De repente, em meu quarto, ouvindo músicas de Kid Abelha e Capital Inicial, me vem uma sensação familiar angustiante. É um medo do futuro, um misto de ansiedade e expectativas brigando aqui dentro. Ao ouvir a palavra "novo" vinda de um daqueles comercias transmitidos no começo de vídeos do Youtube, me dá um gelo no estômago. "Novo" me lembrou diferente, fora de controle, impossível. Uma sensação paralisante...
Posso até estar errado, mas tenho a impressão de que em situações assim entramos em contato com nós mesmos. E não há para onde fugir, ou encaramos, ou reprimimos.
O motivo de nos incomodar esse encontro é pelo fato de nos vermos longe de um pedestal intocável e sem a capa indestrutível que ficamos no dia a dia. Nos encontramos nus, assustadoramente pequenos, que é como realmente somos. Ao contemplar a vida nós percebemos isso.
Sendo assim tão pequenos, acredito que uma sensação de expectativa, de esperança, de ambição venha também do fato de sermos frágeis perante à Vida, só o que nos resta neste momento é crescer. O céu é o limite. Acredito então que o ser humano precisa tocar a sua humanidade e constatar a sua fragilidade para encontrar a sua grandeza; perceber que após chegar ao seu limite físico, ele é capaz de criar, de se reinventar, e evoluir para estágios ilimitados.
Vivemos cercados de pensamentos, pessoas, de sons e imagens que não damos a atenção necessária a nós mesmos. Não nos apercebemos durante o processo. Não nos atrevemos a perguntar quem somos, o que somos; onde estamos no meio dessa bagunça toda? Acho que questionamentos assim são importantes para saber se estamos indo na direção de onde queríamos, ou se estamos sentindo a vida efetivamente por exemplo. Prazerosamente. Percebo que em momentos de crise, de solidão, de sensação de vazio, cada pensamento expande na mente. As sensações explodem no corpo. Os sentidos potencializam. Enquanto o corpo arde, a mente fervilha. Momentos assim são decisivos e antecedem vida e morte. Para mim vida seria essa angústia traduzida em qualquer movimento motivador/criador e morte a anulação/suicídio desse processo (o pior tipo ainda, quando a pessoa permanece viva).
Acho que a partir do encontro do homem com ele mesmo, ele sempre se sentirá incomodado com a sua própria natureza contraditória e conflitante, porque por um lado - a nível espiritual, quântico, no pensamento - ele alcança a grandiosidade, e por outro lado - a nível humano, material, no corpo - ele se percebe limitado e pequeno. Por isso viver efetivamente a vida, para nós animais racionais, pode ser terrivelmente dilacerante. A partir desse bolo intenso de energias em conflito (e em marcha), ou poderá haver um subproduto extremamente criativo ou um suicídio - de ideias, de sonhos, de sabe-se lá o que mais...
Quantas vezes você já se suicidou assim na vida?
Eu acho incrível como durante esses encontros certas coisas ganham tamanha importância. Neste momento em que escrevo por exemplo, ouço Primeiros Erros do Capital Inicial, logo após ouvir Lágrimas e Chuva do Kid abelha, e outras muitas anteriormente; sinto uma brisa fria que prenuncia a chegada do inverno daqui a poucos meses e o cheiro de alguém cozinhando algo. Sinto todos os sentidos muito bem. O encontro dos meus pensamentos, com essa brisa no rosto vinda da janela aberta, esse cheiro e o som dessas canções me trazem uma sensação indescritível. Angustiante e inspiradora. Se é possível se drogar apenas com o fato de sentir a vida, estou dentro!
É possível sim nos extasiarmos a partir de nada praticamente, só é preciso percebermos isso. Temos dificuldade de nos
encontrar conosco, porque nos esbarramos em muitas coisas no
caminho. Entre nós e nós mesmos há sempre tantas coisas atapetando o
encontro, distrações que nos tiram o instante; o presente; a percepção; sensação do aqui e agora, que é criadora. Precisamos encurtar cada vez mais a distância entre nós e nós mesmos, afim de alcançarmos estágios mais elevados.
Por isso o desenvolvimento de sensibilidade estética acaba sendo tão importante quanto respirar e nós nem se quer nos damos conta disso. Precisamos potencializar essa sensibilidade estética, desenvolver a nossa capacidade de contemplar a vida a qualquer instante, a partir de qualquer situação, tragando pelos sentidos e gerando subprodutos criativos, ideias inovadoras, mais conflitos, mais movimento!
Momentos angustiantes são provenientes do nosso encontro com nós mesmos, da face humana com a face criadora, e não devem ser encarados como algo ruim, que precisa ser temido, ignorado ou extinguido até, e sim convertido em mais força, em mais movimento, porque parafraseando Lavoisier, na natureza nada se perde - nada se finda -, tudo se transforma!
Momentos angustiantes são provenientes do nosso encontro com nós mesmos, da face humana com a face criadora, e não devem ser encarados como algo ruim, que precisa ser temido, ignorado ou extinguido até, e sim convertido em mais força, em mais movimento, porque parafraseando Lavoisier, na natureza nada se perde - nada se finda -, tudo se transforma!
Soneto de separação
(Vinicius de Moraes)
Inglaterra
, 1938
De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso
e branco como a bruma
E das
bocas unidas fez-se a espuma
E das
mãos espalmadas fez-se o espanto.
De repente da calma fez-se o vento
Que
dos olhos desfez a última chama
E da
paixão fez-se o pressentimento
E do
momento imóvel fez-se o drama.
De repente, não mais que de repente
Fez-se
de triste o que se fez amante
E de
sozinho o que se fez contente.
Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se
da vida uma aventura errante
De
repente, não mais que de repente.
Oceano Atlântico, a bordo do Highland Patriot, a caminho da Inglaterra, setembro de 1938
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