quarta-feira, 4 de março de 2020

M @' S C @ R @ S



Conheça todas as teorias, domine todas as técnicas, mas ao tocar uma alma humana, seja apenas outra alma humana.” (Jung)


       É muito significativo para mim, quando diante de alguém posso perceber, posso sentir essa pessoa como de fato ela é. Sem títulos. Slogans. Sem credenciais. Sem nenhum rótulo, personagem ou encenação. Apenas pessoas que se apresentam naquele momento como são. Em estado puro, natural. Para mim é tão importante isso que sempre que possível procuro me exercer dessa maneira no contato com as pessoas. Mas é ainda mais importante para mim, quando alguém para o meu espanto ou minha surpresa me faz esse tipo de movimento VOLUNTARIAMENTE. Quando sem ter feito qualquer exigência à pessoa ou crítica nem julgamento, desperto nela a confiança necessária para se desnudar em minha frente; para fazê-la levar as mãos ao próprio rosto e espontaneamente baixar sua máscara. Nesse instante vou conhecer essa pessoa como de fato é, e ela a mim. E nos reconheceremos como essencialmente somos: humanos. Somos humanos... Nesse instante se abre um momento mágico para mim. Um momento terapêutico. Balsâmico. Um espaço profundamente enriquecedor às partes que as levarão a sair dali com algo genuíno para sempre de cada um. Para mim é impossível viver uma vida sem ter em algum momento com alguém um encontro assim. E uma vida quanto mais rica mais composta por encontros dessa natureza, dessa magnitude; onde e quando podemos nos dizer que estamos inteiros. Íntegros no contato com o outro. Mas isso demanda confiança, uma aliança que só vem com o tempo e em raras ocasiões surgirá do inesperado.

       Nós temos aqui em casa uma cadelinha que já tem seus doze anos, a Dudu. Dudu veio até nós filhotinha. Pequena. Frágil. Tinha tanto medo das pessoas e em especial de mim. Era me aproximar que ela já ficava tensa. Arisca. Se me atrevesse a pega-la no colo não pararia um minuto de tremer. Era receosa e não parecia confiar em minha natureza. E assim foi por um bom tempo. Dudu ia com todo mundo na casa, estranhamente até com desconhecidos, mas era eu chegar perto: tensão. Havia uma cisma, mesmo eu nunca tendo lhe feito absolutamente nada de mal. Não forcei o encontro, respeitei sua natureza e lhe dei espaço. Deixei ao tempo. Se eu fosse comer algo sabia que ela se aproximaria para quem sabe ganhar um pedacinho; contudo logo que ganhava saia de perto. Pensava comigo "vai ser no seu tempo”. Um dia fui trabalhar e havia deixado uma jaqueta minha na cadeira do computador no meu quarto. Minha mãe começou a ouvir um barulho na casa, foi averiguar, era a Dudu cheirando minha jaqueta e fazendo sons como se choramingando sentindo minha falta. Ao saber disso fui rapidamente tentar carrega-la... Senti que ainda não havia franca abertura. Dei tempo... Um belo dia simplesmente estou no sofá assistindo TV, não estava comendo nada, de repente a Dudu pulou sobre mim, ficou alguns segundos me observando e deitou no meu colo. Num movimento inesperado – e muito significativo para mim – virou-se com a barriga para cima para ser acariciada. Brinquei com ela, abracei-a e pude sentir naquele momento que ela tinha me aceito. Talvez na verdade fosse ela que sentiu que tinha sido aceita por mim. Eu nunca quisera um cachorro na casa. Mas aprendi a gostar dela. Ou talvez foi ela que me ensinou. Aceitação. Esse é o melhor caminho. Mas como aceitar quem usa máscaras? Quem não é autêntico? Autenticidade é uma exigência para você?

       Todos nós vestimos um personagem para alguém ou à uma determinada circunstância em algum momento da nossa vida. Por "n” razões. Questões profissionais; questões éticas; questões religiosas ou pessoais; até por questão de sobrevivência. E muitos de nós usam máscaras o tempo todo com todo mundo. Eu não os culpo. Aprendi a não criticar também, já que não se sabe o que uma máscara pode estar segurando ou o que um personagem está sendo capaz de sustentar na vida de alguém. Ou de uma família. Sinceramente acredito que às vezes uma pessoa precisa da fantasia que ela criou, da história que ela mesma se conta para ser capaz de viver bem dentro daquilo que ela julga ser o melhor para si. Não se pode violar esse espaço. Ainda mais com uma justificativa de "autenticidade". Autenticidade é uma decisão íntima. É de cada um. No entanto observo pessoas expondo outras com a justificativa de estarem sendo “verdadeiras”. Por "não gostarem de mentiras”; nem de “mentirosos” como amigos. A verdade é que precisamos ser mais humanos e nos desarmar um pouco. Nenhum de nós é perfeito. E graças a Deus nunca será. Se em algum momento fico diante de alguém que apresenta uma mentira, o que ganho em expôr essa pessoa? Ainda mais se for alguém que eu gosto. No que isso vai me agregar como ser humano? Muitos podem pensar que "não são obrigados a conviver com pessoas falsas; pessoas mascaradas que mentem, porque têm autenticidade!”. Ok se você é autêntico, parabéns por isso! Mas a autenticidade é uma decisão sua, que cabe dentro do seu cercado e não invade o cercado do seu vizinho. Não digo para você compactuar com mentiras, mas o grande questionamento a nos fazermos aqui é o seguinte: por que está me incomodando tanto o uso de máscara do outro? O que esse incômodo diz sobre mim?

       Por muito tempo quis me cercar só de amigos honestos e pessoas verdadeiras que não se valeriam de máscaras nem de personagens, até eu perceber que isso é uma ilusão e eu estava ficando cada vez mais sozinho. Mais cedo ou mais tarde teria que me excluir também, já que eu também uso máscaras – algumas talvez até inconscientemente. É muito fácil apontar, criticar ou fofocar sobre as máscaras do outro, mas quem encara as próprias? Será que a gente consegue se enxergar verdadeiramente? Será que a gente se reconhece usando máscaras? Acredito que 100% autêntico não existe ninguém na face da terra! E não estou caindo em contradição a respeito disso, porque autenticidade é algo que prego, busco e recomendo, já postei sobre isso aqui. Mas a autenticidade é uma prima-irmã da perfeição e assim como ela é algo que eternamente buscamos, mas nunca atingiremos completamente. E essa é uma jornada individual. Apesar de vivermos em grupo e dependermos uns dos outros, cada jornada é trilhada com nossas próprias pernas e cada um de nós sabe onde o sapato aperta! Ninguém pode julgar "porque o outro isso, porque o outro aquilo”. Isso só cabe a ele.

       Dê mais atenção, espaço e tempo para que o outro possa se mostrar a você espontaneamente. Mas você não verá nada que não possui também! Nós somos todos humanos. Nós somos irmãos feitos de uma mesma metade sagrada; de uma mesma metade barro. A única coisa que precisamos é nos reconhecer, nos identificar e nos legitimar. Olharmos uns aos outros e sentir que nos conectamos com irmandade, nos identificamos com respeito e nos aceitamos mutuamente, independente de qualquer coisa. Se o fruto nunca cai muito longe do pé, só estamos distantes uns dos outros; uns mais adiante na vida, outros logo atrás, mas somos o mesmo fruto, de um mesmo pé e terminamos no mesmo solo.


Em algum lugar, entre o certo e o errado, existe um jardim. Encontro você lá.” (Rumi)


2 comentários:

Unknown disse...

Não sei dizer se é certo ou errado e qual o risco, mas na minha visão as máscaras são utilizadas para proteção individual. Criar um personagem muitas vezes trás proteção e deixa o indivíduo mais seguro e confiante temporariamente. Temporariamente, pois o tempo é justo e trás a tona sempre a verdade. Parabéns pelo tema escolhido, estimula a reflexão pessoal e ajuda a buscar dentro de cada um o que acredita...sem certo ou errado, mas avaliando os riscos das suas próprias máscaras.

Jonas Souza disse...

Agradeço a sua visita. Obrigado por compartilhar sua visão conosco, gostei muito! Volte sempre.