domingo, 1 de setembro de 2019

FERA FERIDA: você machuca os outros?



Vejo pessoas dizendo que se pudessem voltar atrás teriam feito algo diferente. Enquanto a pessoa só fala, ok. Quando percebo que além do falar existe algum sofrimento, isso me chama a atenção. Já me perguntaram se me arrependo de alguma coisa que fiz ou que falei e sempre respondi não decididamente. Eu nunca me arrependi de nada mesmo – e posso estar sendo leviano ao falar isso, mas sinceramente é uma verdade para mim. Pelo menos é há um bom tempo. Não entendo sentimento de culpa ou de remorso. Acho que até por isso alguns brincam que ‘pareço um psicopata’ rs. Mas sabe por que não me arrependo? Vamos falar a verdade: do que adianta o arrependimento? Resolve alguma coisa nos sentirmos culpados? Eu acho (e uso a palavra ‘acho’ porque é só o que eu penso) que sou assim porque não me é racional a culpa ou o remorso; o que foi feito já está, não se remedia passado. Felizmente ou infelizmente. É assim. Ponto. Como sou muito racional tenho a tendência a optar por visões de mundo que me permitam alguma autonomia. E aí entra outra coisa que sempre me julgam: “você fala assim porque é racional demais, você não tem sentimentos!”. Isso é uma grande falácia que dizem ao meu respeito, que sei como foi fortalecida. Só que eu não sou frio em absoluto nem insensível, muito pelo contrário, sou hipersensível, quase tudo me afeta fortemente – as pessoas não têm noção disso! E elas não têm noção porque eu escondo, eu dissimulo, eu reprimo as emoções e os sentimentos (externamente) e banco o durão. Digo ‘externamente’ porque por dentro muitos sentimentos estão em brasa viva! Mas por fora fico como aquele trecho da música Behind Blue Eyes, do Limp Bizkit: “None of my pain an’woes can show through”. “Nenhuma de minhas dores e desgraças pode transparecer”. Lembro quando a ouvi pela primeira vez na adolescência... No fim é só mais um mecanismo de defesa! Já me ajudou e ajuda muito em alguns momentos e também me atrapalha em muitos outros.

Agora, se você me perguntar: existem coisas que você fez ou já disse que não se orgulha? Inúmeras! Muitas coisas mesmo. As vezes que magoei profundamente meus pais com coisas que eu disse. Ou a alguns professores que choraram em sala de aula. A amigos. No passado, quando movido por muita raiva, a forma que eu tinha de descarregar esse sentimento era mirar o ponto mais vulnerável de alguém e criticar ali. Como sou muito observador e costumo analisar tudo é comum, depois de um tempo convivendo com alguém, que eu perceba, intua, ou deduza, onde dói mais nessa pessoa. Se é uma relação mal resolvida com um dos pais. Ou com o cônjuge, ou filho. Se é uma questão da pessoa com ela mesma.  Em pouco tempo convivendo eu pegava isso, via claramente onde era a ferida essencial da pessoa e, no momento que eu me sentia muito magoado com a pessoa, era nesse ponto que criticava.

Isso era legal? Óbvio que não! Isso é baixo. Medíocre. É atitude de pessoa ruim. Pessoa de mal com a vida. E uma pessoa ferida. Era infantil, estava machucado, tinha um interior muito frágil, daí a necessidade de proteção emocional e essa era a única forma que tinha para fazer as pessoas me odiarem e se afastarem. Sei que não precisava reagir assim com essa agressividade tão vil, por isso me envergonho disso. Eu jamais vou ser capaz de me orgulhar de fazer alguém chorar! Só que isso não muda o meu passado. Está feito! Por essa razão que eu digo que não me arrependo de nada, porque eu não posso mudar o que eu fiz. E vamos a outra parte dessa moeda: eu era outra pessoa.

Se você buscar na sua memória a si mesmo a dez ou quinze anos atrás verá que era outra pessoa. Tinha outra cabeça. Outros valores. Você mudou! Nós mudamos. Por isso não faz sentido, nem é justo conosco também, olhar para o passado – com a cabeça de hoje – e nos julgarmos pesadamente pelo que fizemos ou deixamos de fazer. Precisamos ter claro que ali, naquela situação, naquele contexto, dentro daquelas circunstâncias e com as ferramentas que tínhamos, fizemos determinadas escolhas. Hoje possivelmente faríamos diferente, mas erámos outro ali. Da mesma forma que não é justo julgar uma pessoa pelo seu passado, não se julgue também. Fique em paz.

E que isso não se confunda com falta de responsabilidade pelos nossos atos. Muito pelo contrário, deveria nos fortalecer, porque pense: se hoje você tem consciência de algo que não foi legal na sua vida, você tem a opção de fazer diferente agora. De fazer melhor. Hoje tomo mais cuidado com as minhas palavras. Evito criticar as pessoas tão duramente da forma que fazia. Agora quando com raiva, acesso as lembranças do que fiz lá atrás que não foi legal e me pergunto: “quer mesmo fazer isso novamente?”; “vai se orgulhar disso depois?”. Nunca me perguntei se “vou me arrepender”, pergunto sempre se “vou me orgulhar”, mas se a resposta for negativa, penso imediatamente duas vezes. E fico consciente que se eu insistir nisso e fizer, a consequência depois será só minha, porque tive consciência de que estava fazendo escolha. Mas o foco é sempre no hoje, porque agora eu tenho consciência.

Se você é alguém que faz muitas visitas ao seu passado e sente dores pelo que fez ou deixou de fazer, por alguma coisa que disse que magoou alguém ou que deixou de falar e hoje se arrepende, não seja demasiadamente duro consigo. Você fez o que podia fazer dentro do que as circunstâncias permitiram. Isso não redime atos passados, mas nos traz o poder de fazer diferente agora. Ao invés de se culpar, pergunte-se: “o que eu posso tirar de proveito disso, para numa próxima quem sabe agir diferente?” e “por que precisei agir assim?”. É necessário visitar o passado, mas não para julgar quem você foi, pelo contrário, para fazer as pazes consigo! Pode existir aí dentro de você uma criança interior que precisa de atenção e acolhimento, não de mais julgamentos. A partir do momento que você acolhê-la, entendê-la e aceitar que essa criança interior cresceu e hoje tem novos recursos para lidar com o que a afetou um dia, ganhará um novo olhar para a vida, vai passar a enxergar as pessoas diferente e não vai mais precisar machucar ninguém, pois só fere quem está de alguma forma ferido na mesma condição ou proporção – e falo por experiência própria.


Nenhum comentário: