Estava na
faculdade ainda, quando na semana de Administração nos passaram o
cronograma de palestras a serem dadas aos alunos. “Espiritualidade”,
acredito que era esse o nome de uma delas. Ou algo com essa temática,
mas ligado ao universo do trabalho. Confesso que de início fiquei
bastante curioso, até surpreso, assim como não via, naquela época
– uns dez anos atrás – ligação entre essas esferas: o
espiritual e o profissional. Ficava pensando: “Mas o que tem uma
coisa a ver com outra? Isso nem se mistura! O que esse cara vai
falar?”. E fui à palestra com esse espírito...
Não que
eu não tenha fé, muito pelo contrário, diria que sou extremamente
crédulo e espiritualizado, mas nessa época da minha vida insistia
em crer que a fé e o trabalho eram caminhos, talvez até paralelos,
que não podiam nem deveriam se cruzar. Vou ainda mais longe, tinha a
forte crença que vida pessoal, sentimento, qualquer temática não
relacionada ao trabalho, e especificamente ao meu trabalho, deveria
ficar porta à fora da empresa. Como se isso fosse possível, não é?
Então, hoje eu sei que não é. Mas nessa época da minha vida
pensava assim – ou pelo menos relutava a pensar de outra maneira.
Com essa mentalidade alimentava meu estilo de liderança fazendo com
que eu fosse um líder altamente produtivo e eficaz. Minha equipe
chegava onde fosse necessário, mas às custas de sufocar todos os
seus anseios e demonstrações emocionais. Não tinha espaço para
isso comigo. Não à toa levava fama de general que comandava na base
do chicote – diziam isso porque era aquele que não pensava duas
vezes para dar punições disciplinares. Eu nem gostava de ser assim,
mas tinha crenças que hoje vejo serem erradas. Engraçado que da porta
para fora era mais humano, espiritualizado, até bom ouvinte, só que
ao entrar para o trabalho, registrava o ponto e já incorporava uma
espécie de robô. Um homem máquina que só enxergava números,
metas, ranking, matéria, matéria... Quase um corpo sem alma. Sem
espírito.
O mais
engraçado ainda é que eu sentia que o caminho não era por ali. Eu
não entendia racionalmente, mas eu podia sentir que tinha algo de
errado. Intuía um contra fluxo, estava me obrigando a nadar contra
maré. Como se me desconectasse de uma parte minha no início de todo
dia de trabalho, me reconectando só ao final do dia. No entanto,
muitas vezes ao longo do dia, ao ouvir uma música, sentir um
perfume, ter contato com algo que me remetesse a uma lembrança e me
fizesse abstrair, logo rompia esse devaneio com ordens para voltar ao
trabalho e focar. Eu me obrigava a não misturar as coisas e
combinava comigo mesmo que temas transcendentais, etéreos,
metafísicos teriam que ficar fora do expediente porque ali deveria
me concentrar. Só que isso me matava um pouco por dia e logicamente
não deu certo por muito tempo porque acabei adoecendo mentalmente. E
era exatamente esse o alerta do palestrante aquela noite.
As
palavras daquele palestrante naquela noite na faculdade me atingiram
em cheio. Ele explicava como muitas pessoas sofriam no trabalho
porque não viam nele um propósito maior. Um propósito sagrado.
Elas não sacralizavam seu oficio. Segundo ele, quando funcionamos
apenas num nível material, sem nenhum valor transcendental, seria
mais fácil vir um desgaste físico e mental porque assim como
máquinas avariam, nos assimilaríamos a elas nesse modo de vivenciar
o trabalho. Apenas físico. Material. Ele nos alertava sobre um lado
etéreo, metafísico no trabalho, e isso não tem nada a ver com
religião – não somente. A espiritualidade nas organizações está
mais ligada à capacidade dos trabalhadores de possuírem ou de
desenvolverem valores transcendentais como fé, esperança, o que é
sagrado, para baseados nisso, alicerçados por isso obterem maior
motivação para suas tarefas. Sacralizar o ofício. Dar um cunho
sagrado ao trabalho. A uma categoria elevada.
Daquela
noite em diante muitas fichas minhas começaram a cair. Percebi que
não estava sozinho nessa. Muito pelo contrário, havia todo um
estudo por trás dessa temática sobre Espiritualidade no trabalho.
Um movimento que já começara há bastante tempo, mesmo que um tanto
quanto timidamente ainda, mas que eu só estava tomando contato
naquele momento. Pesquisando percebi que alguns grandes líderes e
CEOs depois de uma longa jornada corporativa compartilhavam
conhecimentos e momentos de profundas vivências espirituais,
curiosamente até se tornando gurus no mundo empresarial. Assim nos
sinalizando da importância de unificarmos a matéria e o espírito
mesmo no mundo dos negócios.
O tempo
foi passando e fui então trazendo para dentro da minha esfera
profissional aspectos da minha personalidade que sempre gostei, mas
que viviam porta à fora apenas. Fui me abrindo pouco a pouco até
permitir que as pessoas conhecessem o meu verdadeiro eu, e não
apenas um colega de trabalho. Passei a ter momentos para orar
silenciosamente. Respirar fundo, fechar os olhos e procurar me
conectar a Algo Maior que acredito que perpassa todos nós,
conectando tudo sistematicamente. Me entrego com fé e prossigo
minhas atividades do dia com ainda mais otimismo e esperança.
Imagino que o ser humano sofre por desconexão com essa essência,
quando isso não é possível. Esse é o nosso primeiro erro: nos
identificar tanto com a nossa mente e esquecer que a mente é só uma
ilusão. Há uma essência que precede nossa mente, uma essência que
possui inúmeros nomes e para mim é simplesmente Deus. Uma essência
sinônimo basicamente de amor e paz. Assim, trabalhar conectado com
essa crença é compreender que somos mais do que circunstâncias,
funções e resultados momentâneos e aconteça o que que acontecer
tudo ficará bem.
Eu não
estou aqui pedindo que você abandone suas metas e seus sonhos
materiais. É sim ótimo ter ambições e espero que você as tenha.
Está tudo bem querer bens materiais, crescer financeiramente, obter
maior status social. Mas não somente isso. Você não é só um um
carro; um apartamento; uma casa; um salário; um cargo; um resultado.
Você é tudo isso e você é mais do que isso! Existe por trás de
todas essas coisas um todo incompreensível, pleno e infinitamente
maior do qual você e eu fazemos parte e isso é o que dá todo sentido a
nossa vida. Esse todo é como se fosse o nosso cinto de segurança. É o nosso
paraquedas. Nosso bote salva vidas. É a garantia que se todas
as peças fossem retiradas do tabuleiro, ainda assim restariam fé, esperança,
amor e a partir disso tudo se reconstrói! Posso garantir a você que se
você se conectar com essa essência vai ressignificar obstáculos,
vai se levantar após quedas e terá maiores certezas perante os
dilemas do trabalho e da vida. Um dia eu nadei contra a correnteza,
mas hoje eu entendo, ou melhor, eu sinto, de uma forma que não sei
racionalmente explicar, que quando soltamos as nossas crenças e nos
entregamos ao fluxo sentimos a verdadeira força da vida. Percebemos
que não estamos sós e concluímos que tudo caminha para fins
melhores, sejam profissionais ou pessoais. A espiritualidade no
trabalho vai te mostrar um eixo e se revelar um ponto de equilíbrio, encontrando paz de espírito, força e fé para avançar com mais sentido e propósito na sua carreira.