Hoje vim dividir algumas primeiras impressões sobre meu percurso na formação em psicanálise e as mudanças que já observei em mim nesse caminhar. Como vocês sabem, a psicanálise exige que o aspirante faça análise. O primeiro inconsciente que um psicanalista deve ter contato é o próprio. Esse é um ponto muito importante na formação, porque não raro projetamos nossos conteúdos recalcados no outro e no processo analítico o analista deve tomar cuidado com isso. O paciente quem deve fazer transferência, ou seja, transferir conteúdos seus ao analista. O analista fará o manejo dessa transferência, buscando fazer com que o paciente vá aos poucos diminuindo as suas resistências que estarão a postos inconscientemente.
O analista precisa tomar cuidado com uma possível contratransferência, ou seja, fazer ele o movimento inverso. E isso pode acontecer e comprometer a análise. Exatamente por essa razão que o aspirante em psicanálise se analisa na formação, porque ele precisa estar consciente daquilo que é seu, daquilo que é do paciente. Não raro ao longo de seus atendimentos, o analista poderá se deparar com pacientes que se queixem de questões íntimas a ele; questões já travadas ou ainda enfrentadas pelo próprio analista. Mas se o analista não tiver consciência disso, não ter isso bem elaborado, é possível que resquícios dessa questão não trabalhada respingue na análise do paciente.
A formação em psicanálise passa pelo seguinte tripé: 1- estudar a teoria freudiana e seus contemporâneos; 2- fazer análise pessoal; 3- ser supervisionado por um psicanalista mais experiente. Na minha opinião, o segundo item é talvez o mais importante dos três. Estou trabalhando a sério a minha análise; me comprometendo honestamente com esse mergulho interno. Confesso que no começo do percurso estava com bastante medo porque eu sentia que algo estava se movendo... Mas segui em frente e me comprometi a não evitar qualquer movimento natural. Hoje tenho mais consciência e já observo em mim algumas mudanças. Algumas significativas.
Para vocês terem uma noção, vou dividir algo que aconteceu comigo recentemente. Por diversas vezes já comentei nesse blog o quanto sou orgulhoso e rígido. Eu sou tão orgulhoso, mas tão orgulhoso que já cheguei a fazer promessa para Deus amansar isso em mim. Quando meu pai faleceu por exemplo, eu não falava com ele há anos. Me lembro do médico precisar quase implorar ao telefone para que eu fosse ao hospital onde ele estava internado e viria a morrer naquela noite. Havia tanto ódio e orgulho em minha alma que fui arrastado ao hospital. Entrei na sala, o assisti partir, sem proferir uma única palavra. Nenhuma lágrima caiu. Nenhuma reação.
Assim foi ao longo da minha vida com qualquer pessoa que em algum momento atingiu o meu orgulho. Quando um amigo, um familiar ou um colega meu fazia algo que tocava nesse ponto, uma espécie de monstro emergia das profundezas! Das sombras surgia um Jonas ofendido. Rancoroso. Inflexível. Eu não agredia, nem ofendia a pessoa. Pelo contrário, algo dentro de mim rugia o oposto: “Não transpareça nada! Mostre que não está atingido! Não dê esse gosto à pessoa! Não fique por baixo! Essa pessoa não deve sequer imaginar que teve algum dia qualquer importância em sua vida!”. E assim era feito.
Fosse quem fosse, era assim que eu agiria se alguém pisava na bola comigo. O que não era difícil, porque meu nível de tolerância era bem próximo do zero. “Ele é casca de ferida! Com esse tem que pisar em ovos!”. Era isso o que pensavam sobre mim, já que por muito pouco eu cancelava a pessoa da minha vida. Eu era capaz de conviver com uma determinada pessoa por anos a fio, sobre o mesmo teto, sendo apenas amistoso. Funcional. Protocolar. Me relacionando o mínimo do mínimo.
Mas por que isso? Por orgulho. Pessoas demasiadamente orgulhosas colocam a sua dor acima da dor alheia. No meu caso, sempre o que os outros faziam era pior. Num desentendimento por exemplo, eu podia ter ofendido e pisado na bola também, mas "o outro fez pior comigo" - pensava. "A pessoa pisou mais na bola". Para mim, a minha dor era maior. Os meus sentimentos mais válidos do que os da outra pessoa – que muitas vezes sequer era vista por mim; ouvida; ou tinha suas dores levadas em consideração. E somente quando a pessoa pedia desculpa ou perdão que eu voltava atrás, talvez.
Apesar de eu não gostar de ser assim, eu não conseguia mudar! Eu chegava a rezar a Deus para ser diferente. Para Ele abrandar o meu orgulho! Quando uma pessoa que eu gostava pisava na bola comigo, eu chegava a chorar uma dor de luto, porque eu sabia que eu não conseguiria voltar atrás, e a partir desse momento eu matava essa pessoa dentro de mim. Ao longo da vida o máximo que eu consegui foi algumas leves melhorias nesse sentido. Mas a lista de cancelamentos só aumentava. Muitas vezes não consegui voltar atrás nem diante de um pedido de perdão! Eu me sentia um monstro. Queria muito mudar. Não entendia por que, mesmo tendo consciência de que estava doendo em mim, de que eu queria dar o braço a torcer, de que eu queria procurar ou aceitar uma pessoa de volta, eu não conseguia ceder. É como se cada veia do meu corpo rugisse: “Você não vai ceder!”.
Há sete anos a bola da vez foi o meu irmão. Ele é o mais velho, temos três anos de diferença. Por um motivo torpe brigamos um dia. A partir desse dia eu nunca mais falei com ele – mesmo ele me procurando e tentando uma aproximação todos os meses desde então. A resposta da minha parte sempre foi a mesma: silêncio. Sequer eu levantava o olhar. Muitas vezes eu queria voltar atrás, mas não conseguia. Esperava ouvir um perdão genuíno de sua parte. Ver uma mudança sincera de comportamento. Queria que ele mudasse...
Então iniciei a formação em psicanálise. Passei a estudar a fundo a teoria freudiana. Ler os livros recomendados. Assistir vídeos. Filmes. Fazer tarefas, dinâmicas… Análise. De repente, um belo dia, sem mais nem menos, meu irmão veio até mim e pediu: “Jo, me empresta um cartão de crédito?”. Mesmo sabendo que nós brigamos a anos atrás por causa de dinheiro, simplesmente saquei a carteira e entreguei. Silêncio total. Nesse momento todos na sala chocados. Pareciam ter acabado de ver um fantasma. Mas naturalmente voltei a conversar com ele.
Ele pediu perdão? Não. Ele mudou o seu comportamento? Não. Mas então, o que mudou?! Nada. Mas eu não preciso mais de perdão. Nem há o que perdoar. Não tenho mais essa necessidade. Não me sinto mais ofendido. Ele continua sendo como é, mas eu mudei! O que ele fez não muda o fato de que somos irmãos. Sempre seremos. Eu o amo como ele é. Está bem assim. Entendo hoje que não faz sentido afastar uma pessoa da minha vida por algo que não gostei que ela fez, mas que não está no meu controle mudar. E nem sei se tem o que mudar de fato. O problema não era com ele. Era eu comigo mesmo. Eu quem não o aceitava como ele é. Queria mudá-lo, ao invés de lidar com isso. As pessoas não mudam porque queremos. Elas mudam quando querem (se forem capazes!). Na teoria eu já sabia disso. Faltava eu aprender na prática. Sentindo na pele ao viver uma experiência emocional corretiva.
Começo a ter consciência que o meu orgulho vem por não aceitar os erros dos outros comigo. Como eu me cobro muito para não pisar bola com as pessoas que eu gosto, eu me dou o direito de não pisarem na bola comigo. Como se eu tivesse o controle disso. Mesmo me policiando, é claro que eu também piso na bola com as pessoas. Só que elas, diferentemente de mim, relevam as minhas falhas e não levam a ferro e fogo. É um erro acreditar que nunca, ninguém, em momento algum falhará conosco. Somos humanos. Vamos errar sim. E precisamos aprender a lidar com isso.
No percurso da formação analítica, estou conseguindo FINALMENTE trabalhar esse meu orgulho patológico e estou aprendendo a me dar menos importância. “Menos, Jonas...” – meu mantra desde então. Isso abre espaço para diminuir minhas resistências. Meu perfeccionismo. Minha autossuficiência. Estou me aceitando mais como sou. E aprendendo a perdoar as minhas próprias falhas. Tenho encontrado um lugar de leveza e SERENIDADE. Se pretendo ser um bom psicanalista no futuro, preciso conduzir os pacientes por um caminho que eu já percorri.
Eu não sei você, mas me alegra o fato de, ao contrário do que foi com o meu pai, eu poder me entender com o meu irmão em vida.
Existe alguém que você gostaria de conversar? Não espere muito. Não vale a pena. Faça hoje a sua parte. Você vai se sentir melhor com isso!
Meu irmão (Diego) e eu
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