Já
vou advertindo que este post ficou grande! Tenha paciência e
mantenha a mente aberta que eu te garanto que irá entender onde quero chegar. Conclusões após um período de clausura.
Há
quarenta dias me propus o seguinte desafio: eu deveria ficar todo
esse período sem utilizar a internet – de nenhuma forma –, não
tomar café e não comer carnes. Afirmo, agora, que foi fácil. No
começo pensei bem diferente. Confesso que nos primeiros dias eu
sentia tanta dor de cabeça, dores no corpo inteiro; eu sentia tanta
fraqueza que parecia que eu me arrastava pois o corpo pesava demais.
E o humor? Um campo minado! Mas com o passar dos dias as dores foram
cessando e o meu corpo foi dando sinais de estar se acostumando a sua
nova fase. Os meus sentidos pareciam estar mais aguçados. Minha
percepção parecia melhor. Me sentia mais inspirado. Convivia com
uma estranha sensação de leveza, como se o corpo estivesse se
desintoxicando de alguma coisa. Pelo menos por um tempo foi assim...
Hoje me sinto realmente mais “limpo” – se é que posso
expressar com essa palavra –. Mas não necessariamente pela
ausência de internet, de café ou de carnes...
Esse
desafio, que encarei como um sacrifício, tinha dois objetivos
principais. O primeiro era o fato de eu estar incomodado – e já
fazia um tempo – com alguns hábitos que traiçoeiramente foram se
transformando em vícios na minha vida, me tomando minha liberdade –
ou a crença que eu tinha disso –. Estava consumindo grandes
quantidades de carnes e café diariamente e sentia dores de cabeça
quando não consumia. Passava tanto tempo na internet que sentia
falta enquanto estava desconectado; ficava preocupado com mensagens,
recados, notícias que chegassem, consultando hora após hora o
celular e desenvolvendo uma paranóia de poder estar constantemente
perdendo alguma coisa. Garanto que era bem similar ao comportamento
de um viciado. E isso era ridículo! Não entendia esse exagero. Eu
sabia que eu poderia perfeitamente viver sem estar conectado à
internet o tempo todo, ou tomando café toda hora ou comendo carnes
diariamente. E eu estava disposto a me provar isso! O segundo
objetivo desse desafio foi me renovar espiritualmente falando. Pedi
ao Universo, através desse sacrifício, paz interior, elevação
espiritual, porque me sentia estranhamente escravizado à matéria,
por vezes esquecendo-me de valores transcendentais que sempre
acreditei serem importantes. Eu queria me libertar um pouco. Buscava
uma “tal” liberdade de algo que me prendia, e que eu não sabia
exatamente o que era.
Esse
período de “abstinência” coincidiu com as férias
do trabalho, então pude me dedicar a me observar atentamente. O
engraçado é que nos últimos dez anos consumi café em grandes
quantidades diariamente e hoje não sinto mais nenhuma vontade de
tomar. Da mesma forma com as carnes. Não sinto sua falta na minha
alimentação. Penso seriamente até em manter uma dieta vegetariana
para o resto da vida. A contrapartida, eu que não sou muito fã de
TV e de doces, passei a comê-los diariamente – exageradamente –
nas últimas semanas, enquanto assistia a seriados. Notei então que
ao nos desvincularmos de certos vícios, sem que percebamos, as vezes
começamos processos que vão culminando em novos vícios tão
nocivos quanto os anteriores. É um paradoxo mesmo. Mais paradoxal
ainda foi o receio que senti ao retornar hoje à internet, mesmo
sentindo bastante saudade de algumas coisas como este blog por
exemplo, e poder postar essas conclusões atingidas. Metaforicamente
falando, era como se eu me refugiasse sozinho numa ilha isolada do
mundo, ansiando rever algumas pessoas e já temendo retomar o contato
com elas por medo de me escravizarem novamente.
Isso me
fez pensar o seguinte. Até onde somos realmente livres quanto
acreditamos ser? O que significa ser livre? Seria a liberdade um bem
alcançável?
Foi então
que percebi o que fizera. A grosso modo estava trocando seis por meia
dúzia. Transformei a minha fantasiosa Shangri–La – essa minha ilha longe dos antigos vícios –, na minha mais nova
prisão. Já estava criando os grilhões através de novos vícios;
ficando horas e horas em frente à televisão comendo doces. O
engraçado é que pedi ao Universo para me purificar, para me
libertar de algo que sentia me prender, mas percebi que a única
coisa que me prendera de fato o tempo todo eram as minhas próprias
crenças. É isso o que fazemos com nós mesmos. Nos prendemos numa cela e procuramos desesperadamente sair, estando todo o tempo com a
chave! Parar de comer carne, parar de tomar café, não
acessar a internet, não assistir TV, não comer doces etc. não tem
absolutamente nada a ver com liberdade. Liberdade é mudança de
perspectiva. Vem de dentro para fora. E no meu caso a questão era
pessoal mesmo. Eu nunca gostei de ser dominado por nada, por ninguém,
sempre preferi me ver como alguém no controle de mim mesmo,
indomável, livre, fugindo sempre daquilo que tentasse me possuir e
me deixar com uma sensação de escravidão. Fossem sentimentos, fossem pessoas. E isso cedo ou tarde se tornara meu doce auto-engano, tornando-me carcereiro de minha própria cela. Acredito hoje que a liberdade é
criada por nossas crenças. Da mesma forma a escravidão. Nada
externo a nós tem poder suficiente para dar ou nos tirar a liberdade. Tomo como
exemplo um homem atrás das grades. Ele pode ser mais livre do que
você ou eu neste exato momento. O fato dele não poder sair da prisão não
significa necessariamente que não seja livre, a única coisa lhe tirada foi o
direito de ir e vir, que erroneamente reduzimos a interpretação à liberdade.
Mas uma vez que esse cidadão seja capaz de pensar, de sentir, de
sonhar, de criar, se ele o quiser as grades jamais o aprisionarão.
E isso
nos faz pensar o seguinte também. Quantas pessoas estão neste exato
momento, aqui fora, presas por vontade própria sem se dar conta? Posso apostar que não são poucas...
Para finalizar, uma coisa
ainda ficava martelando na minha cabeça. Se fugi daquilo que me
tornava escravo, por que ainda me sentia um? Se o meu objetivo
primordial era a purificação e por isso me distanciei dos antigos
vícios, por que criara novos?!
Foi então
que veio o xeque-mate: porque talvez Vício e Arte sejam duas
faces de uma mesma moeda, que as vezes nos confundem qual é qual. Se a vida é
uma intensidade constante de forças violentas e viver é
involuntariamente fazer parte desse jogo, o que nos permite
sobreviver perpassa a arte ou o vício de qualquer maneira. Acabei percebendo
que o que me fez fugir dos antigos vícios, me fez adentrar nos
novos e escrever este post: a angústia! Essa natural inquietude que sentimos ao viver a vida, que pode ser tão desconfortante dentro de nós que precisa se converter em arte ou em vício. E qual é a diferença entre os dois?
Enquanto um de alguma forma nos liberta, o outro nos escraviza!
Pergunto a
você agora: és realmente livre? Continue...
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