Utilizo situações e acontecimentos e o que observo a minha volta para transformar em texto. Tenho a característica de ser atento às coisas e gosto de observar as pessoas, as suas falas, os seus comportamentos, possíveis motivações e as consequências disso. Penso e reflito sobre tudo procurando de algum modo encontrar aprendizado. Refletir. Ou propor alguma análise disso. É o caso da postagem de hoje.
Essa semana tive uma conversa que me chamou bastante a atenção. Me chamou a atenção particularmente a visão e a opinião da pessoa com quem conversava. Longe de fazer crítica a posicionamentos político e ideológico, até porque quem me conhece sabe que eu não discuto ideologias – não vejo razão para fazermos isso, mas achei interessante a conversa. Trarei aqui como a pessoa enxerga uma situação e em seguida o que penso, como eu também vejo a mesma questão.
A conversa toda foi complexa e seria impossível sintetiza-la num único tema. Mas, ao que me parece, o bojo central da discussão foi sobre transformações radicais que a sociedade vem passando, particularmente nas últimas décadas e essa pessoa acredita num “padrão”, observável já na natureza – segundo ela –, dos gêneros masculino e feminino, assim como de certo modo o que competiria a cada qual fazer. Não fiz julgamento de valor, procurei fazer mais perguntas. Quis ouvir e entender o seu ponto de vista e que, ao meu ver, parece refletir a opinião de muitos.
Essa pessoa me disse que vê alguns grupos marginalizados da sociedade, tidos como minorias usando de formas agressivas e muito radicais para reivindicar seus direitos, perdendo uma denominação do que seria o sexo biológico; uma ausência de identidade; e não se enquadram ao que era esperado e tão característico a algumas poucas décadas atrás: o que é ser um homem, o que é ser uma mulher, por exemplo.
Quando a conversa foi para esse ponto fiquei mais atento, porque quase sempre esses temas costumam ser sensíveis e espinhosos para conversar e inevitavelmente nesse momento discussões acaloradas surgem aos mais inflamados. Entram em jogo aquelas polaridades de direita e esquerda. Opressor e oprimido. Certo e errado.
Mas pensei que se essa pessoa levantou o assunto, isso já disse muito. E como um bom amante e estudante de psicanálise dei espaço a sua fala, e como um psicanalista faria, ouvi com neutralidade sem qualquer julgamento de valor. Pelo contrário, estava curioso para compreender o que seria, segundo essa pessoa, “o padrão” esperado para um comportamento em sociedade com relação a masculino e a feminino. Em dado momento fui questionado o seguinte: “Para a psicanálise não é importante uma noção de identidade sexual ao ser humano? Hoje em dia os jovens não estão perdidos nesse sentido? Essas novas terminologias de hoje, como não-binariedade por exemplo, isso não traz confusão e talvez até traga sérias consequências aos jovens e à sociedade em geral futuramente?”.
Penso que possuir uma identidade, seja ela qual for é importante. Mas não tem como dizer que não ter uma identidade definida ou ter uma identidade transitória ou fluída também não seja importante à pessoa. A sociedade passou por grandes transformações que não se via nessa magnitude por séculos. Talvez o que aos nossos bisavós e avós demorava uma ou duas gerações para ver acontecendo na sociedade, atualmente acompanhamos a cada dez, talvez cinco anos. Isso assusta alguns. Choca outros. Eu sou mais conservador. E gosto de uma tradição. Mas nada voltará a ser como foi um dia. A vida muda! O novo também nos ensina muito. Diante de todos esses questionamentos, eu apenas devolvi à pessoa uma única pergunta: “Como é isso para você?”.
Quando
a mulher estava dentro
de casa e de um modo geral pais e mães eram mais presentes na
educação dos filhos, talvez se percebesse menos nuances nos
comportamentos e inclinações sexuais porque as crianças eram
treinadas de certo modo
pelos pais, conscientemente ou não, a agirem segundo
um determinado padrão esperado (o tal “padrão” que a pessoa se
referia). Ou talvez antes se sublimasse e se recalcasse muito
mais, devido também
a uma
menor abertura e
aceitação a comportamentos diferentes.
O fato é que com a saída dos modelos houve
certa liberdade para
emergir algo a partir daí. Que
não é certo nem
errado, é um fato. Quando você deixa de policiar o desenvolvimento
de um ser humano, estando ele livre para ser, pensar e agir –
conforme suas
inclinações talvez
–, surgirão
novos jeitos de pensar.
De se relacionar. De amar. Novos jeitos de existir e de se exercer no
mundo. Nada contra. Pelo contrário, tudo a favor. Cada um vive a sua vida como bem entender!
A
falta desses
modelos pode ser prejudicial aos jovens? Talvez. Só que a falta de
abertura que existia no
passado também não
era prejudicial? Também é possível.
A conclusão é que tudo depende, pois tudo tem dois lados. O modo de
vida do passado podia ser bom, assim como podia ser prejudicial.
Como o modo de vida atual pode ser ruim assim como pode ser positivo.
O fato é que a
sociedade muda.
E continuará mudando cada vez mais
com maior velocidade. E
talvez o único erro seja não buscarmos
acompanhar essas transformações sociais e tentar aprender com elas. Mas vejo muitas pessoas ainda apegadas a antigos padrões que nunca mais voltarão a ser com antes, por "n" fatores.
Essa
pessoa comentou sobre a psicanálise porque estou em formação.
Mas se tem algo que eu
gosto mais e foi o que fez eu me interessar mesmo pela psicanálise foi que ela
não trabalha com ideia de certo e errado. Na psicanálise não
existe padrão reconhecidamente saudável. Seríamos
neuróticos, no mínimo.
Ela
se diferencia
da psicologia, que reconhecidamente já adquiriu status de ciência,
justamente porque
a psicologia tem
protocolos
bem definidos; um
parâmetro a ser
seguido ou esperado.
Enquanto a psicanálise vê
o homem como ele é, como ele pode ser. O que ele é capaz de
fazer da
própria vida. E precisará lidar!
Sem idealização. Sem
expectativa.
Sem moralismo.
O esperado
numa
análise é que o
paciente consiga através de sua própria escuta dar melhores fins a
sua angústia. Como ele fará isso? Pouco importa, cada
um achará
o seu caminho. O
seu saudável. O seu
possível! A psicanálise não rotula ninguém. Não estigmatiza comportamento. Não dá cartilha nem receita de nada. É como se ela dissesse: "Lida com isso!". Se algo é bom ou é ruim pouco importa, o importante é como isso é para você; se isso te incomoda "elabora e lida com isso!". O que me parece muito inteligente.
Segundo Sigmund Freud a psicanálise é uma teoria, um método investigativo e um método de tratamento. E sob certos critérios ela ganha também status de cientificidade. Ela é uma episteme. É um método. Possui um objeto de estudo. Está sujeita à refutação. E está presente nas instituições da ciência. Todavia, diferentemente da psicologia, não acho possível parametrizar ou padronizar o que se propõe a psicanálise, porque mesmo embora existam estruturas de uma primeira infância que reverbere em determinados comportamentos na fase adulta, cada um deverá se haver conscientemente com isso; e se apropriando da própria história, cada um dentro do possível dará melhores rumos a própria vida.
A
minha opinião é que a
sociedade mudou e
continuará mudando. A mulher saiu de casa e conquistou sua
emancipação. Os pais hoje têm menos tempo disponível aos filhos
por inúmeros fatores, alguns legítimos. As crianças ficam mais
tempo
sozinhas em
casa com todo tipo de aprendizado disponível e a seu alcance na
internet. A família mudou radicalmente.
O trabalhou
flexibilizou. As
relações amorosas estão
líquidas. Identidades sexuais fluídas.
Essa é a realidade. Se
isso é certo ou errado é um julgamento moral e logicamente cada um
tem o seu.
Considero
mais oportuno
olhar ao diferente buscando
pontos positivos para
novos
aprendizados,
do que ficar enraizado
ao passado numa
falsa ilusão de que o que havia antes era melhor.
Mudanças sociais
sempre aconteceram. E
sempre ocorrerão.
A única diferença é a
velocidade que isso
está se dando.
E nós enquanto sociedade precisamos acompanhar.