tranquilidade, pois ela chamou essa situação. Significa uma crise “provocada”. É uma atitude consciente que despertou uma crise. É sacrificante, porque a situação nunca será confortável (embora esperada): a figura está suspensa pelos pés. Mas veja que interessante: isso lhe dá a oportunidade de ver numa perspectiva diferente! Essa mensagem figura o meu ano de 2019. Ao tomar consciência de algumas questões, tomei conscientemente também decisões que não foram fáceis, pelo contrário, foi doloroso. Porém me fez enxergar a vida por outros ângulos. E isso mudou tudo.



Desejo de coração a todos que tenham um 2020 repleto de Amor. Paz. Saúde. E consciência.


quarta-feira, 18 de dezembro de 2019

VALORES MAIORES



     Todos nós temos uma parte em nós mesmos que é sagrada. É aquela nossa parte que é madura, responsável e sábia. Em alguns talvez essa parte seja mais desenvolvida, em outros talvez menos. Mas todos a temos. A questão é que não usamos. Não, com frequência. Costumo pensar que essa parte é como uma ponta de uma conexão direta com algo superior, que para mim é Deus. É como se Deus estivesse num ponto e no outro ponto cada um de nós, e esse fio é o que nos ligaria. Nos momentos mais decisivos de nossa vida nos conectamos com essa fonte e obtemos força, coragem, conforto e sabedoria principalmente. Hoje, mais do que nunca, é de extrema urgência e importância que você aprenda a acessar essa conexão que vou chamar aqui de Eu Superior e vou te explicar o porquê.

     Todos nós estamos passando por problemas. Seja branco, preto, amarelo, rico, pobre, casado, solteiro, todos temos problemas. Muitas vezes tendemos a acreditar que uma ou outra determinada pessoa não tem problema, porque, de fora, observando a vida dessa pessoa a julgamos perfeita. Como se existissem pessoas com vidas melhores do que a nossa. Gostaria que tirasse esse conceito de sua cabeça, porque isso não é verdade. Todas as pessoas estão enfrentando seus dilemas e demônios pessoais. Acreditar que exista uma vida perfeita ou um relacionamento desses de contos de fadas é ilusão. Na vida real todos sofrem, choram e matam um leão por dia, ainda mais nos dias de hoje. A questão é que a grande maioria das pessoas usam máscaras sociais bem montadas e pintam a cena muito bem. Mas só Deus sabe o que habita o interior de algumas casas; de alguns relacionamentos; o interior de algumas pessoas.

     No passado, as pessoas tinham mais tempo e dedicavam mais energia umas às outras. Era comum você ter um ou mais amigos íntimos que você pudesse contar. Contar para conversar, chorar, desabafar, e ali, olho no olho, ombro a ombro, coisas eram ditas e isso era uma elaboração. Friso aqui exatamente esse aspecto: a elaboração através de uma fala amiga. Muitos não se dão conta, mas quando você está com alguma questão pessoal, só o fato de você desabafar isso com um amigo já é positivo. Por mais que esse amigo não seja um psicólogo, um psiquiatra ou um psicanalista, o falar sobre a questão para alguém que te olhe nos olhos e esteja com ouvidos atentos em você, está acontecendo aí um movimento terapêutico. Quando falamos com alguém que está conscientemente prestando atenção em nós, com doação sincera de tempo, ganhamos a oportunidade de nos ouvir enquanto falamos. Ouvimos nossa questão e somos capazes, em algum nível, de nos ver de fora e isso é muito significativo para a saúde mental. Ou seja, amizades sinceras valem muito!

     A realidade de hoje é diferente. Quantas pessoas, de profunda confiança sua, você poderia ligar agora e chamar para sair e conversar um pouco? Pessoas que você saberia que sentariam com você com total entrega de tempo, de energia e com atenção ouviriam o que você tem a dizer, sem julgar, sem criticar e até ajudariam a encontrar um caminho se necessário – quantas? Quase não temos mais. Mas isso não é culpa de ninguém, porque a maioria das pessoas não tem tempo, energia, nem atenção suficientes para a própria vida. As pessoas estão cansadas, muitas estão na defensiva e estão vivendo como podem, com o que tem, da forma como estão conseguindo. Ou seja, nós estamos sobrevivendo da forma como podemos. Deveríamos buscar ajuda de um profissional da saúde? Deveríamos! Estamos procurando? Muito pouco! Talvez por isso observamos tantas pessoas exauridas fisicamente, doentes mentalmente, porque não têm com quem contar e não buscam ajuda.

     Aqui entra o Eu Superior que habita em cada um de nós. Todos nós temos dentro de nós essa voz de sabedoria que nos guia. Defendo aqui a busca pela espiritualidade. Não adianta você se queixar que uma determinada pessoa não te ajuda ou não te compreende, porque talvez essa pessoa não compreenda a si mesma. Já parou para pensar, o que pode estar enfrentando as pessoas que você busca auxílio, compreensão ou afeto? Seja quem for que você esteja esperando que te compreenda ou te auxilie, se essa pessoa não dá a devolutiva ou a atenção que você espera é porque ela não pode. Ou talvez não queira. Ou não tenha tempo. Em todo caso, não vai resolver brigar ou se ressentir com essa pessoa. Cada um dá o que tem. Se essa pessoa não te compreende, não te ouve, não te valoriza o suficiente, procure você se compreender, se ouvir e se valorizar, porque isso está em seu controle. Exigir que o outro seja de determinada maneira ou dê algo que ele não quer ou não pode dar é tolice. É batalha perdida antes mesmo de iniciada. Procure entrar mais em contato com você mesmo. Conheça seus pontos fortes e seus pontos vulneráveis. Aprenda a se amar primeiro e ser o seu melhor amigo. Analise-se sempre que possível. Quanto mais você for capaz de se conectar consigo mesmo, mais em paz você estará. Assim, ficará menos sensível às turbulências externas e menos ressentido quando alguém não te der a atenção merecida.

     Depois de muito me magoar com as pessoas que não correspondiam as minhas expectativas ou não davam a atenção que eu julgava que merecia ter, resolvi mudar o meu jeito de ser. Passei a não ter grandes expectativas em relação ao comportamento das pessoas. Aceito e tento compreender o que alguém pode ou quer me oferecer. E seja quem for. Mãe, chefe, amigos, colegas de trabalho. Percebi que a gente sempre desenvolve, até sem querer, uma crença de que as pessoas têm que se comportar como esperamos que elas se comportem. “Porque MINHA mãe não pode fazer isso COMIGO”. “Porque o MEU melhor amigo não podia fazer aquilo COMIGO”. “Porque MEU/MINHA chefe não ME compreende”. “Porque o mundo é muito duro para MIM”. Quando fazemos esses discursos ou temos esses pensamentos, dando demasiada ênfase em nós mesmos, só falta enfiarmos uma chupeta na boca e batermos as pernas no chão chorando por atenção. Estamos regredindo a um comportamento infantil. Quando me pego nessas queixas bancando uma vítima sofredora, procuro rapidamente sair desse lance. E repetir mentalmente a mim mesmo coisas como: “tal pessoa é como é”; “deu o que quis ou podia dar”; “não tenho controle sobre as pessoas, tenho sobre mim e o que posso fazer com isso”; “reclamar, me ressentir, ir lá brigar ou exigir que me ajudem ou me compreendam não resolve nada”; “cada um dá o que tem”. Com essa mentalidade inverto uma ânsia de aprovação ou carência de afeto por sabedoria.

     Aqui o Eu Superior está entrando em cena. A parte adulta que vai lidar com a situação. Abre o espaço para me conectar com valores maiores como Compaixão, Sabedoria, Fraternidade e Amor. De posse desses valores maiores posso ver as situações com amor ao invés de raiva. Ver as pessoas com compaixão ao invés de ressentimento. Compreender que minha mágoa tem muito mais a ver com uma expectativa egoica minha do que com o outro de fato e que se alguém não me ajudou como esperava, talvez fosse porque essa pessoa precisasse de ajuda também. E aí acontece algo muito bacana: o quadro todo se inverte. Ao me alinhar com Deus, com essa parte superior e sagrada que habita em nós, tudo fica tão pequeno, começando por mim e isso me supre completamente. Sinto que posso então oferecer auxílio até para quem por algum motivo não pôde ou não quis me ajudar. E isso se chama ALTRUÍSMO, o comportamento mais humano e mais puro que uma pessoa é capaz de alcançar em vida. Esse é o nosso verdadeiro objetivo aqui. Namastê.🙏

sábado, 9 de novembro de 2019

EU SOU NARCISISTA



narcisista
[De narciso¹ + -ista.]

Substantivo de dois gêneros

01. Pessoa que tem propensão ao narcisismo, que nutre amor excessivo a si mesmo, a sua imagem.

(Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa)

        Venho de um lugar onde as pessoas ao meu redor não acreditavam muito em mim. Pelo menos era assim como me sentia quase o tempo todo durante toda infância. Havia rejeições e menosprezos por toda parte. Começando dentro de casa. Meu pai foi um homem muito crítico, ainda mais comigo, pois, a seu ver, eu tinha futuro. Tinha aulas na escola e quando chegava repassava o que aprendia com ele. “O que você pode me ensinar hoje?" – me perguntava ao final de toda tarde. Sentávamos então à mesa com meus cadernos de caligrafia – porque minha letra tinha que ser bonita – e explicava a ele o que havia aprendido naquele dia, enquanto ele me interrompia questionando a falta de pingo nos i e j. Meu caderno de desenho também eram avaliado e obviamente que ele me mostraria depois como poderia melhorar aqueles meus rabiscos.

        As refeições eram servidas à mesa e era nela que sempre deveríamos comer, todos juntos, enquanto meu pai contava nossas mastigadas e o ouvíamos sempre repreendendo para não mastigarmos com a boca aberta nem fazer barulho ao comer, porque pessoas civilizadas se comportam adequadamente à mesa. Era muito criança quando tive que abandonar as colheres e aprender a usar garfos e facas. Nem preciso falar como era um martírio diário comer com aquele homem falando na minha cabeça.

        Ande direito. Fale direito. Sente direito. Escreva, desenhe, aja direito. Seja direito! Foi assim toda a minha infância e prosseguiu adolescência a fora. Aos nove anos de idade, no dia seguinte à primeira reunião de pais e mestres, me lembro de minha professora da quarta série me perguntar – na frente de toda sala – se meu pai era severo demais e me batia. Fiquei em silêncio um pouco encabulado, enquanto ela explicava o motivo do questionamento. Disse que meu pai na reunião só fazia insistentemente uma única pergunta: “Ele é o melhor da sala?”. Ela me disse que temeu lhe responder qualquer coisa diferente de sim. Embora fosse um aluno exemplar nas notas e da professora ter lhe respondido sim, não bastou ao meu pai, já que ao chegar da reunião naquele dia veio me questionar por que a aluna Carla Beatriz tinha uma nota azul a mais do que eu em seu boletim. Ele comparava o meu boletim ao dos demais alunos e nesse dia queria saber se essa menina era mais inteligente do que eu e obviamente me fez prometer a ele que no próximo bimestre a superaria nas notas – o que de fato aconteceu, mas não sempre.

        Nós podíamos brincar na rua, mas deveríamos ficar alertas caso nosso pai assobiasse. Havia um código para nós. Um assobio deveríamos ficar alertas e nos despedir de nossos amigos, pois no segundo assobio seria hora de entrar. Quando muito entretidos nas brincadeiras e não ouvíamos os assobios anteriores, no terceiro assobio já voltávamos para casa cientes que apanharíamos. Havíamos desobedecido o “toque de recolher”. Fomos educados assim, com rigor, disciplina e ordem. E isso é só a ponta de um imenso iceberg. Havia sempre repreendas, sermões, críticas, filosofias, ensinamentos e castigos todo o tempo. A meu ver, meu pai era o general, minha casa o quartel e a educação ofertada se assemelhava muito a um treinamento militar.

        Aguentei bravamente. Sempre fui persistente. Queria mostrar ao meu pai que era capaz de suportar seus castigos, mas confesso que a minha maior dificuldade era dar conta de ouvir e ter estrutura psíquica e emocional para lidar com suas críticas. Ele era ácido. Ferrenho. As suas críticas eram certeiras, fortes, incisivas e me faziam sentir sempre muito aquém das altas expectativas que ele tinha para mim. Podia ver claramente o modelo de homem que ele queria formar, mas não me identificava com esse modelo o tempo todo. Discordava em alguns aspectos, achava irrealistas algumas coisas e inatingíveis outras. Mas por incrível que pareça, eu compreendia o que ele estava fazendo – pelo menos num âmbito racional. Racionalmente falando, o Jonas criança tentava compreender as ações do meu pai. Mas emocionalmente eu não conseguia... Não sempre. No nível mental compreendia que ele queria que eu desse o meu melhor, que eu entregasse mais, que eu superasse a mim mesmo a cada dia, porque ele queria sempre me ver bem e melhor. Racionalmente, ok. Emocionalmente, a uma criança, lidar com esses conteúdos fortes de críticas em cima de críticas vai macerando seu ego. Vai esmagando sua autoestima. Foi o que aconteceu comigo. Água mole em pedra dura...

        Mas eu aceitava tudo isso como podia, porque sabia que ele me amava. Muitas vezes tinha ódio dele, mas quando ele me abraçava, podia me ver em seus olhos e sabia que ele abraçava o universo nas mãos. Nós éramos tudo para ele. A vida do meu pai era os filhos, ele matava e morria por nós. Ele era intenso mesmo, em tudo. Nossa relação era de amor e ódio, de amigos e inimigos, de brigas e altas conversas. Mas foi ficando difícil lidar com isso, vamos lembrar que minha personalidade estava em formação também! Eu não tinha a cabeça e a visão de hoje. Então em algum momento desconectei. Foi preciso desconectar o emocional. O ambiente externo exigia muito, então tive que proteger o ambiente interno, porque racionalmente entendia, mas emocionalmente não suportava. Resolvi ceder por completo. Criei barreiras e falei a mim mesmo que iria me encaixar e tentaria corresponder ao máximo que pudesse. Fui tão fundo nisso de tentar alcançar os altos padrões que ele tinha para mim que sem perceber entreguei minha autoestima por completo em suas mãos e passei a esperar por estima externa. Passei a me importar demais com as críticas do meio externo. Se antes eu conseguia ter um senso crítico para as críticas, neste momento já não conseguia mais.

        Foi quando busquei a todo custo agradar a todos. Anulei por completo meu ego e passei a prestar atenção ao que as pessoas ao meu redor esperavam de mim, fosse na família, na escola, nas amizades, na sociedade. Engoli o verdadeiro Jonas para me enquadrar ao meio externo; para conseguir o amor, a aprovação e o aceite das pessoas que gostava e admirava. E quando alguém me achava feio, chato, desinteressante ou fazia qualquer comentário, mesmo em uma simples brincadeira, aquilo me afetava demais! Começou a me afetar muito mesmo. Como perdi o referencial de quem eu era ou queria ser, eu não tinha estrutura para lidar com a falta de apreço dos outros. Qualquer sinal de descortesia, rejeição ou reprovação das pessoas me doía demais. Queria tanto que gostassem de mim que fazia de tudo para ser bonzinho com todos, mas ora as pessoas me subestimavam, ora me menosprezavam, ora me faziam de bobo. De repente passei a ser visto como o bobinho, o sem personalidade, o zero à esquerda. Aquele que todo mundo pode passar a perna. Será que preciso me anular tanto e ter essa postura quase de subserviência para ser aceito? – me perguntava, chateado comigo mesmo por me submeter a esse papel só por uma aprovação externa. Eu me sentia às vezes ridículo por gastar tanta energia para me enquadrar ao que as outras pessoas achavam bonito, correto, aceito ou admirável e a contra partida eu detestava a mim mesmo.

        Nessa época, esse processo de não gostar de mim mesmo só me fez ansioso e descontar toda essa ânsia de aprovação não atingida na comida. Aos dezesseis anos estava pesando mais de cem quilos e um belo dia no trabalho passei tão mal que sai pelas ruas desgovernado e desmaiei numa calçada. Um casal que passava de carro me socorreu e me levou ao hospital. Quando questionado pelo médico o que acontecia, apenas lhe disse que sentia que estava morrendo. Ele fez toda avaliação clínica e o diagnóstico foi que não havia nada (físico). Tive nesse dia sem saber um ataque de pânico. E até hoje, juro por Deus, digo que foi uma das sensações mais terríveis que já tive na vida; tinha absoluta certeza de que estava morrendo.

        Onde entra o narcisismo? Agora.

        Quando cheguei nesse ponto, tive que fazer uma escolha entre o meio externo e eu. Sentei comigo mesmo e durante um longo período ainda na adolescência me fechei para balanço. Precisava renascer algo a partir dali. Sentia meu ego, minha autoestima, minha personalidade em frangalhos, eram cinzas e pó. Cheguei a seguinte reflexão. Amor não é algo dado naturalmente. Amor é escolha! E posso produzir ou importar. Autoestima, aprovação, aceitação, são facetas de amor, já que no fim tudo o que o ser humano busca é amor. Amamos e queremos ser amados. Uns produzem amor dentro de si mesmos. E os que não produzem, precisam importa-lo do outro, então vão buscar no externo. Fiz a escolha de aprender a me amar e ser capaz de produzir meu próprio amor valorizando mais a mim mesmo, para nunca mais ser dependente dos demais me amarem! Novamente fui fundo nisso. Foquei toda minha libido em mim mesmo com toda força que podia! Ninguém saberá mais de mim do que eu mesmo. A minha opinião, sobre mim mesmo, será soberana. Vou me amar, me respeitar, identificar quem sou, quem quero ser e a partir de agora eu vou legitimar o meu ego.

        É como se eu erguesse meu ego e o colocasse na estante da minha vida numa posição de destaque. Não foi do dia para noite. Foi um processo, que ocorreu paralelo a morte do meu pai – figura essencial na estruturação da minha psiquê. E como toda a minha estrutura de personalidade foi centrada a partir do querer do meu pai, quando ele saiu de cena (ele faleceu quando completei dezoito anos) o Jonas desabou! Perdi o referencial, o eixo central, me sentia oco, vazio, em ruínas mesmo. Mas se por um lado me sentia perdido, porque ele era meu Norte desde sempre, por outro lado me senti bastante excitado, pois dessas ruínas pude com os destroços reerguer minha estrutura como Eu quis! O Eu ganhava espaço e força para avançar a todo vapor! 

        A partir daí começou a acontecer algo surpreendente. Comecei a me alimentar melhor. Passei a fazer exercícios físicos regularmente. Meditar. Emagreci. Iniciei esse blog. Terminei o ensino médio na EJA. Fiz faculdade. Pós-graduações. E nunca me senti tão seguro de mim mesmo. Aquele jovem indeciso, ansioso, obcecado por aprovação dos outros, deu espaço a um homem forte, corajoso, seguro, dono do seu destino, que se ama acima de tudo e todos. Hoje tenho plena consciência que ninguém sabe mais sobre mim do que eu. Se alguém disser que sou incapaz de realizar algo, só será verdade se eu chancelar isso, pois quem sabe do que sou ou não capaz sou eu. Não espero migalhas de amor externo, se posso me fartar de um banquete interno. Eu me amo, me admiro, me orgulho de mim mesmo e acredito no meu potencial. Não espero que ninguém me complete, porque não sou a metade de nada. Sou um homem perfeito com imperfeições aceitas. Não importo amor, já aprendi a produzir o meu, quem chega só vem para somar. Para me ensinar. Para compartilhar. E se partir, tudo bem também, não vou morrer nem a pessoa. E quando ouço... Não gosto de você, digo ok. Não concordo com você, tá ok. Acho você feio, chato, metido, ignorante, arrogante, prepotente, ok. Ok. Mas quem sabe de mim sou eu! E quando uma pessoa diz algo sobre mim, em um bom nível, ela não está revelando algo sobre mim, ela está se revelando para mim! Pois como disse Freud, quando Pedro fala sobre Paulo, sabe-se mais de Pedro que de Paulo.

        Quis contar minha história pessoal e coloquei esse título provocativo no texto para satirizar esse momento que vivemos onde tudo é Narcisismo. Fulano é narcisista. Fulano tem traços de narcisismo. Na internet bombam vídeos e mais vídeos descrevendo e ensinando como reconhecer um narcisista, e a coisa toda banalizou. Pessoas leigas pegam fatos e comportamentos isolados e já fecham um transtorno de personalidade! – que por si só é algo bastante complexo até aos psiquiatras e psicólogos para fecharem um diagnóstico. O comportamento humano é muito complicado para se decifrar em análises rasas e superficiais. Acredito sim que exista o Transtorno de Personalidade Narcisista, mas ele tem traços, sinais e sintomas muito precisos, descritos no DSM-5. Só que hoje qualquer manifestação onde uma pessoa demonstre muito amor por si mesma já é considerada narcisista. Quer dizer, quando alguém se submete ao cônjuge, aos pais, à sociedade, numa postura de obediência quase de subserviência, aí tudo bem. Essa é uma atitude bonita né, de resignação e abnegação. Agora se uma pessoa assume aquilo em que de fato ela é boa, expõe seu melhor e não esconde o quanto de amor tem por si mesma, então é narcisista? É arrogante? Não... Sinto dizer, mas isso não é Narcisismo, nem um comportamento egoísta, é só amor próprio mesmo. A pessoa está sendo capaz de ser produtora ao invés de ter que importar.

        Assim como um dia aprendi, se isso faz sentido para você, gostaria de dividir este conselho. Pare de olhar para fora. Ninguém sabe de você mais do que você mesmo. Ninguém tem mais autoridade, nem propriedade de conhecer sobre você mais do que você mesmo. Encontre em si aquilo que carrega de bom e exponha com muito orgulho. Tendo o queixo erguido e o peito estufado. Não é feio se orgulhar de si mesmo! Não é errado se amar demais! Não tem nada de injusto se colocar em primeiro plano. Lembre-se da recomendação no avião: a máscara é em você. Você não ajuda ninguém, sem antes se ajudar. Instituiu-se uma crença na sociedade que é sempre mais bonito, mais virtuoso, colocar os outros em primeiro plano. É divino. A vaidade é considerado um pecado capital. Concordo que todo excesso de fato esconde uma falta, mas não é disso que estamos falando aqui. Eu te digo que não existe nada de errado em se colocar em primeiro plano, na sua própria vida. Não é para você se julgar melhor do que os outros, mas simplesmente para exibir aquilo que você tem de melhor. É como o Sol. O Sol não pede autorização para brilhar, assim como não se preocupa se aqui na Terra existem fontes de energias melhores ou mais quentes do que ele. Ele simplesmente é o que é. Ele simplesmente nos emana sua luz. Ele segue sua natureza que é brilhar e aquecer. Assim tem que ser com você. Assim tem que ser com cada um de nós, todos os dias de nossa vida. Não espere autorização para dar o seu melhor. Para mostrar a sua melhor versão ao mundo. Não se preocupe se está ou não agradando, seja o que você é, o que quer ser. E em seu caminho vai se deparar com muitas pessoas que já se esqueceram de seu próprio brilho, mas ao te olharem verão em você algo de diferente, enxergarão Autenticidade, e talvez sentirão a Motivação necessária para resgatar dentro de si mesmas algo que estava a muito tempo adormecido. O amor próprio.

domingo, 29 de setembro de 2019

O Futuro do Trabalho e a Neuroplasticidade


            Você não tem ideia do quanto eu queria escrever sobre esse tema de hoje, já queria falar sobre isso há um bom tempo. Em primeiro lugar já peço desculpa pelo textão. Nem todo mundo curte quando a postagem fica grande, quando isso acontece alguns até desistem nas primeiras linhas, infelizmente. Mas tenho certeza que esse tema será relevante para você, não só como pessoa, mas principalmente profissionalmente, já que isso impacta diretamente no perfil do profissional do futuro (que hoje já se faz presente). Trarei algumas dicas e alguns exercícios que eu mesmo faço, mas o mais importante é a forma de encarar a vida daqui em diante com esses novos conhecimentos. Peço paciência para que você tente lê-lo até o fim. Falarei nessa postagem em duas ideias centrais que se encontrarão ao longo do texto e tentarei ser o máximo didático possível já que essa postagem terá uma cara "meio técnica", mas garanto que é mais simples do que parece. Como esse é um blog pessoal farei alguns links com experiências e reflexões minhas em episódios específicos da minha vida. Vários conceitos que existem sobre aprendizagem, sobre comportamento e formação da nossa personalidade, que começou lá com a Psicanálise, estão sendo reformulados a partir de novos estudos de Neurociência. A postagem de hoje então é sobre abertura à novas ideias e não se pôr em caixas.

            Era década de 90, eu não devia ter mais do que oito anos quando li uma matéria numa revista falando sobre neurônios, sobre a perda deles durante a vida e o impacto disso ao ser humano. É engraçado, mas não esqueço o medo que eu tinha de perder neurônios... Eu sei, você vai dizer, “que medo mais nerd esse”. Ok, tudo bem, mas eu sempre fui um nerd. Sempre fui o esquisitão da turma – sou até hoje. Na matéria falava sobre manter hábitos regulares de leitura, fazer palavras cruzadas, jogo da velha, sobre praticar atividades físicas e ter uma alimentação balanceada também. Isso tudo para retardar uma perda neuronal natural ao longo da vida. Mas em ponto nenhum dessa matéria falava sobre criação neuronal. Levei esse assunto à sala de aula e perguntei a minha professora na época como fazer para criar novos neurônios. E ela me respondeu:

            - É uma boa pergunta, mas até onde tenho conhecimento não é possível. Nascemos com uma quantidade de neurônios que ao longo da vida vamos perdendo. Esse é o processo natural da vida. O que podemos fazer é minimizar essa velocidade através dos hábitos que falam na matéria dessa revista, por isso é importante o hábito da leitura!

            Fiquei decepcionado com isso. Não queria concordar. Mas de fato tudo o que lia ou assistia sobre aprendizagem e como funcionava a nossa mente batia nessa tecla, de que só perdíamos neurônios ao longo da vida. Mas na minha visão isso era muito determinante, porque colocava o ser humano numa caixa sem muita autonomia para se superar. E mais estranho ainda é que nós mesmos adquiríamos crenças que iam justificando ficar nessa caixa!! “Fulano é bom em Matemática, por isso que ele não é bom em Português.” Ou o contrário disso. “Fulano não se sai bem na escola, porque seu negócio é mais a música.” “Fulano é bom em Artes, porque seu pensamento é mais voltado para isso, então não é muito bom nas outras disciplinas.” “Quem cuida muito do físico ou da estética é porque é burro.” Ou o contrário. Perceba que são extremos e não tem como uma pessoa participar das duas polaridades. Eu me lembro quando estava no cursinho preparatório para vestibular, queria prestar Unicamp. E eu já era formado em Administração. Quando os professores do cursinho perguntavam qual curso prestaríamos, notava bastante espanto neles quando respondia “Ciências Sociais”. Quando os indagava, me respondiam que imaginavam “que fosse para alguma Engenharia”. No dia da inscrição, sabe-se lá porquê, coloquei como segunda opção Ciências Sociais (queria me especializar em Ciências Políticas), pus como primeira Ciências Econômicas. Não passei – por pouco – na primeira fase. Será que eu não teria passado, se tivesse seguido mais o que de fato eu queria?!

            Aprendemos a colocar as pessoas em caixas. Pôr rótulos! Fizeram isso conosco um dia e acreditamos. Acreditamos que uma pessoa é boa em Português, porque nasceu com isso. Escrevo bem aqui no blog, porém olhe as primeiras postagens, verá mais erros gramaticais que hoje. E na época da escola era bom em Língua Portuguesa e igualmente bom em Matemática. Por que a gente acredita que sendo bom numa se tem mais dificuldade na outra? Quem disse que são saberes antagônicos? Ah! Já sei. Foi o livro sobre Múltiplas Inteligências, do Gardner. Não vou discutir que um ser humano pode ter maior aptidão para uma área de estudo, mas isso não dificulta em outra. Isso é uma crença, algo que está no senso comum, algo que ouvimos desde criança, chancelamos e repassamos inconscientemente. Mas não tem respaldo científico. Não é porque uma pessoa tem um raciocínio lógico-matemático mais elevado, que essa mesma pessoa não possa ter, também, uma inteligência intrapessoal ou de linguagens significativa. Muito se acreditava sobre o hemisfério esquerdo e direito do cérebro, mas a ciência sabe hoje que a funcionalidade do cérebro humano não é tão segmentada e dividida assim. O cérebro funciona mais como um todo. É só refletir sobre as grandes mentes da humanidade. Leonardo Da Vinci, pintor, escultor, matemático, escritor etc. Muitos poderão dizer: “ele era superdotado”. Eu não tenho dúvidas quanto isso. Só acredito que o que nos impede de alcançarmos resultados diferenciados tem mais a ver com o que DIZEMOS A NÓS MESMOS QUE NÃO PODEMOS com o que de fato não podemos fazer. Existe uma diferença entre comportamento e capacidade cognitiva de fato.

            Todo mundo acha que sou um típico nerd. Engraçado que um nerd carrega aquele estereótipo: esquisitão, de Exatas, manja muito de informática, é magro demais ou muito acima do peso, usa óculos, tem a cara cheia de espinhas, avesso a esportes, amante de HQs, sem tattoos... Isso são rótulos! Parte é verdade, parte não tem nada a ver comigo nem com ninguém, dessa forma fechadinha! Nos meus testes de perfil comportamental por exemplo, de fato Conformidade é mais elevado. E com isso se pode inferir que possuo maior precisão, perfeccionismo, detalhismo, acurácia etc. Mas isso só significa que, dentro desse espectro de atividades e competências, fico mais confortável, pois tendo a dar mais respostas rápidas com menor esforço. Quando o RH aplica um teste assim, ele quer avaliar onde o candidato ou o colaborador conseguirá o resultado mais rápido com o menor esforço. Só isso. No meu caso, um indivíduo assim vai bem em áreas analíticas, áreas de cálculo, áreas que demandem atenção maior a DETALHES, como: contabilidade, departamento pessoal, planejamento estratégico, controle de qualidade etc. Isso significa que essa pessoa não seria, em absoluto, um bom vendedor? Que é impossível uma pessoa com esse perfil se dar bem numa área de marketing, publicidade, propaganda, design? Que essa pessoa não serviria para estar em setores da empresa que demandem muito relacionamento interpessoal? Não. Não. Não é verdade! Só é “sim”, se essa pessoa acreditar nisso e quiser. E esta postagem é justamente para recomendar o contrário disso. Recomendar que você não se coloque numa caixa.

            Não queria ser rotulado de nada em absoluto. Com os estudos mais atualizados sobre neurociência e comportamento humano veio um termo chamado Plasticidade Cerebral. E isso é fantástico! Significa que não só somos capazes de produzir novos neurônios, como estamos constantemente provocando alterações através de novas conexões neuronais e isso acontecerá a vida toda. Por isso esse termo “plasticidade”. Hoje se sabe que o comportamento, a personalidade, a inteligência não são estanque, inatos, imutáveis. Não em absoluto. Nós somos capazes de mudar e nos transformar em qualquer fase da nossa vida. Basta querer. Os nossos hábitos fazem em nosso cérebro um determinado caminho neuronal, um determinado circuito. A partir do momento que adquirimos novos hábitos, forçamos a criação em nosso cérebro de novos caminhos, de novas conexões. Isso nos transforma! E para essa receita de autotransformação, você precisa de apenas dois ingredientes: vontade e persistência. A gente precisa querer algo, mas não só querer, persistir, insistir nisso que estamos nos propondo. Aí entra o aspecto profissional.

            Ontem, conversando com a minha mãe, ela me contou que seu irmão está desesperado. Meu tio ligou para ela, contou sobre mudanças que estão ocorrendo em sua empresa e pediu que minha mãe orasse por ele. Preste atenção. Meu tio trabalha nessa empresa há décadas, acredito que já se aposentou e continua lá. O setor produtivo onde ele trabalha está sendo todo computadorizado e estão o ensinando como acompanhar e monitorar os computadores do setor. Ele ficará responsável por isso. Coitado, ele está em pânico. Disse a minha mãe que mal consegue dormir. Para dar conta, ele está agora tendo aulas de informática com os meus primos. Primeiro ponto: parabéns ele ter aceito! Ele poderia ter se recusado, ter inventado uma desculpa e saído fora, ele já está aposentado. Ou prestes a se aposentar. Mas ele quis aprender. Está se desafiando. O segundo ponto é o seguinte: ele está tendo a oportunidade de aprender algo que em tese ele já deveria estar se mexendo para saber! Não é fácil isso que vou dizer, mas é real. Nem todos os empregadores poderão ESPERAR você adquirir novas competências e habilidades para dar conta de um novo desafio. Você tem que se antever a isso! Hoje, a carreira e o desenvolvimento profissional estão nas mãos de cada um de nós, não mais na empresa. Não espere que seu gestor ou empresa desenvolva você. É claro que eles podem, e em alguma medida até devem, mas essa responsabilidade é sua! Essa responsabilidade é de cada um de nós. O futuro do trabalho já está exigindo um perfil de profissional que use muito a sua neuroplasticidade.

            Sou analista de recursos humanos e recebo muitos currículos diariamente. Uma vez me perguntaram o seguinte: ficar numa mesma empresa durante muitos anos seria ruim por passar uma imagem de acomodação? A resposta é: depende. Quando estou diante de um candidato nessa situação, numa entrevista, estou mais preocupado em descobrir o quanto esse indivíduo se desenvolveu e se transformou, enquanto profissional e enquanto pessoa, ao longo de sua permanência nessa empresa. Quero saber se houve participação em cursos ou palestras; se houve graduações ou pós graduações; se a pessoa assumiu novos desafios, seja em novas posições ou na mesma até; o que agregou àquela companhia nesse período,  onde cresceu e se transformou com isso; ou seja, estou mais interessado em saber se houve uma evolução, se a pessoa e a empresa estão melhores por conta desse relacionamento. Se a resposta for “sim”, independe de quanto tempo a pessoa ficou no seu antigo trabalho, porque houve ganhos para ela enquanto pessoa e profissional e para a empresa também. O problema é quando a resposta é “não”, ou seja, os anos se passaram e a pessoa ficou estagnada, ela não buscou se aperfeiçoar nem obter novas competências e habilidades. Isso é perigoso. O mundo do trabalho está mudando rápido, isso exige dos profissionais mais abertura a novas ideias e pensar fora da caixa. Hoje é requerido que os profissionais de fato não queiram ficar em caixas!

            Para finalizar essa postagem, gostaria de dizer que muito do que você acredita que não é capaz é só coisa da sua cabeça, não tem respaldo científico algum. Pense que se muitas pessoas conseguem, você também é capaz de conseguir. Você não é inferior às outras pessoas que já conseguiram, não se subestime. Isso vale para iniciar um curso numa faculdade; se inscrever num curso de dança; frequentar uma academia; aprender um novo idioma; começar alguma atividade artesanal; iniciar um blog ou um canal no YouTube. Por que não?! O que te impede?? É apenas a sua cabeça, as suas crenças que te impedem. Dê o primeiro passo, permita-se. Existem alguns exercícios simples, que eu faço também, que são muito legais para forçar a criação de novas conexões neuronais. Como por exemplo:

  • Experimente usar a outra mão para escovar os dentes, abrir as portas, se ensaboar no banho, para comer e se possível até para escrever pequenas coisas;
  • Dormir do outro lado da cama;
  • Se tem o hábito de ir trabalhar de carro, um dia da semana vá de moto; se tem o hábito de ir de moto, vá um dia de carro; ou vá a pé; se for mais longe, um dia pode ir de ônibus;
  • Se tem o hábito de ir por um mesmo caminho, explore ir por novos;
  • Mude de vez quando as coisas no seu trabalho, na sua mesa ou na sua casa de lugares;
  • Pelo menos um dia na semana ouça uma playlist de músicas bem diferentes do que está acostumado;
  • Experimente novos pratos de comida;
  • Sempre que possível faça os pequenos cálculos mentalmente;
  • Force-se a chamar sempre todas as pessoas pelo nome, isso te obrigará a memorizá-los;
  • E principalmente: permita-se conversar com novas pessoas – faça amizades com pessoas diferentes de você!

            O nosso cérebro é um verdadeiro poupador de energia. Ele quer sempre obter o melhor resultado com o menor esforço possível, então ele faz de tudo para você criar e se manter num hábito. E quando você provoca conscientemente pequenas alterações no seu dia a dia, isso o obriga a “sair do automático” e com isso fazer novas sinapses. É claro que no início isso vai cansar você. Se fizer por exemplo tudo isso que listei acima, ao final do dia estará cansado, talvez até com um pouco de dor de cabeça. Mas ao persistir irá diminuir esses efeitos e obrigará seu cérebro a se adaptar. Não tenho dúvidas que isso melhorará sua criatividade, sua inteligência, seu raciocínio, sua vivacidade; se sentirá mais jovem, mais capaz, tudo porque estará abrindo mais canais, fazendo mais conexões. 

            Lembre-se dessa simples receita que vai apenas dois ingredientes: vontade e persistência. Tenha uma vontade forte de se abrir para novas ideias e persista nisso que deseja para si ou para sua vida. Tudo começa aí na sua mente, você é a única pessoa que pode se limitar. A neuroplasticidade prova que você é capaz de mudar. Basta você querer.

segunda-feira, 23 de setembro de 2019

O QUE É SUCESSO



Antes de nos perguntarmos o que é sucesso, eu acho bem oportuno nos perguntarmos primeiro: sucesso para quem? A quem interessa o sucesso? É para a família, para a sociedade ou para nós mesmos? Sucesso é para você! É para cada um de nós.

Vou contar uma história para você. É uma história simples e bem pessoal. Isso me fez enxergar a vida de uma forma muito diferente depois. Já adianto que essa história não terá nenhum fato extraordinário, mas, se ela puder transmitir a você um pouco do que significou para mim, já está muito bom. Foram fatos cotidianos, mas tenho certeza que você se identificará em algum momento – e se isso acontecer a missão dessa postagem terá sido alcançada. Gostaria de dizer antes de mais nada que acredito que podemos (e devemos) extrair ensinamentos no dia a dia a partir de fatos corriqueiros, pois é justamente aí que se encontra a beleza da vida: em pequenos detalhes. É uma pena que esperemos grandes acontecimentos para pararmos um pouco para refletir sobre a nossa vida, já que ela [a vida] está constantemente nos mostrando coisas. Se você pudesse parar por alguns instantes para respirar e só observar, captaria informações que podem estar passando despercebidas por você. A esse afinamento dá-se o nome de Espiritualidade. Essa sintonização é a nossa religiosidade. Uma comunicação direta com o Universo.

Estava na faculdade, era mais jovem, isso foi há quase dez anos. Trabalhava numa empresa e estava muito feliz com as promoções que vinha recebendo. Aprendia teorias na faculdade e podia vivenciar a prática no trabalho; para quem está na faculdade sabe o quanto isso significa: poder atuar na área em que se estuda. Nessa empresa, que é uma rede de lojas, comecei numa função e fui galgando rapidamente através de boas oportunidades que foram me dadas. Antes era uma pequena rede, hoje é enorme! Reconheço que confiaram muito em mim e me deram ótimas oportunidades, o que me enchia de alegria. Lembro-me certa vez de ouvir do diretor geral (que é proprietário) que “eu era um investimento para a empresa” e estava sendo treinado e desenvolvido “para gerenciar tudo abaixo dele”. Nessa ocasião estávamos numa reunião conversando sobre projetos e traçando metas para 2020 – e o ano era 2010! Eu sabia que teria muito trabalho pela frente, o desafio seria grande e uma oportunidade era tudo o que buscava. Na faculdade meus professores ficavam contentes quando comentava das coisas que vinha aprendendo na prática e meus colegas de sala me elogiavam por isso. Estava feliz. Algo me dizia que se continuasse neste caminho muito provavelmente encontraria tudo o que buscava. Dinheiro, poder e sucesso! Afinal, quem não quer tudo isso?!

O tempo foi passando, estava trabalhando muito, estudando bastante e sem perceber uma sensação estranha começou a me rondar. Não sabia explicar o que era, apenas sentia um aperto no peito que vinha do nada. Em muitos momentos me pegava com os pensamentos longe, como se apenas o corpo estivesse presente. Eu saia aos finais de semana à noite, comia, bebia, dançava, via gente, dava risadas! Mas algo ali apertava silenciosamente. Algo não me deixava em paz. Algo me dizia que eu não estava tão feliz quanto achava. Como podia não estar?! Estava na faculdade e trabalhando na minha área, começava a ter um salário melhor, tinha condição de comprar coisas que antes não podia. Então não entendia por que tristeza. Não aceitava isso! Pois me soaria como ingratidão à vida sentir isso. Então fui driblando como pude; ora sentia superar aqueles sentimentos; ora eles me dominavam...

Era final de ano, as lojas estavam abertas até mais tarde e eu tinha adquirido um estranho hábito nos últimos meses; o de fazer compras! Quase todo dia saia dar uma volta pelo centro da cidade no meu horário de almoço e voltava com algo. A desculpa era sempre a mesma: um presente para dar a alguém ou algo que “estava precisando”. Não sei em que momento isso se deu, mas quando dei por mim percebi que só entrava nas lojas mais caras. Passei a fazer questão de comprar coisas mais caras. Também tinha adquirido outro hábito nessa época; o de ligar para minha mãe diariamente. E eu sempre fui independente! Mas como nessa época meu pai tinha falecido há pouco tempo, eu só tinha a minha mãe e como morava numa cidade (com ela), trabalhava em outra e estudava em outra a gente não se via; então comecei a ter necessidade de ligar para ela todo dia. E de repente já não conseguia mais trabalhar sem ligar para minha mãe pelo menos duas vezes ao dia, uma antes do almoço e outra depois, e era isso que me dava o gás necessário para prosseguir por mais algumas horas trabalhando. Eu só queria ouvir a sua voz alguns minutos, porque aquilo era como um farol, um ponto de estabilidade para mim, já que me sentia no olho do furacão!

Foi quando ao final de um dia, depois de uma semana estafante de trabalho e estudos, entrei numa loja e quando vi já tinha comprado relógio, óculos de sol, perfume, roupas, calçados, não podia nem com as sacolas. Cheguei em casa, entrei no meu quarto, joguei tudo sobre a cama, sentei no chão e desabei chorar. “Para tudo.” “Chega.” “Você não está legal!” “Vai empurrar isso até quando?”. Essas coisas ecoavam na minha mente... Na semana seguinte, ao dar uma volta no meu horário de almoço, ao invés de entrar numa loja, parei numa livraria. Comprei um livro chamado A Cura Quântica, do Deepak Chopra. Mergulhei nesse livro. Semanas depois me desliguei dessa empresa. E ninguém acreditava! Dentro de mim sentia que tinha decepcionado a todos, principalmente aqueles que um dia confiaram em mim. Por um bom tempo quis acreditar que eles é que foram os culpados. Hoje sei que não, porque, primeiro, não existem culpados! E segundo, a vida é minha e sou eu o responsável pelo que me acontece. Todos foram sempre gentis e bons comigo e hoje compreendo que estamos sempre no lugar certo, no momento certo, com as pessoas certas, passando pelas situações que precisamos passar, para aprender aquilo que é necessário para nos desenvolvermos enquanto seres humanos. Portanto não cabe tristeza, medo, nem ansiedade, tudo é aprendizado!

            Eu não precisei ganhar muito dinheiro, mudar de classe social, nem ficar poderoso ou ter projeção social – como um dia quis – para compreender que o sucesso não depende de nada disso. Graças a Deus, esse simples fato ocorrido já no começo da minha vida profissional, me despertou para muitas coisas em todos os sentidos. E como sou grato por isso. Por poder entender já bem jovem que bens materiais são importantes, mas não podem me proporcionar bem-estar pessoal. Nem autorrealização. Sucesso é mais do que isso. Porque na hora do “vamos ver”, na “noite escura da alma”, quando estamos entre o carpete e o taco, só uma coisa alivia um coração aflito: paz de espírito! E isso não se compra, porque isso não se vende. E nem todos que dizem ter sucesso encontraram essa paz. Hoje para mim sucesso é paz de espírito, não tem nada a ver com coisas materiais. E sabe uma forma simples que encontro? Coloco um tênis e saio para correr no parque. Um fone de ouvido e uma boa música. Ao ver as águas do rio, sentir na pele o calor do Sol, o vento soprando meu rosto, um cheiro suave vindo das folhas das árvores, me sinto tão grato que tudo fica tão pequeno! E me sinto tão completo! Começo a orar. O mundo pode acabar nesse momento e eu estarei agradecendo... 

Eu não sei o que você tem buscado ou o que para você é sucesso, mas eu gostaria de coração que você acreditasse que viver, que a Vida é muito mais do que fama, status, poder ou coisas materiais. O lado material da vida é importante. Mas o lado espiritual da vida é essencial! 

Para finalizar, gosto bastante dessa fala da jornalista e apresentadora Regina Volpato. Assista ao vídeo. 

domingo, 1 de setembro de 2019

FERA FERIDA: você machuca os outros?



Vejo pessoas dizendo que se pudessem voltar atrás teriam feito algo diferente. Enquanto a pessoa só fala, ok. Quando percebo que além do falar existe algum sofrimento, isso me chama a atenção. Já me perguntaram se me arrependo de alguma coisa que fiz ou que falei e sempre respondi não decididamente. Eu nunca me arrependi de nada mesmo – e posso estar sendo leviano ao falar isso, mas sinceramente é uma verdade para mim. Pelo menos é há um bom tempo. Não entendo sentimento de culpa ou de remorso. Acho que até por isso alguns brincam que ‘pareço um psicopata’ rs. Mas sabe por que não me arrependo? Vamos falar a verdade: do que adianta o arrependimento? Resolve alguma coisa nos sentirmos culpados? Eu acho (e uso a palavra ‘acho’ porque é só o que eu penso) que sou assim porque não me é racional a culpa ou o remorso; o que foi feito já está, não se remedia passado. Felizmente ou infelizmente. É assim. Ponto. Como sou muito racional tenho a tendência a optar por visões de mundo que me permitam alguma autonomia. E aí entra outra coisa que sempre me julgam: “você fala assim porque é racional demais, você não tem sentimentos!”. Isso é uma grande falácia que dizem ao meu respeito, que sei como foi fortalecida. Só que eu não sou frio em absoluto nem insensível, muito pelo contrário, sou hipersensível, quase tudo me afeta fortemente – as pessoas não têm noção disso! E elas não têm noção porque eu escondo, eu dissimulo, eu reprimo as emoções e os sentimentos (externamente) e banco o durão. Digo ‘externamente’ porque por dentro muitos sentimentos estão em brasa viva! Mas por fora fico como aquele trecho da música Behind Blue Eyes, do Limp Bizkit: “None of my pain an’woes can show through”. “Nenhuma de minhas dores e desgraças pode transparecer”. Lembro quando a ouvi pela primeira vez na adolescência... No fim é só mais um mecanismo de defesa! Já me ajudou e ajuda muito em alguns momentos e também me atrapalha em muitos outros.

Agora, se você me perguntar: existem coisas que você fez ou já disse que não se orgulha? Inúmeras! Muitas coisas mesmo. As vezes que magoei profundamente meus pais com coisas que eu disse. Ou a alguns professores que choraram em sala de aula. A amigos. No passado, quando movido por muita raiva, a forma que eu tinha de descarregar esse sentimento era mirar o ponto mais vulnerável de alguém e criticar ali. Como sou muito observador e costumo analisar tudo é comum, depois de um tempo convivendo com alguém, que eu perceba, intua, ou deduza, onde dói mais nessa pessoa. Se é uma relação mal resolvida com um dos pais. Ou com o cônjuge, ou filho. Se é uma questão da pessoa com ela mesma.  Em pouco tempo convivendo eu pegava isso, via claramente onde era a ferida essencial da pessoa e, no momento que eu me sentia muito magoado com a pessoa, era nesse ponto que criticava.

Isso era legal? Óbvio que não! Isso é baixo. Medíocre. É atitude de pessoa ruim. Pessoa de mal com a vida. E uma pessoa ferida. Era infantil, estava machucado, tinha um interior muito frágil, daí a necessidade de proteção emocional e essa era a única forma que tinha para fazer as pessoas me odiarem e se afastarem. Sei que não precisava reagir assim com essa agressividade tão vil, por isso me envergonho disso. Eu jamais vou ser capaz de me orgulhar de fazer alguém chorar! Só que isso não muda o meu passado. Está feito! Por essa razão que eu digo que não me arrependo de nada, porque eu não posso mudar o que eu fiz. E vamos a outra parte dessa moeda: eu era outra pessoa.

Se você buscar na sua memória a si mesmo a dez ou quinze anos atrás verá que era outra pessoa. Tinha outra cabeça. Outros valores. Você mudou! Nós mudamos. Por isso não faz sentido, nem é justo conosco também, olhar para o passado – com a cabeça de hoje – e nos julgarmos pesadamente pelo que fizemos ou deixamos de fazer. Precisamos ter claro que ali, naquela situação, naquele contexto, dentro daquelas circunstâncias e com as ferramentas que tínhamos, fizemos determinadas escolhas. Hoje possivelmente faríamos diferente, mas erámos outro ali. Da mesma forma que não é justo julgar uma pessoa pelo seu passado, não se julgue também. Fique em paz.

E que isso não se confunda com falta de responsabilidade pelos nossos atos. Muito pelo contrário, deveria nos fortalecer, porque pense: se hoje você tem consciência de algo que não foi legal na sua vida, você tem a opção de fazer diferente agora. De fazer melhor. Hoje tomo mais cuidado com as minhas palavras. Evito criticar as pessoas tão duramente da forma que fazia. Agora quando com raiva, acesso as lembranças do que fiz lá atrás que não foi legal e me pergunto: “quer mesmo fazer isso novamente?”; “vai se orgulhar disso depois?”. Nunca me perguntei se “vou me arrepender”, pergunto sempre se “vou me orgulhar”, mas se a resposta for negativa, penso imediatamente duas vezes. E fico consciente que se eu insistir nisso e fizer, a consequência depois será só minha, porque tive consciência de que estava fazendo escolha. Mas o foco é sempre no hoje, porque agora eu tenho consciência.

Se você é alguém que faz muitas visitas ao seu passado e sente dores pelo que fez ou deixou de fazer, por alguma coisa que disse que magoou alguém ou que deixou de falar e hoje se arrepende, não seja demasiadamente duro consigo. Você fez o que podia fazer dentro do que as circunstâncias permitiram. Isso não redime atos passados, mas nos traz o poder de fazer diferente agora. Ao invés de se culpar, pergunte-se: “o que eu posso tirar de proveito disso, para numa próxima quem sabe agir diferente?” e “por que precisei agir assim?”. É necessário visitar o passado, mas não para julgar quem você foi, pelo contrário, para fazer as pazes consigo! Pode existir aí dentro de você uma criança interior que precisa de atenção e acolhimento, não de mais julgamentos. A partir do momento que você acolhê-la, entendê-la e aceitar que essa criança interior cresceu e hoje tem novos recursos para lidar com o que a afetou um dia, ganhará um novo olhar para a vida, vai passar a enxergar as pessoas diferente e não vai mais precisar machucar ninguém, pois só fere quem está de alguma forma ferido na mesma condição ou proporção – e falo por experiência própria.


quinta-feira, 29 de agosto de 2019

Até onde ir



Por que nos incomodamos com o comportamento das pessoas? Por vezes ficamos irritados, tristes ou chateados com alguns comportamentos alheios. Já parou para pensar sobre isso? Eu não sei você, mas me policio sempre para não interferir além do que acho devido. Vira e mexe, me friso: “Jonas, mais ouça, pois nada do que disser aqui ajudará muito.” Esse tipo de coisa acontece comigo. Hoje graças a Deus não mais com a frequência do passado. Em outros tempos, eu ficava irritado ou chateado quando alguém vinha reclamar de algo e oferecia conselhos que nunca eram ouvidos de fato. No fundo a pessoa só queria reclamar mesmo, o que não conseguia entender. Vou tentar trazer alguns exemplos para facilitar. Só vou atentar ao uso do gênero. Uma pessoa veio conversar comigo e disse:

- Nossa, meu relacionamento está por um fio! Não dá mais. Não suporto mais, a gente vive brigando demais. Chega! Cansei. Acho que vou terminar.

E eu, um pouco surpreso com a força que a pessoa carrega nas frases, e na tentativa de ajudar, proponho:

- Já tentou expor a essa pessoa o seu ponto de vista, os seus sentimentos de insatisfação nessa relação?

- Não... Se eu falar isso já virá com ironia, às vezes até me ofende, só falta me agredir fisicamente! É muita humilhação. Teve traição um tempo atrás e eu perdoei, mas agora não dá mais. Esse relacionamento só tá me jogando pra baixo, preciso terminar.

- Entendi. E se vocês dessem um tempo? Não dá para continuarem assim, né, passou do limite, agressão não dá mesmo. E se você propor um tempo?

A pessoa olha para mim como se isso fosse a última coisa que ela pensaria em fazer na vida e diz:

- Então... o problema é que eu amo demais né, se eu não amasse tanto seria tudo mais fácil, seria tudo mais simples.

- Bom, pelo que diz então existe amor aí e se valer a pena, poderia tentar algo novo. Na sua opinião, o que vocês poderiam fazer de diferente nessa relação que traria um impacto positivo? Ou o que tem faltado fazer da sua parte, o que você poderia fazer de diferente? – pergunto. A pessoa parece se estressar rapidamente e responde:

- Da minha parte, nada! Eu já fiz de tudo o que podia fazer. Quem tem que fazer agora é ela! Ela precisa acordar para a vida, porque eu já me cansei disso! Se ela não melhorar o seu jeito, acho que não vamos muito longe não.

Eu fico em silêncio um tempo, penso no que a pessoa está me trazendo e faço uma última tentativa.

- Se você não disser o que está se passando com você, o que está sentindo, se você não sentar com essa pessoa e conversarem sobre tudo isso, já passou pela sua cabeça que talvez ela nem imagine? Você está esperando que ela mude o comportamento com você, mas como ela poderia mudar sem saber onde vem errando? E mais uma pergunta: caso essa pessoa não mude o seu comportamento, na pior das hipóteses o que você vai fazer a respeito?

- Ah, deixa rolar! Quando uma situação não tem solução, solucionada está. – disse finalizando a conversa.

- Ok.

Quantas vezes na vida ouvimos ou nós quem reproduzimos reclamações como essas acima? E podemos substituir essa situação amorosa por uma questão no trabalho, ou na família, ou com um amigo. Esperamos que a outra parte adivinhe o que está se passando conosco, que leia nas entrelinhas, que interprete em nosso olhar ou através de nosso silêncio tudo o que não queremos expor. Seja por medo, orgulho, ingenuidade, mágoa, raiva. Infelizmente não resolve isso. Não funciona assim. A gente precisa expor claramente para as pessoas o que sentimos e o que esperamos no relacionamento com elas. Deixar o máximo claro possível. Mas estar preparados também para tomar uma atitude, talvez definitiva até, caso a outra parte opte por não colaborar. É um direito da outra parte. Só que aí cabe a nós a que fazer com isso, pois como o ditado diz: “quando nada muda, mudamos nós”.
Será que essa pessoa acima da minha conversa queria de fato solucionar o problema ou só queria RECLAMAR do problema? É o funcionário que reclama ano após ano do trabalho, mas nunca se desliga. A pessoa que reclama do excesso peso, mas não segue a dieta; ela paga, mas não vai à academia. E não adianta ficar discutindo, elas sempre vão reclamar dos problemas, mas logo em seguida elas terão todas as justificativas mais plausíveis para o seu comportamento. Entendo que muitas soluções não são simples nem fáceis, mas QUERER genuinamente é a primeira medida eficaz para qualquer coisa na vida. Às vezes falamos que vamos procurar ajuda porque temos um problema, mas devemos buscar ajuda quando queremos RESOLVER um problema. Problemas todos temos. Resolvê-los é a questão. Quando entro numa situação assim, paro e me pergunto: “Quero de fato resolver esse problema?” Quando vem alguém me reclamar de algo, durante a conversa também me questiono: “Essa pessoa quer de fato resolver esse problema?” Isso muda tudo! Quais problemas você está tentando de fato resolver? E quais você só tem reclamado?