terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

V.I.T.R.I.O.L.


"A claridade é uma justa repartição de sombras e de luz." (Goethe)

Eu sempre fui atraído pelo lado dark da vida. Desde criança sempre vejo mais beleza em personagens que transparecem sentimentos que por vezes não são assim tão ideais como a sociedade gostaria, pois me parecem honestos. Como também sempre me incomodou as pessoas que são “redondas” demais, boas demais, perfeitas demais, com esse excesso de ordem em tudo. Pra mim falta caos aí. Um caos que obviamente está travestido de bondade, de humanidade, de um falso otimismo. Pior do que um otimista fanático, é um falso otimista. Aquele se esforça demais para transparecer o que está transparente que não se sente. Chega a ser cômico, as vezes até assustador...

Acho muito justo assumir uma raiva e um ódio que estejamos sentindo. Pois são verdadeiros! São sentimentos que fazem parte da natureza de qualquer pessoa querendo ela ou não. Fingir que temos apenas sentimentos puros e pensamentos imaculados, além de ser uma grande mentira, não tem razão pra isso. Afinal, a quem queremos agradar? E mentir? Já mentimos a nós mesmos o tempo todo. Não somos santos e nunca seremos. Nem precisamos ser. Até mesmo os santos foram simples homens um dia, e só foram canonizados, pelos outros, por motivos as vezes escusos, após a sua morte. Acho bacana tentarmos diariamente sermos melhores, pessoas com atitudes e pensamentos elevados, mas acredito que isso seja mais uma busca do que um destino. E não pode se transformar em hipocrisia pois perfeitos e puros nunca seremos. Somos perecíveis, fracos e falhos. Amamos tanto quanto odiamos. Rimos da mesma forma que choramos. Desejamos o bem tanto quanto somos capazes de desejar o mal, e sermos pessoas más! O fato é que a gente esconde, se esconde. Dissimulando e maquiando as expressões pra debaixo da moralidade. E nos prestamos a um papel bonito que se encaixe perfeitamente nos padrões estabelecidos, como partes de um rebanho que nunca sabe de onde vem nem pra onde vai.

Isto aqui não é nenhuma apologia à maldade, não estou pregando que devemos ter comportamentos ruins, indignos, apenas afirmo ser pura besteira fingir que eles não existam. Todos nós temos um lado dark que cutuca nossa consciência quase sempre. O fato de não darmos vazão aos sentimentos “menos nobres” com facilidade não faz com que eles não existam. Eles existem e precisam ser encarados. Falo por experiência própria. Acho muito revelador quando reflito sobre o ódio que estou sentindo à determinadas coisas ou pessoas. Como também é bem produtivo quando dialogo com a minha raiva. Aprendi a me aceitar melhor quando fiz as pazes com a minha inveja, com o meu egoísmo, com o meu conformismo, até com o pior de todos, o Orgulho! Estão aqui, sempre estiveram, e não me deixarão nunca, fazem parte de mim e bebo desse veneno diariamente. E pra quem não sabe utilizamos os próprios venenos para elaborar a sua cura. Assim sendo, acredito que precisamos conhecer o inferno para reconhecer o céu.


Eu entendo porque é preferível dizer que gostamos da cor branca ou invés da cor preta. As religiões sempre associaram a luz ao Sagrado. E assim fazem até hoje! Da mesma forma que as sociedades intelectuais sempre associaram a iluminação ao conhecimento. O branco simbolizaria a pureza e a evolução, enquanto o preto o pecado e o mal. É comum escolhermos os caminhos mais claros pois temos fé que estes nos conduzirão à salvação; é comum acharmos que se darmos espaço apenas aos nossos pensamentos mais nobres e somente às atitudes humanitárias cairemos nas graças do Criador. Pra mim isso tudo é baboseira religiosa das piores. Até homens considerados santos, que desenvolveram estigmas, também foram profundamente atormentados. Para falar bem a verdade religião é uma coisa que sempre me incomodou, seja ela qual fosse. O fato de existir um mestre religioso numa posição que detém o poder de pregar, julgar e muitas vezes sentenciar ao mesmo tempo, chega a me dar medo pois é muito poder concentrado numa mão humana. Não vou me estender nisso pois iria longe...

Esse post fala sobre esse lado dark das coisas. Traz à luz uma parte pútrida, fétida da vida, e igualmente rica. Uma parte sombria ignorada da nossa personalidade. Um lado oculto que pode nos ensinar muito. De vez em quando dê mais atenção a essa parte. Dê ouvidos a sua ira. Sinta toda a sua dor. Beba desse ódio. Delicie-se destes venenos. Mergulhe fundo em todos os cantos, até os mais obscuros e labirintosos de si mesmo. Conheça-te a fundo. O Autoconhecimento é uma prática de conhecer a si mesmo, e o nosso universo interior é bastante vasto. Quando retornar à superfície após cada mergulho vai perceber que da mesma forma que o esterco a terra fertiliza, a escuridão a alma santifica!

Visita Interiorem Terrae, Rectificando, Invenies Occultum Lapidem (VITRIOL)
 

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