É engraçado como é uma verdade que vamos chegando próximo aos trinta e começamos a pensar uma série de coisas que antes não pensávamos ou que talvez não dávamos tanta importância. Na verdade eu até dava. Eu acho que sempre dei importância demais a essas coisas.
Essas coisas a que me refiro são planos, metas, objetivos, prazos. Tudo aquilo que transforma nossa vida numa espécie de estratégia exata, que foi minuciosamente planejada. Tudo aquilo que nos dá uma sensação de estabilidade, de ter uma base fixa; uma sensação de que estaríamos “fazendo a coisa certa”. Eu acho que é esse o “x” dessa questão; é sobre isso que quero falar. Quero falar sobre essa avaliação que nos fazemos constantemente para dizer se estamos ou não “no caminho certo”, seguindo o script ou se estamos “falhando nesse processo”. Eu sei, parece duro. Mas quem nunca fez isso?
Sou um tipo 1 no Eneagrama. Conformidade no DISC. INTJ (Introvertido, Intuitivo, Racional e Crítico) no MBTI. Quem conhece o mínimo dessas coisas já consegue ter uma ideia do tipo da pessoa. Eu posso afirmar que nunca conheci alguém tão encanado com tempo quanto eu. Tanto que relógio é um adereço que você raramente me verá sem. Que por sinal ontem sai de casa com um parado. Pensa num cara incomodado porque olhava no pulso e verificava que seu relógio tinha parado às exatas três horas da manhã. “Como não vi isso? Por que não peguei um outro antes de sair?” Você não iria acreditar mas eu ficava arrumando os ponteiros manualmente hora após hora, porque me incomodava ver aqueles ponteiros imóveis. Eu sei, eu sou louco. Estou sempre calculando as coisas. Sejam gramas, quilômetros, minutos, tarefas, prazos; fazendo estimativas de tempo, análises de performances, comparações e ao final balanços que mais parecem vereditos. Sou um compulsivo por controle. Não sei exatamente quando isso começou ou o que desencadeou essa mania de administrar tudo, mas confesso que isso tem gerado bastante ansiedade e algumas frustrações, e percebo que a cada ano me afundo mais nessa armadilha. Porque isso é uma armadilha.
Tenho (“tenho”) que controlar meu peso pra não ficar gordo. Tenho que controlar a medida da circunferência abdominal porque segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde) acima de 90 centímetros no homem aumenta o risco de doenças cardiovasculares. Tenho que ingerir vitamina C após as refeições, e não ingerir cálcio junto, porque sou vegetariano e tenho que ficar atento à absorção de ferro. Tenho que controlar minha performance na corrida, porque já faz uns 3 anos que não corro um percurso maior do que o de costume e quero fazê-lo mais rápido. Estou pensando já numa terceira especialização sendo que nem terminei a primeira. Agora inventei de fazer musculação e se me deixarem quero fazer avaliação física semanalmente, para controlar percentual de massa magra e gordura corporal, mesmo o instrutor já advertindo que isso é encanação demais. Neste primeiro semestre de pós graduação fechei com uma média final de 9,2 e pensa num cara insatisfeito que resmungou até! Por pouco eu não mandei um e-mail aos professores pedindo esclarecimentos. Mew, nem eu me perdoaria se tivesse feito isso... Eu tive que me controlar me dizendo: “calma... chega... para com isso, você está indo longe demais... relaxa, 9,2 está ótimo...”. E eu só queria entender o que faltou nesses 0,8. Eu sei, eu também tenho vergonha de ser assim, mas quando eu vejo já estou brigando, reclamando, criticando, ou "apenas dando minha opinião" como eu gosto de dizer. E se esse processo não é exteriorizado, tenha certeza de que estou reclamando na minha mente.
Eu tenho um sério problema com expectativas altas. Cobro isso dos outros e de mim mesmo. Eu já comentei isso aqui, em qualquer teste que faço que meça controle, meticulosidade, concentração, o resultado é altíssimo. Beira fácil os 100%. Eu acho que uns 97/98 chega. Sou hiper focado. Centrado. Controlado. Objetivo. Preciso. Meticuloso. Metódico. Esses adjetivos me serviriam como uma luva. E sendo bem sincero eu já estou cansado disso. Eu estou cansado de ter que ser tão perfeito, tão preciso, tão metódico, tão correto para as outras pessoas. É maçante isso. Estressante. Angustiante. Eu cheguei num ponto que não consigo mais fazer testes psicológicos nem ouvir de alguém que possuo uma das características acima e não me sentir deprê. Não acho mais legal ser tão meticuloso. Sabe quando você não suporta mais passar uma determinada imagem às pessoas mas não consegue se livrar dela? E não é só questão de se livrar dessa imagem, porque isso é o de menos, sinceramente. Eu só não quero mais sentir o peso, a pressão ou a cobrança que os outros depositam em mim, porque eu mesmo já me imponho isso severamente. Você sabe o que é ter medo de errar, de falhar, porque você deixou os outros acreditarem que você seria capaz? É isso. Eu sinto como se afirmasse a todas as pessoas: “deixem comigo, confiem em mim, eu consigo! ”. E depois pra sustentar isso...
Quando meu pai faleceu a dez anos atrás, eu tinha acabado de atingir a maioridade, eu peguei o leme e fui à frente da família, com uma herança de dívidas, e tinha que ouvir meu irmão debochando: “vai lá super-homem, salva a pátria”. Tinha dois empregos, não dormia, fazia supermercado, pagava as contas sozinho, servia de psicólogo aos demais e assim gradativamente fui assumindo mais e mais responsabilidades. Porque é assim que eu faço, talvez numa ânsia de querer agradar, eu vou aceitando mais responsabilidades e mostrando eficiência, prontidão, proatividade e querendo provar a mim mesmo que vou dar conta de tudo sozinho e ao final me sobrecarregando mais. Mas eu não admito – tampouco eu aceito – algum tipo de lamúria. Eu simplesmente me obrigo a fazer o que tem que ser feito porque eu disse que faria e agora todos estão dependendo de mim. E como é gostosa essa sensação de ser útil... Como é gostoso saber que você é aquele cara que todos vão olhar quando a casa estiver caindo. Você se sente amado. Mas será que isso é amor?
O difícil é viver com a missão de ser o Sr. Responsabilidade. E ter de conviver com uma espécie de crítico interno que ceifará qualquer demonstração de cansaço ou de fraqueza. Pensa numa pessoa que se cobra constantemente da seguinte forma: “tira essa bunda da cadeira e vá trabalhar. Seja mais rápido, você está lerdo hoje. Olhe que horas já são e você está aqui ainda. Sai dessa cama e vá correr 10km, de preferência uns 15 hoje porque você não sai desses 10 em 52 minutos. Só por que hoje é domingo?! Você não disse que chegaria aos trinta com duas graduações? Não vai à academia hoje por quê?! Você já foi melhor... Faça isso, faça aquilo, seja mais útil, seja mais ágil, seja mais firme, mais forte...”. Você aí deve estar assustado mas eu juro que é bem assim. É assim que esse meu crítico interno fala comigo. Aliás, é assim que o meu crítico interno falaria com você também, porque é assim que ele enxerga o mundo. Um local que precisa ser posto em ordem e controlado. Se eu começar a fungar com o maxilar cerrado e você ouvir o som da minha respiração apenas pelo nariz, tenha certeza de que estou fervendo por dentro como uma panela de pressão. Tipo 1, lembra? Seu vício é uma raiva contida...
Estou fazendo esse texto porque eu tenho certeza que deve existir alguém que se identifique com isso e o primeiro passo é admitir quando queremos mudar. E eu sinceramente preciso mudar. Porque nem mesmo eu estou me suportando mais. Essa espécie de inquisidor que só sabe diagnosticar falhas. Não sei quando foi que fiquei tão chato, quando me tornei tão cri cri, tão dicotômico! E o pior é que eu sei que não existe certo e errado. Eu acho que brigo pelo prazer da briga, porque no fundo eu sei que a pessoa tem a sua razão. Diversas são as vezes que me pego em embates fortes onde só falta eu sacar o dedo na cara da pessoa, e eu vou argumentando, argumentando, até a outra parte ceder. E quanto mais cansado ou sob estresse eu estiver mais debatedor me tornarei.
Hoje após análise eu percebo que esse crítico interno é só um substituto. Qualquer conhecedor mínimo de mecanismos psicológicos perceberia que esse crítico interno assumiu o papel do meu pai na minha vida. Ele se foi há dez anos e este assumiu o seu lugar. E quando penso nisso eu sinto mais raiva ainda, porque eu me sinto mais tolo por saber que tenho consciência desse mecanismo. Eu sempre soube o quanto esse comportamento do meu pai não me fazia bem e hoje ironicamente me coloco, por vontade, sob o mesmo tratamento. É uma piada mesmo.
Hoje após análise eu percebo que esse crítico interno é só um substituto. Qualquer conhecedor mínimo de mecanismos psicológicos perceberia que esse crítico interno assumiu o papel do meu pai na minha vida. Ele se foi há dez anos e este assumiu o seu lugar. E quando penso nisso eu sinto mais raiva ainda, porque eu me sinto mais tolo por saber que tenho consciência desse mecanismo. Eu sempre soube o quanto esse comportamento do meu pai não me fazia bem e hoje ironicamente me coloco, por vontade, sob o mesmo tratamento. É uma piada mesmo.
Mas o pior de tudo. Sabe quando você tem a exata sensação de que sabe o que veio fazer aqui? Eu não sei como, eu não sei por que, mas eu tenho, e sempre tive, uma estranha sensação de que vim aqui pra ser solidário, pra entender as pessoas, pra compreender os seus problema, pra aceitar, tolerar e propor uma ajuda sincera, me unificando a elas, e no entanto me pego às vezes fazendo exatamente o contrário, ficando numa posição de juiz e "avaliando" as situações. E quando isso acontece você não imagina o quanto desapontado eu fico. Se existe um ideal de vida, eu juro que o meu eu gostaria que fosse viver sem luxo algum, me doando às pessoas em ONGs, sendo solidário e humanitário. Ou seja, uma imagem totalmente diferente dessa que descrevi acima.
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