quarta-feira, 20 de agosto de 2014

CONTRADITÓRIO


*Essa foi a minha primeira tatuagem, feita em homenagem ao meu pai.
 
Eu sou geminiano. Nascido num dia 03 de junho. De acordo com a astrologia, o Sol estava na constelação de gêmeos durante o meu nascimento. Isso significa, basicamente, que era para eu ser comunicativo, extrovertido, aberto, alguém que faz amigos facilmente, que gosta de mudanças, de novidades... E eu odeio tudo isso. Sou fechado, desconfiado, sério, tenho poucos amigos, não gosto de jogar conversa fora e algumas vezes sou tão direto que minhas palavras cortam como navalhas. Só concordo com uma característica do meu signo: sou contraditório...

Eu sempre tive uma personalidade contraditória. E um gênio forte. Por deixar as minhas opiniões claras – as vezes quando não solicitadas – já bati de frente com muitas pessoas. A impressão que eu tenho é que sempre foram as pessoas que eu mais admirei e as que eu mais amei. Me lembro do meu pai reclamar à minha mãe que eu não tinha sal nem açúcar, e que eu era um mármore como pessoa. Para ele eu não devia gostar de ninguém, muito menos dele. No entanto ele estava errado nesse ponto, eu não só o amava como foi ele quem eu mais admirei nessa vida. Ele só nunca soube disso. Eu não podia dar a ele esse gosto. Morreu achando que era adiado. Ao seu lado, no seu leito de morte, chorando pedi perdão. Mas pedi em silêncio – rezando para que ele tivesse escutado...

Nunca entendi porque o esforço para não transparecer sentimentos. Me pergunte o que eu penso, o que eu acho, qual a minha opinião sobre algo, e saberá. Honesta e francamente. Me pergunte o que eu sinto a respeito e eu travarei. Vou me desconsertar, então eu desviarei o foco. Não responderei. Como um signo do elemento ar, um geminiano é bom no mundo das ideias, mas no das emoções...

O fato é que eu sempre fui estranho mesmo. E nem sempre gostei de ser assim. Na infância, enquanto via as crianças da minha idade se divertindo com amigos de verdade, eu brigava com os meus imaginários. Falava sozinho, brincava sozinho, era esquisito que só. Na escola, enquanto todos iam na biblioteca para assistir filmes na sala de vídeo, eu ia à seção esotérica ler sobre mitologias. Obviamente que eu não era a criança mais popular na época... Tinha até vergonha às vezes. Porém, foi lá, naquelas estantes, que acabei descobrindo que o planeta que regia gêmeos era mercúrio, e mercúrio era utilizado pelos alquimistas para fazer ouro, e mercúrio também era chamado de Hermes, um deus mensageiro que tinha permissão para entrar e sair do reino dos mortos – como os irmãos gêmeos Cartor e Pólux, um que vivia no céu e o outro no reino de Hades, e podiam trocar de lugar a cada dia. Essas estórias tentam simbolizar o universo ambíguo e contraditório dos nativos do signo. Bem e mal, luz e sombra, verdades e mentiras são apenas questões de prismas...

Dediquei uma boa fase da minha adolescência para refletir sobre minha personalidade. Quis entender por que o ser humano é tão complexo, por que magoamos justamente aqueles que mais amamos, por que temos dificuldade de assumir e decidir as coisas, por que a vida era assim tão conflitante... Por que a gente complica coisas que devem ser simples?! Achava que as respostas estariam no conhecimento. Então continuava “olhando para o céu”... Até que um dia me deparei com o seguinte texto: “para você, Gêmeos, dou as perguntas sem respostas para que possa trazer a todos a compreensão do que o homem vê a seu redor. Você nunca saberá por que os homens falam ou ouvem, mas em sua procura pela resposta encontrará meu dom do conhecimento". 
Apesar de me fazer sentido, se isso é verdade ou não, eu nunca saberei, mas nem preciso dizer o quão desapontado eu fiquei. Tinha que ser muito azarado para estar destinado a não ter as respostas, quando tudo o que eu mais queria era saber algumas questões existenciais.

Assim fui crescendo deslocado entre os demais. Me isolando do grupo. Adquirindo hábitos e características de ermitão. Quando ouvia meus colegas comentarem entre si, o quanto o padre tinha pedido que rezassem por aqueles pecados, tinha até medo de lhe confessar os meus. Fugia da igreja então. Me sentia alguém muito mau para pisar lá. Ou tinha algo muito errado comigo, ou o sistema que o mundo operava era muito hipócrita. Eu contrariava o meu pai e apanhava. Eu contrariava alguns professores e ia para fora da sala de aula. Eu contrariava a igreja e ia para o inferno. Eu tinha as perguntas sem respostas... O que mais podia fazer?!

Por um tempo resolvi me render ao sistema. Para sobreviver foi preciso deixar os outros pensarem que concordava um pouco com certos mandamentos. Amansei meu gênio e domestiquei minha personalidade. Embora eu saiba que aqui dentro, bem lá no fundo, preso por grades bem fortes, jaz uma fera que eu nunca soube controlar muito bem...


Todos queremos um lugar para chamar de céu, um alguém comum para chamar de santo e é claro, um Monstro para crucificarmos por nossos próprios pecados.
 

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