domingo, 27 de dezembro de 2020

INTUIÇÃO: UMA ARMA CONTRA NARCISISTAS E PSICOPATAS?


     A maioria das pessoas se utiliza predominantemente dos cinco sentidos principais para avaliar a realidade e tomar as suas decisões, e eles são: visão, audição, olfato, paladar e tato. E a maioria das pessoas segue vivendo praticamente ignorando uma outra percepção, igualmente importante – às vezes eu consideraria até mais importante – que é a Intuição. Nos relacionamentos afetivos, por exemplo, quantos não são os relatos de pessoas que viveram com parceiros abusivos, às vezes psicopatas ou narcisistas, só que desde o começo a vítima tinha uma percepção estranha; ela tinha uma sensação que embora não soubesse explicar bem, sentia que havia algo que não se encaixava nessa relação, havia especificamente algo de errado com a pessoa com quem ela convivia. O fato é que a vítima ignora essa percepção. E essa percepção ignorada é a sua intuição.

Mas o que é a intuição? Por que ela é tão importante? E como podemos desenvolvê-la?

     Existem muitas formas de explicar o que é a intuição, tentarei ser o mais didático possível. Primeiramente, a intuição não tem nada a ver com misticismo. Segundo Carl Gustav Jung, a intuição é uma função psíquica que está intimamente atrelada a processos inconscientes. Quando você tem de repente uma percepção, uma resposta afirmativa ou negativa à determinada circunstância e você não sabe explicar a origem e o porquê disso, provavelmente essa sinalização veio do seu inconsciente à consciência e você sente que isso faz sentido porque na verdade tem sentido! Esse conteúdo estava armazenado no seu inconsciente, não sendo reconhecível até esse momento.

     Para explicar de uma outra forma. É comum, por exemplo, os pacientes numa análise relatarem ao analista o seguinte: “Agora eu me lembro disso! É estranho, mas essa lembrança parece que sempre esteve aqui, eu só não tinha pensado sobre isso até esse momento.” Óbvio que nunca tinha pensado, pois esse conteúdo estava recalcado no seu inconsciente e durante o processo analítico ele veio à tona num campo de consciência, então a pessoa se recordou. Podemos se utilizar desse exemplo para explicar o que é a intuição: uma informação do inconsciente que em dado momento vem à consciência.

     No caso de relacionamentos abusivos, por exemplo, é muito comum o abusador se apresentar, pelo menos no início da relação, como “o par perfeito”. Ele vai falar o que você gostaria de ouvir. Ela vai te tocar e beijar de uma forma que gostaria que alguém fizesse. Ele terá um estilo de se vestir, usará um perfume e terá gostos musicais, artísticos, alimentares, que você gosta – porque ele já sabe de tudo isso. O abusador é uma espécie de predador social, ele age como um camaleão se moldando a você, está usando a sua função sensorial para isso. Os seus principais sentidos estão fortemente excitados e se encaixando perfeitamente a ele, porque é assim que ele fisga as suas vítimas.

     Mas vamos supor que numa noite vocês estão jantando, vocês já estão saindo há algumas semanas, então num determinado momento você pergunta algo sobre a vida dele e quando ele responde imediatamente dispara algo dentro de você: “Isso é mentira!”. O que você faz nesse momento? Eu vou te responder. Mentalmente você fala para si mesma o seguinte: “Por que ele estaria mentindo? Eu mal o conheço e até agora ele nunca mentiu para mim, por qual razão vou duvidar dele? Aliás, eu estou curtindo tanto, ele e eu combinamos perfeitamente...” Ou seja, você ignora a sua intuição e toca o barco adiante, até a próxima vez quando essa dinâmica certamente se repetirá e você novamente confiará cegamente nos seus sentidos sensoriais, ignorando por completo a sua intuição.

     Se você tivesse prestado mais atenção a sua intuição, você saberia que ela está ligada ao seu inconsciente que detém 95% pelo menos da sua mente. Assim, muito provavelmente conversas que você já teve ou que ouviu de outras pessoas, filmes, novelas, livros que você teve acesso sobre relacionamentos abusivos, transtorno de personalidade antissocial, transtorno de personalidade narcisista, todo esse conteúdo está armazenado no seu inconsciente sem poder ser acessado facilmente, porém naquela noite, no momento em que o abusador respondeu a sua pergunta, talvez o que ele falou, ou a forma como ele respondeu, ou até a expressão facial e postural que ele teve geraram um gatilho em você que ativou um conteúdo inconsciente seu. E a resposta foi automática, específica e clara: “Isso é mentira!”. Conscientemente você não sabe como você sabe, mas inconscientemente você sabia que ele estava mentindo.

     Precisamos nos lembrar que, segundo Sigmund Freud, nossa mente é dividida entre consciente, pré-consciente e inconsciente. Sendo que este último, segundo os estudos mais recentes de neurociência, poderia corresponder a 95% pelo menos do nosso psiquismo. Sabendo que a intuição está atrelada ao inconsciente, é inegável que essa função psíquica seja fonte de substancial conteúdo de conhecimentos e experiências anteriores armazenados (segundo Jung, coletivamente até). O fato é que isso não estaria armazenado à toa. A intuição tem natureza instintiva e faz parte de um processamento do tipo 1 ou sistema 1 (que envolve estruturas cerebrais como às amígdalas, entre outras). E ao contrário da nossa mente consciente que capta conforme a atenção é dirigida ou direcionada, o inconsciente tem registrado tudo.

     Vamos supor que você entre num museu. As obras que você dirigiu a sua atenção, que você fez algumas reflexões e raciocinou sobre elas e que você poderia dividir posteriormente esse conhecimento com outra pessoa se fosse preciso, você utilizou o seu sistema 2 ou processamento do tipo 2 (que envolve estruturas cerebrais como o córtex pré-frontal, entre outras). Mas isso não significa que você não recebeu nem arquivou também vários outros estímulos sensoriais, auditivos, olfativos, táteis etc., mesmo sem prestar atenção consciente desde o momento que adentrou o prédio.

     Não há um julgamento de valor entre qual seja melhor ou pior: a função intuitiva ou a função sensorial; o sistema 1 (mais automático) ou o sistema 2 (mais reflexivo). Nós utilizamos ambas as funções e ambos os sistemas. A questão é prestar mais atenção a nossa intuição quando ela vem e duvidar um pouco dos nossos sentidos. As pessoas que são muito sensoriais costumam dizer que “fatos falam por si”; já aquelas que tendem a ser mais intuitivas alegam que “fatos sugerem análise”. As primeiras se conformam com a realidade conforme a registram pelos seus sentidos e elas se fixam predominantemente no que tangível. As pessoas mais intuitivas já olham para a realidade, mas não confiam cegamente nos próprios sentidos, porque fazem abstrações, análises e interpretações usando também a intuição para aquilo que captam da realidade.

     Se por um lado, desconsiderarmos a função sensorial, nós não nos relacionaremos com a vida e sim com uma abstração dela, beirando processos esquivos e paranoicos. Por outro lado, se desconsiderarmos a função intuitiva, nós acreditaremos que a realidade que captamos é de fato a realidade, quando não é bem verdade. É a clássica percepção “figura-fundo” da Psicologia da Gestalt. Todas as pessoas veem a mesma coisa? Podemos afirmar que a nossa realidade é compartilhada? O fato é que, sim, os nossos sentidos podem nos trair, assim como a nossa intuição também pode nos equivocar, então o mais sensato é permanecer conectado com a realidade a partir dos nossos estímulos sensoriais, mas sem confiar cegamente neles e sem negligenciar aquilo que trouxer a nossa intuição.

     Aprenda a não confiar cegamente no que recebe sensorialmente de qualquer situação ou pessoa. Mas sem paranoia também. Procure apenas se indagar de vez em quando o seguinte. Será que essa pessoa é exatamente assim como ela está se apresentando? Será que tudo o que ela diz é verdade? Embora todos os meus sentidos respondem que sim, tenho alguma intuição diferente sobre isso? Confie nas situações da vida e nas pessoas com quem você se relaciona, mas ande sempre com a sua mente aberta também. Preste atenção aos sinais que você está deixando passar – ou aqueles sinais que não está querendo ver. Preste atenção ao que não está sendo mostrado e ao que não está sendo dito. Não ignore nenhuma percepção sua. O que a sua função sensorial não captar, mais cedo ou mais tarde a sua função intuitiva te alertará de algum modo. Confie em si mesmo.


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