terça-feira, 22 de abril de 2014

Um encontro Criador


A criação de Adão, Michelangelo Buonarroti

"De repente, não mais que de repente."...


De repente, em meu quarto, ouvindo músicas de Kid Abelha e Capital Inicial, me vem uma sensação familiar angustiante. É um medo do futuro, um misto de ansiedade e expectativas brigando aqui dentro. Ao ouvir a palavra "novo" vinda de um daqueles comercias transmitidos no começo de vídeos do Youtube, me dá um gelo no estômago. "Novo" me lembrou diferente, fora de controle, impossível. Uma sensação paralisante...

Posso até estar errado, mas tenho a impressão de que em situações assim entramos em contato com nós mesmos. E não há para onde fugir, ou encaramos, ou reprimimos.
O motivo de nos incomodar esse encontro é pelo fato de nos vermos longe de um pedestal intocável e sem a capa indestrutível que ficamos no dia a dia. Nos encontramos nus, assustadoramente pequenos, que é como realmente somos. Ao contemplar a vida nós percebemos isso.
Sendo assim tão pequenos, acredito que uma sensação de expectativa, de esperança, de ambição venha também do fato de sermos frágeis perante à Vida, só o que nos resta neste momento é crescer. O céu é o limite. Acredito então que o ser humano precisa tocar a sua humanidade e constatar a sua fragilidade para encontrar a sua grandeza; perceber que após chegar ao seu limite físico, ele é capaz de criar, de se reinventar, e evoluir para estágios ilimitados.

Vivemos cercados de pensamentos, pessoas, de sons e imagens que não damos a atenção necessária a nós mesmos. Não nos apercebemos durante o processo. Não nos atrevemos a perguntar quem somos, o que somos; onde estamos no meio dessa bagunça toda? Acho que questionamentos assim são importantes para saber se estamos indo na direção de onde queríamos, ou se estamos sentindo a vida efetivamente por exemplo. Prazerosamente. Percebo que em momentos de crise, de solidão, de sensação de vazio, cada pensamento expande na mente. As sensações explodem no corpo. Os sentidos potencializam. Enquanto o corpo arde, a mente fervilha. Momentos assim são decisivos e antecedem vida e morte. Para mim vida seria essa angústia traduzida em qualquer movimento motivador/criador e morte a anulação/suicídio desse processo (o pior tipo ainda, quando a pessoa permanece viva).

Acho que a partir do encontro do homem com ele mesmo, ele sempre se sentirá incomodado com a sua própria natureza contraditória e conflitante, porque por um lado - a nível espiritual, quântico, no pensamento - ele alcança a grandiosidade, e por outro lado - a nível humano, material, no corpo - ele se percebe limitado e pequeno. Por isso viver efetivamente a vida, para nós animais racionais, pode ser terrivelmente dilacerante. A partir desse bolo intenso de energias em conflito (e em marcha), ou poderá haver um subproduto extremamente criativo ou um suicídio - de ideias, de sonhos, de sabe-se lá o que mais...
Quantas vezes você já se suicidou assim na vida?



Eu acho incrível como durante esses encontros certas coisas ganham tamanha importância. Neste momento em que escrevo por exemplo, ouço Primeiros Erros do Capital Inicial, logo após ouvir Lágrimas e Chuva do Kid abelha, e outras muitas anteriormente; sinto uma brisa fria que prenuncia a chegada do inverno daqui a poucos meses e o cheiro de alguém cozinhando algo. Sinto todos os sentidos muito bem. O encontro dos meus pensamentos, com essa brisa no rosto vinda da janela aberta, esse cheiro e o som dessas canções me trazem uma sensação indescritível. Angustiante e inspiradora. Se é possível se drogar apenas com o fato de sentir a vida, estou dentro!

É possível sim nos extasiarmos a partir de nada praticamente, só é preciso percebermos isso. Temos dificuldade de nos encontrar conosco, porque nos esbarramos em muitas coisas no caminho. Entre nós e nós mesmos há sempre tantas coisas atapetando o encontro, distrações que nos tiram o instante; o presente; a percepção; sensação do aqui e agora, que é criadora. Precisamos encurtar cada vez mais a distância entre nós e nós mesmos, afim de alcançarmos estágios mais elevados.
Por isso o desenvolvimento de sensibilidade estética acaba sendo tão importante quanto respirar e nós nem se quer nos damos conta disso. Precisamos potencializar essa sensibilidade estética, desenvolver a nossa capacidade de contemplar a vida a qualquer instante, a partir de qualquer situação, tragando pelos sentidos e gerando subprodutos criativos, ideias inovadoras, mais conflitos, mais movimento!

Momentos angustiantes são provenientes do nosso encontro com nós mesmos, da face humana com a face criadora, e não devem ser encarados como algo ruim, que precisa ser temido, ignorado ou extinguido até, e sim convertido em mais força, em mais movimento, porque parafraseando Lavoisier, na natureza nada se perde - nada se finda -, tudo se transforma!

 
Soneto de separação
(Vinicius de Moraes)
Inglaterra , 1938

De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma 
E das bocas unidas fez-se a espuma 
E das mãos espalmadas fez-se o espanto. 

De repente da calma fez-se o vento 
Que dos olhos desfez a última chama 
E da paixão fez-se o pressentimento 
E do momento imóvel fez-se o drama. 

De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante 
E de sozinho o que se fez contente. 

Fez-se do amigo próximo o distante 
Fez-se da vida uma aventura errante 
De repente, não mais que de repente.

Oceano Atlântico, a bordo do Highland Patriot, a caminho da Inglaterra, setembro de 1938

domingo, 6 de abril de 2014

Quem domina: mente ou corpo?


Vitruve Luc Viatour, Da Vinci


O blog está comemorando 06 anos!

Há seis anos, nos primeiros passos de elaboração desse espaço, apesar de ainda não ter uma ideia muito clara de qual seria a sua finalidade, lembro-me que aos valores centrais que o basearia eu queria objetividade, deveriam ser por mim respeitados para sempre; uma espécie de base em que sempre me apoiaria não só para escrever, mas também me cobraria ao viver a minha vida. Como um mantra até. Daí o link com o budismo, foi dado o nome ao blog: Tibet.

Na criação desses valores, após pensar um pouco sobre a minha vida, percebi que havia, nessa época, um descompasso muito grande entre os apelos da minha mente e do meu corpo. Eu tinha a nítida percepção que os dois não se comunicavam muito bem; percebia isso pelas consequências das minhas ações. O corpo sempre superava a mente. Eu era passional demais e vivia as experiências de forma materialista, seguindo apenas estímulos físicos, e eles dominavam todas as situações. Viver sem pensar no que estava fazendo foi muito intenso e prazeroso; curti a vida com aventura e liberdade mesmo - diria com indisciplina também -, mas, da mesma forma que o êxtase foi muito grande, houve tombos épicos! Então criei um certo receio de sentir adrenalina, pois percebi que quando os ganhos eram altos, os riscos eram igualmente elevados - e refletindo bem, nem sempre valeriam a pena corre-los.

Paralelo a esses acontecimentos pessoais - reflexões, balanços e descobertas - foi o período de germinação desse blog. Durante a elaboração dele buscava equilíbrio, então resolvi batizá-lo com uma filosofia extraída da famosa citação latina, derivada da Sátira X do poeta romano Juvenal: mens sana in corpore sano ("mente sã em corpo são"). Tomei a liberdade de "traduzir" isso para a minha vida, a partir dali, como: "um corpo são seria proporcionado por uma mente sã". Atribui então o controle dos meus passos apenas à razão, anulando por completo as emoções e os sinais físicos, deixando assim o corpo apenas como uma mera máquina a seguir os comandos da mente; ele teria uma importância secundária no alcance deste equilíbrio.
Os ganhos me pareceram a princípio maiores. Tive a impressão de que avançava muito mais rapidamente, pois não desperdiçava atenção, não me distraía com nada; olhava para frente, tinha um ideal na mente e anulava tudo ao meu redor - incluindo a mim mesmo. Tirava ótimas notas, ganhava aumento de salário e promoções, me sentia um foguete - usando minha própria vitalidade como combustível! Quando a rápida ascensão assentou vieram a dores: física e psicológica. Dores de cabeça e nas costas não são nada comparadas a uma dor psicológica; então um arrependimento começou a espreitar...

Após superado esse período difícil - e quem acompanhou o blog deve tê-lo notado -, compreendi que nunca existiu de fato uma relação de poder entre essas duas grandezas, e sim de simbiose! A mente não desautoriza os sinais físicos, a capacidade do corpo de se comunicar conosco, nem ele se sobressai à razão através de desejos e necessidades. O que deve existir é uma parceria entre ambos; a fusão dessas duas grandezas gera uma terceira, o equilíbrio. Ao agirmos motivados por uma vontade efêmera, sem racionalizar esse desejo, mesmo na busca de prazer pessoal, podemos ser cruéis com algumas pessoas; e quando colocamos o corpo a serviço da razão unicamente, como máquina, passivo, em algum momento podemos ser cruéis com nós mesmos. Ninguém domina, a redundância se vale: o equilíbrio é o meio termo.

A mensagem deste post é para lembrar que somos animais racionais, e não selvagens; somos constituídos de um corpo com uma mente - e estão ligados! Não há divisão entre corpo é mente, há simbiose.
Seja amigo de si mesmo. Não trate o seu corpo como máquina através de comandos severos e obrigações o tempo todo, pois não somos androides, somos sociáveis e é preciso relaxar também. A contra partida, não queira viver fazendo só o que te dá vontade, impulsiva e irracionalmente, porque limites são importantes, e algumas regras e convenções são estabelecidas para o nosso próprio bem.
Ao perceber que está agindo seguindo somente seus desejos e necessidades e se concluir que está tomando decisões impulsivamente, procure pensar melhor a respeito e refletir em possíveis implicações de agir assim, e se valerá a pena.
Ao notar que está constantemente exigindo demais de seu corpo e esquecendo de considerar sinais físicos básicos (como cansaço, dor, fome, calor, frio, sono, prazer), cuidado com uma autossabotagem, ou seja, a doença - quem não para por bem, parará por mal.


Aquele que viver só no plano mental, esquecendo de necessidades e de desejos do próprio corpo, ou perderá em humanidade ou em saúde; aquele que viver só no plano material, esquecendo de refletir e de valores espirituais, ou se tornará violento ou será vítima de si mesmo.

Qual você escolhe?! Será que precisa escolher?