domingo, 16 de maio de 2021

A ESCUTA NO TRABALHO

 


     Ao longo da minha vida profissional nas diversas empresas em que passei sempre notei situações e problemáticas similares e ultimamente parei para refletir sobre possíveis causas e alternativas ou proposições de melhoria para isso. Uma das problemáticas que cresce com o passar dos anos são questões ligadas à saúde mental dos trabalhadores nas organizações. Não à toa me interessei por esse tema quando ingressei na especialização em psicologia organizacional e escolhi como tema para o meu trabalho de conclusão de curso a Síndrome de Burnout. Não penso em entrar agora nessa temática especificamente, pretendo certamente trazer uma reflexão, mas meu objetivo com esse texto tangencia esta questão também. Por que estamos adoecendo no trabalho? 

     Então, 1: - estamos sim adoecendo mentalmente mais no (e por causa também do) trabalho; 2: - temos sofrido de outras questões físicas das mais diversas durante o trabalho, como dores nas costas, de cabeça, de garganta, enxaquecas, alergias etc. em decorrência de processos psicossomáticos (mais uma vez linkando à questão psíquica e emocional); e 3: - longe de aprofundar esse assunto agora, mas afirmo também que há atualmente diversos estudiosos pesquisando para compreender esses fenômenos psicológicos no ambiente organizacional, quero agora nos trazer uma pequena reflexão. Que é uma reflexão que tenho me dedicado ultimamente, como já disse devido a uma observação nos mais diversos trabalhos em que estive. 

     Não pretendo falar difícil, aliás pouco tenho apreço a isso. Mas já me desculpo caso a linguagem fique – ou pareça – complicada ou técnica. Meu objetivo com esse pequeno texto é propor ideias; em última instância trazer reflexão e fazer você, gestor, pensar sobre isso. Quem sabe aplicar. 

     Vamos lá. Nas mais diversas empresas por onde passei, e tenho absoluta certeza que você irá se identificar, observei como há pouco espaço de fala ao grupo. Sim, só e simplesmente o espaço para podermos falar livremente sobre as problemáticas que envolvem e atingem o departamento, o setor, a empresa como um todo. Aqui cabe um ponto de atenção. Não me refiro aqui ao espaço individual em que um colaborador tem abertura para se abrir ao seu gestor, pois sei que isso há mesmo, em maior ou menor grau em diferentes empresas. Mas me refiro à fala – e à escuta – grupal! Quando o gestor procura o grupo, o seu time e cria ali um espaço aberto de fala. Onde ele apenas ouve. Ele quer e se propõem a ouvir o grupo. Veja, isso não é uma simples reunião como pode parecer de primeiro momento. Vai além disso. Não há pauta. Não é sessão de brainstorming. Tampouco “momento feedback”. O gestor se coloca humildemente perante todos basicamente para ouvir. Trazer a fala. 

     Mas ouvir o quê? O que surgir! Eu sei, não é fácil. Já fiz isso e reconheço que não é nada confortável, ao líder, administrar o que pode emergir daí. Pode (e certamente vai!) surgir: reclamações a sua pessoa; reclamações e críticas sobre o trabalho e colegas ali presentes; consequentemente, revide e troca de farpas entre eles; a situação beira (beira!) um possível caos. Mas sabe por que digo que beira? A tendência não é essa. Só que isso depende do manejo do líder ao administrar esse campo de escuta. Ele precisa ter esse autocontrole. 

     Em primeiro lugar: não é para você, líder, se defender nem se justificar. Tampouco rebater. Em segundo lugar: conflito faz parte e não fugimos deles. Administramos-os. Em terceiro lugar: tem queixas, assuntos e problemáticas que jamais virão à tona se não as chamarmos à baila numa discussão com coragem, e obviamente com respeito. 

     Todas as vezes em que fiz isso enquanto líder ou quando participei dessas “sessões grupais” que a mim mais pareciam terapia de grupo, algo fantástico acontecia. Apesar de parecer (parecer!) que a coisa iria descambar a discussões acaloradas e lavagem pública de roupa suja, quando eu demonstrava ou percebia no gestor um interesse genuíno de ouvir, estando humildemente em cena, todos (todos!) gradativamente baixavam as suas armas. Todos sentíamos que a ideia não era esta. Exposição gratuita. Era uma vontade genuína, e humilde, de ouvir. As pessoas desaguavam. Se esvaziavam. E o grupo se fortalecia de tal forma que era emocionante. Você já participou de uma sessão em grupo? Se já, pode imaginar... 

     Por que muitos líderes não fazem isso? Eu vou te explicar a minha percepção. Primeiro, por falta de tentar. Segundo, por vaidade – infelizmente. É preciso coragem, e humildade. Terceiro, por insegurança. Medo da coisa degringolar e ele perder o controle da situação e consequentemente o seu time. O que eu penso sobre tudo isso? Abrir um campo para ouvir pode (pode!) ser como trabalhar com energia nuclear. Os riscos são enormes se algo der errado, mas os ganhos são exponenciais também. Tudo ao meu ver depende mais do manejo do líder ao conduzir essa escuta. De que forma o gestor fará o manejo dessa escuta. Você, gestor, tem peito para ouvir (até o que não gostaria!)? Está preparado para apenas ouvir?! Tem humildade e coragem suficientes para se colocar no mesmo patamar de seus liderados e construir com eles formas mais colaborativas de trabalharem juntos? Você tem abertura genuína à dor deles? Se a resposta for não, então nem tente pois vai dar ruim. 

     Só que se você tiver coragem, humildade e humanidade suficientes para tentar pelo menos, e se deixar crescer a partir da escuta do grupo, você abrirá um campo frutífero para novas ideias, criatividade, cumplicidade, colaboração, ressignificação do trabalho e terá um espaço promotor de saúde. Porque agora eu volto lá na minha provocação inicial. Podem ser inúmeros os fatores que contribuem e somam aos processos de adoecimento no trabalho, mas posso garantir por experiência prática e com conhecimento que falar cura! Falar desarma. Falar promove bem estar. Muitas vezes nada no ambiente de trabalho pode mudar efetivamente, mas se existir ali uma abertura (genuína!) para processos de fala e de escuta seguramente os colaboradores somatizam menos. Eles próprios se ouvem mais. Dores comuns são compartilhadas. Dificuldades individuais ouvidas. Cresce uma sensação de pertencimento (extremamente necessária aos grupos!). Fortalece a união. A cooperação. O trabalho é ressignificado. E a motivação reavivada. 

     Líder, pratique a escuta no seu ambiente de trabalho. Ouça o seu time. Abra-se para crescerem juntos. E esteja preparado para atingir um novo nível nessa relação!

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