Segundo o dicionário Oxford a palavra “estima” se refere a um sentimento de carinho ou de apreço em relação a alguém ou algo. Logo, pode-se entender “autoestima” como esse sentimento ou apreço por si mesmo.
Está aí uma das grandes dificuldades, não sei se apenas dos nossos tempos, mas certamente que hoje esse é um grande problema para muitas pessoas. Fiquei surpreso quando descobri que uma das maiores dores das pessoas atualmente, principalmente daquelas que buscam por ajuda profissional, é por conta de baixa autoestima. Fiquei surpreso mesmo. Não que eu não imaginasse que isso fosse possível, não quero me fazer de ingênuo aqui, até porque sempre ouço isto, pessoas que sofrem com baixa autoestima, só não tinha consciência da dimensão, de quanto existe uma busca por ajuda por esse motivo. A que ponto chegamos... Será que sempre foi assim?
Não me lembro de ouvir sobre isso com tanta intensidade como hoje em dia. Embora se analisarmos as redes sociais, principalmente aquelas em que compartilhamos fotos e imagens, é possível enxergar um mundo quase paralelo, não é mesmo? Cinco minutos rolando o feed você já se perguntaria se aquelas pessoas são reais. Pois é, não são. Não somos. Nas redes sociais todas as pessoas são felizes e de bem com a vida, viajando para todo canto com relacionamentos incrivelmente satisfatórios porque é (só) isso o que mostramos. É (só) isso o que vendemos. E não consigo agora deixar de comentar após escrever a palavra vendemos o quanto isso remete a capitalismo. Tornamo-nos produtos?
Sustentamos ferrenhamente uma montagem de recortes estrategicamente selecionados e editados da nossa vida, mas no fundo as redes sociais não inventaram nada, elas apenas reproduzem o modus operandi da nossa sociedade com seus padrões excludentes. E o objetivo desta postagem – se é que ela será capaz disso – é promover uma reflexão sobre como anda a nossa autoestima e o que estamos fazendo conosco. Na faculdade estamos fazendo um estudo sobre o impacto das redes sociais na autoimagem dos adolescentes e me surpreendo com os dados lidos nos artigos, porque se já é significativo o impacto na autoestima de um adulto, pense no impacto nos adolescentes.
Embora muito atual, essa reflexão que trago aqui não é novidade alguma, já existem estudos sólidos de anos atrás alertando sobre o impacto das redes sociais na saúde mental. Contudo, todos nós continuamos a usar como fuga da realidade e na construção de um universo ideal, e o que é pior, não sei se conseguimos parar... Acho que por isso me assusto mais, percebo que estamos indo de encontro a um abismo sem conseguir frear. Onde isso vai terminar?
Esse texto não pretende ser alarmante nem sensacionalista, não gosto de extremismos e não penso que devemos abandonar tudo, excluir nossas redes sociais ou pior: proibir o uso. Censura nunca será o caminho. Sabemos o quanto as redes sociais e a internet de modo geral são bastante úteis e transformaram a nossa vida em vários sentidos. Precisamos então de um caminho do meio. Como sempre, haver um equilíbrio. Mas como retirar agora o espelho de Narciso? Ou melhor: como retirar Narciso de seu reflexo?!
E tem outra coisa que fico pensando aqui, a partir de um livro que li recentemente, e inclusive publiquei uma frase dele nas redes sociais, que é a seguinte:
[...] uma pessoa que usa uma defesa em geral está tentando, de modo inconsciente, atingir um dos seguintes objetivos (ou ambos): (1) evitar ou administrar algum sentimento poderoso e ameaçador, normalmente ansiedade, mas também luto esmagador, vergonha, inveja e outras experiências emocionais caóticas; (2) manter a autoestima [...]" (McWILLIAMS, 2018, p.122, grifo nosso)
Quais mecanismos de defesa se levantam para mantermos a nossa autoestima? Negação? - quando negamos a realidade de uma situação ou sentimento. Repressão? - quando reprimimos um pensamento, sentimento ou memória indesejados. Projeção? - quando atribuímos os próprios pensamentos, sentimentos ou desejos indesejados a outra pessoa. Formação reativa? - quando desenvolvemos um sentimento ou comportamento oposto a um sentimento ou comportamento indesejados. Racionalização? - quando justificamos ou racionalizamos comportamentos ou sentimentos indesejados. Eles são inconscientes, quais lança mão?
Segundo Winnicott (1982) quando existem falhas ambientais significativas durante o desenvolvimento, isso compromete a formação de um verdadeiro self, o que nos faz (precisar) construir um falso self para proteger o verdadeiro. Agora pense. Uma pessoa que tem uma estruturação egoica frágil (o que não é nada difícil) e precisa sustentar um falso self (entenda como um personagem distante da autenticidade) - por proteção -, quando ela encontra nas redes sociais perfis com vidas perfeitas, isso não tende a reforçar ainda mais os seus mecanismos de defesa para manter a autoestima? E se for assim, o gasto de energia dessa pessoa é impressionante porque ela sofre duplamente: 1- por ter que ocultar o seu verdadeiro self; 2- por ter que sustentar intacto o falso self.
Assim a nossa sociedade não tem sido apenas fonte geradora de neuroses como disse Freud (1908) em A moral sexual “cultural” e o nervosismo moderno, agora ela cria também mecanismos que nos aprisionam nelas, porque nunca dependemos tanto da nossa imagem, sofrendo as consequências disso. Não tenho respostas. Nem aponto caminhos. Pelo contrário, sou um homem de perguntas. Mas sigo desconfiado de tudo o que reluz demais. Sem perder de vista, também, a minha própria escuridão.