domingo, 6 de janeiro de 2019

A mensagem por trás do filme Bird Box


Já faz algum tempo que eu queria escrever sobre esse tema aqui – até por acontecimentos ocorridos nos últimos meses. O tema que pretendo falar é sobre um aumento assustador de doenças mentais nas últimas décadas, especificamente a depressão e como isso pode chegar a casos de suicídio, que também tem aumentado significativamente o número de casos nos últimos anos – especialmente entre jovens e idosos. Gostaria de deixar claro que nem todas as pessoas que têm depressão tentaram ou tentarão se matar, mas é muito provável que todas as pessoas que chegaram um dia a tentar suicídio ou até cometeram estariam com depressão. No ano passado três pessoas próximas me confidenciaram que estavam com ideação suicida e uma delas chegou a fazer duas tentativas efetivamente – felizmente sem sucesso. Foi algo sério. A pessoa era bem próxima a mim e me impressionou um pouco a reação dos pais quando os alertei, que talvez até por não compreenderem essa doença e a gravidade da situação agiram com um certo “distanciamento”. E quase ocorreu o pior. E é esse o gancho que trago para o post de hoje, com a seguinte pergunta: estaríamos “cegos” diante desse problema que vem crescendo silenciosamente ano após ano?

Antes de mais nada gostaria de dizer também que depressão é uma doença mental, é incapacitante e exige tratamento especializado (leia-se aqui médico psiquiatra e psicólogo). Quem fala sobre sucídio, faz sim. Ao ouvir alguém falando coisas dessa natureza, pare o que está fazendo no momento, olhe para a pessoa e peça a ela para se explicar melhor. Diga que se importa com o que ela acabou de dizer e que gostaria de entender melhor isso. É uma doença, precisará de orientação médica especializada e bem provavelmente de acompanhamento psicoterapêutico.

Assisti o recente filme da Netflix que já vem se tornando bem famoso, “Bird Box”. O filme simplesmente viralizou! E é sim verdade que é um tanto quanto clichê eu estar aqui fazendo um post e falando sobre ele também, já que em todos os lugares da internet, desde blogueiros a youtubers, as pessoas estão falando sobre ele e cada um tem a sua teoria do que seriam as tais criaturas que “aparecem” (bem entre aspas já que não as vemos) no filme. Acredito que todas as interpretações são possíveis e válidas, até porque o próprio autor do livro (do qual o filme é baseado) não é nada assertivo nesse ponto e parece proposital ficar “no ar” as interpretações como se isso ficasse mesmo em aberto. Tem aqueles que assistiram e simplesmente odiaram. Tem aqueles que não entenderam nada. Eu particularmente gostei. Achei bem interessante e cabe aqui várias analogias e metáforas que se conectam ao tema desse post.

O intuito aqui não é dar espoiler e já me desculpo se escapar. Na minha análise (como na de outras pessoas que acompanhei quando pesquisei) parece claro que o filme trataria centralmente, de forma oculta é claro, sobre a depressão. As criaturas de “Bird Box” simbolizariam “gatilhos” para depressões. A personagem principal, vivida pela atriz Sandra Bullock, está grávida, sem a presença do pai da criança – o que mexe muito com ela e ela rejeita a ideia de ser mãe. Ela vive de forma isolada sem sair de casa e sua irmã é quem faz as compras para que não precise sair. Ela passa seus dias pintando e logo no começo do filme se vê vários de seus quadros e três coisas logo me chamaram a atenção. A primeira é que num dos quadros que ela está pintando há várias pessoas lado a lado, porém sem nenhuma conexão entre si; existe no quadro um ar de tristeza, ela pinta o entorno das pessoas de preto e uma das pessoas da cena – a única em preto e branco – parece ser ela – também a mais triste de todas. A segunda coisa que me chama a atenção é que ao assistirem aos noticiários, um dos jornalistas diz que o problema que começaria na Europa não era de natureza “patológica” (a depressão ainda hoje não é vista como uma doença algumas vezes com alterações bioquímicas cerebrais) e a terceira é que logo em seguida a personagem diz “- É na Rússia” – dando de ombros como algo distante de si. O que mais adiante em outra cena ela dirá: “chegou aqui!”. Isso retrata bem como as vezes achamos que essa doença, e até casos de suicídio, estão distantes de nós – até acontecer na nossa família!

A maioria dos personagens de “Bird Box” parece estar em algum ponto bastante crítico de suas vidas. Isso fica bem marcado. Uma com uma gravidez indesejada que parece sofrer de depressão pré e pós-parto; tanto que ela nem dá nome aos filhos (a menina será adotada), ao longo do filme os chama apenas de “garoto” e “garota” (outro ponto interessante ao meu ver). Um homem sofre pela morte da esposa. Uma mulher vê a criatura como sendo sua mãe morta há dez anos. Existe um nerd meio deslocado. Uma policial, um usuário de substâncias psicoativas, um homossexual, uma gordinha grávida que se julga fraca por ter sido sempre muito mimada por todos na vida. É como se o diretor quisesse retratar a sociedade em toda a sua diversidade, de forma meio que escancarada, através de cada personagem. E logo eles concluem que não devem sair de casa e nem olhar diretamente para as criaturas, pois quando o fazem algo de estranho ocorre que os leva a atentar contra a própria vida. Assim eles precisam usar vendas para tapar os olhos. Outro ponto curioso do filme é que algumas pessoas saem de suas casas e conseguem andar sem vendas pelas ruas e não se suicidarem. Esses indivíduos acabam tentando fazer os demais saírem também a força e encarar as criaturas. Se fala que seriam psicóticos, esquizofrênicos que escaparam de um hospital psiquiátrico, e em decorrência de sua doença não sofreriam com as criaturas pois se sabe que nesses casos se rompe com a realidade.

Agora, como eu particularmente analisei todo o filme? Me pareceu muito sugestivo esse “não poder ver”. O “vendar os olhos”. Na minha percepção vivemos, cada vez mais, uma constante busca para o que está fora de nós, estamos buscando por coisas externas. Sejam bens materiais ou buscas por status social, a verdade é que hoje é muito difícil encontrarmos pessoas que fazem um movimento inverso, pelo menos em alguns momentos. Digo do “olhar para dentro”. Do fechar realmente os olhos, silenciar a mente e procurar olhar para “além das criaturas”, para os nossos traumas. Seja a dor de uma desilusão amorosa; de uma frustração na carreira profissional; da morte de um ente querido etc., essas tristezas sempre vêm e vão e exigem de cada um de nós um olhar para essas questões. Exige um falar sobre isso. Um tocar no assunto. Um trabalho realmente de “voltarmo-nos para dentro de nós mesmos e buscar entendimento no mais íntimo de nós”. Para nos curar. Mas ao invés disso o que estaríamos fazendo? Trabalhando loucamente como ratinhos em gaiolas correndo sem sair do lugar. Comprando, comprando, comprando. Bebendo e comendo em excesso. Usando substâncias psicoativas. Nos refugiando em jogos, em sexo, através de fugas das mais diversas. Para o quê? Para não ter que ver onde dói a ferida! Uma ferida viva! Que vire e mexe sinaliza para aquilo que precisa ser ENCARADO. VISTO. Assim, ao meu ver, a venda nos olhos das personagens significa que o caminho para a salvação da humanidade se dará através do INTERNO. Do OLHAR PARA DENTRO. Pois de olhos vendados a humanidade, no filme, não teve outra opção para sobreviver senão negar o externo. As ilusões. As fugas. Que se tornaram as suas perdições; a desconexão das pessoas da vida, de si mesmas e dos demais.

Talvez a nossa sociedade esteja mais doente porque estamos buscando em focos provisórios e efêmeros a motivação de nossas vidas. Estamos buscando no EXTERNO e no MATERIAL, quase que unicamente, como sendo os nossos objetivos de vida. E infelizmente muitas pessoas estão percebendo, e da pior forma, que após certo nível de riqueza e bem-estar, tanto faz o que você tem ou acumula, sua felicidade não será mais proporcional ao excedente. Muito pelo contrário, são nos países mais ricos os maiores índices de suicídio no mundo todo. Existe uma abordagem da Psicologia que se chama Logoterapia que, explicando de forma rasteira e grosseira, é fazer a pessoa encontrar um sentido maior para a sua existência. Essa abordagem se desenvolveu através da percepção daquelas pessoas que viviam em campos de concentração, que apesar de muito sofrimento e condições desumanas que foram postas, lutavam por suas vidas a tal ponto que suicídio era algo raro de se ouvir falar. E os sobreviventes ainda tiveram vidas longas. Isso explica porque países mais pobres teriam menores índices de suicídio; talvez porque quando lhe falta praticamente tudo, muitas vezes até o essencial, cada respiro, cada prato de comida, cada bebida tem um valor ímpar! Indispensavelmente único. Onde a vida em si tem um sentido muito grande.

Portanto, a resposta é “sim”, estamos “cegos” diante desse problema que vem crescendo de forma alarmante. Não porque estaríamos ocupados olhando para dentro. Nossa cegueira não é ocasionada de forma consciente e direcionada como poderia, nossa cegueira atual é ocasionada por um brilho externo, pela busca incessante de algo que nunca nos satisfará por completo e assim como no filme “Bird Box” quando olhavam diretamente as criaturas de frente e se suicidavam logo em seguida, com olhos inebriados estamos nos perdendo e dizendo “- É lindo... é lindo!”.

O vídeo abaixo retirado do Youtube é de uma palestra no TED, ele não tem nada a ver diretamente com o filme em si, mas o recomendo aqui por sua mensagem, pois o que o palestrante nos convida a fazer vai muito de encontro a motivação desse texto. Convido então a assistir ao vídeo abaixo e fazer uma reflexão.



2 comentários:

Daiana Orlando disse...

Perfeito!

Jonas Souza disse...

Muito obrigado, Daiana!