domingo, 5 de julho de 2015

O lado de dentro



Prefiro o sonho à ilusão; no sonho sabe-se que temos os olhos fechados; na ilusão julgamos tê-los abertos.” (Marie de Beausacq)


O universo é infinitamente grande para fora assim como é infinitamente grande para dentro. Uma transformação aplicada no lado externo pode ser também aplicada no lado interno. Existem benefícios na concentração de energia para ambos os caminhos. Não entendo porque passamos toda a vida praticamente voltados apenas ao lado de fora.

Somos criados para nos tornar exímios transformadores do externo, em detrimento de conquistas internas. Um dia saímos de uma barriga. Um dia saímos das cavernas. Saímos do chão, deste planeta, a quem diga que saímos de nosso corpo, da realidade, da vida uns dos outros, que nos acostumamos com uma única direção. “Para fora”. Poucos visam a direção contrária. O mergulhar em si mesmo. O se autoconhecer. O lapidar-se.

Quanto mais se avançou a sociedade mais fomos estimulados a olhar para o que estava fora de nós e transformar o entorno. E nos tornamos bons nisso. Construímos pirâmides. Arranha céus. Aviões. Foguetes. Naves espaciais. Tecnologias das mais variadas. Aprendemos na escola a ler e a escrever antes de conhecer qual o impacto de cada palavra. Aprendemos a conversar antes de ouvir o som daquilo que queremos dizer. Pensamos no que estamos sentindo mas raramente sentimos aquilo que pensamos. Abrimos nossas vidas para outras pessoas adentrarem, nos amarem; para estranhos nos conhecerem. Enquanto o universo expande porta à fora no interior tudo permanece praticamente intacto por nós. Inabitado. Somos desproporcionalmente realizadores internamente.

Na sociedade atual todos estão sempre se movendo, conversando, gesticulando, fazendo barulho, mas nunca nos encontramos em silêncio. Mas isso parece proposital já que o silêncio incita ao que não estamos acostumados: olhar para dentro. E também parece que não queremos isso. Não queremos ouvir os nossos pensamentos. Mergulhar em nossas emoções. Entender os nossos medos. Tocar em certas feridas. Refletir atos ou decisões. Não olhamos para o nosso interior porque talvez temamos a nós mesmos mais do que qualquer coisa neste mundo. E no fundo este receio venha de um único medo: a finitude. O medo da morte. Corremos tanto, construímos tanto, acumulamos tanto, porque tudo o que mais queremos é encontrar um ponto fixo, uma saída para trapacear a morte. Alcançar um estágio permanente, imutável, que nos permita esquecer a efemeridade que é a vida.

Não fazer mais parte apenas dos transformadores externos é uma escolha bem pessoal. Por vezes é necessário abrir mão de algumas ilusões. Outras vezes dói bastante. Mas acredito que quando decidimos parar alguns instantes, nos silenciar, refletir, olhar para dentro e executar revoluções internas, passamos a nos conhecer mais. A viver melhor a vida. A aceitar a morte. Descobrimos um novo espaço. Infinitamente grande. Apenas esperando para ser explorado...


Para quê olhar para os crepúsculos se tenho em mim milhares de crepúsculos diversos - alguns dos quais que o não são - e se, além de os olhar dentro de mim, eu próprio os sou, por dentro?” 
(Fernando Pessoa)



 

Nenhum comentário: