sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Tempos modernos demais

 “A solidão é o preço que temos de pagar por termos nascido neste período moderno, tão cheio de liberdade, de independência e do nosso próprio egoísmo.” (Soseki Natsume)


Na minha infância chamar alguém de amigo demorava um tempo. O amigo em questão tinha de passar por testes, provas de lealdade e só com o tempo construía-se a amizade. Para considerarmos ele melhor amigo então era muito pior. Me lembro do receio que eu tinha de assumir que alguém era um grande amigo e no fundo não ser. Me incomodava essa mentira. Porque não era fácil assim. Hoje vejo pessoas que mal se conhecem e se intitulam “irmãos”. Fazem juras e trocam declarações. Não sei se acredito que isso seja amizade mesmo, porque as minhas referências foram outras.
Namoros eram bem mais demorados – demorava para começar porque tinha toda uma conquista a ser feita até pegar amizade, demoravam até virarem casamentos (quando viravam!), porque as famílias precisavam se conhecer a fundo, havia protocolos sociais a serem preenchidos, que ainda seriam avaliados. Os pais sempre tinham um olhar desconfiado de proteção. Sem falar que era comum um protocolo a mais. O noivado. Hoje quase não ouço mais essa palavra. Mesmo a palavra namoro quase não ouço. Substituídas por “pegar”, “ficar”, “curtir”. Isso nas relações sem compromisso. Em lances mais sérios: amigar. Nada contra casais amasiados. Um papel é só um papel, o que manda são os sentimentos. Mas eu falo de tempo. De preparo e amadurecimento até que as coisas possam acontecer naturalmente, e com firmeza!

Lembro que nas empresas a grande maioria dos empregados por exemplo eram antigos de casa. Não existia esse negócio de rotatividade de pessoal. Meus familiares e vizinhos diziam de boca cheia uns aos outros sobre aposentaria com carteira profissional de pouquíssimos registros. Muitas vezes um único emprego na vida! Hoje pego carteiras na mão e são continuação de uma primeira, e já não tem mais espaço para registrar – de pessoas mais jovens que eu! Não sou moralista. Nem nostálgico. Não parei no tempo. Nem quero retornar. Sou a favor de outros olhares, gosto de costumes diferentes e é preciso mesmo abrir-se a esses novos tempos. Mas me surpreende muito a velocidade que as coisas estão acontecendo. Por exemplo. Recentemente, conversando com um garoto de uns 19 anos sobre casamento e família, fiquei perplexo ao ouví-lo dizer seriamente que ele e sua namorada – que é menor – estão fazendo planos para o primeiro filho; eles se conhecem não tem um ano, não terminaram os estudos ainda, e moram com os pais. Se isso está normal, se é assim que as coisas devem acontecer, se sou eu o retrógrado, volto a repetir que as minhas referências foram outras.
Quando olho para trás e me lembro dos meus pais, dos meus vizinhos, da forma como a sociedade funcionava na época (e nem faz tanto tempo assim), revivo outro período literalmente. Sinto mudanças radicais. E me desculpem não é para melhor. Não nesse aspecto. Como disse Mario Sergio Cortella: Geração Miojo. Hoje tudo é instantâneo: amizades miojo, namoros miojo, trabalhos miojo, ascensão miojo...  Vidas miojo! Aí me pergunto: qual a qualidade nisso!? Qual o sabor de uma vida miojo? Ou o preço disso?

A sociedade atual, principalmente as gerações novas, está baseando-se unicamente em números, em quantidades ao invés de sustância e qualidade, e esse comportamento não tem precedente. Essa alta rotatividade de pessoas entrando e saindo de relações sem qualquer vínculo profundo e significativo, deixa um espaço vazio e uma sensação de solidão. E na tentativa de preencher esse espaço, vejo muitos jovens viciados num prazer encontrado em se arriscar em experiências novas: novos amigos, novos amores, novos desafios, novos empregos, novos estilos, novos gostos... Buscam se destacar de alguma forma na multidão e chamar a atenção para si mesmos e sempre buscando conquistar algo e se superarem. Mas não vivem as suas conquistas! Querem desafiar, alcançar status, conquistar o seu espaço, mas não para usufruí-lo! Aí o problema: ambições vazias. As tradições, as convenções, tudo o que é usual e atual é considerado sem graça. Obsoleto e desestimulante. E aí outro problema: intolerância com insatisfações. Resumindo. Uma geração ambiciosa, que tem se sentido vazia e que busca desafios como estímulos, mas que não tolera um não.

Sempre ouvimos frases como “o mundo antes era melhor”, e nós sempre julgamos estar vivendo tempos de coisas modernas demais e sem futuro. Só que agora é mesmo muito pior, o nosso inimigo é muito maior do que antes. Somos nós mesmos. Não estamos travando batalhas com outros, lá fora, estamos perdendo de nós mesmos. E muitos ainda dizem que ao pensarmos demais no futuro, ou lembrarmos demais do passado, a gente não vive o nosso presente. Numa alusão de que muito pensar implica em não viver. Mas esse tipo de filosofia que é danoso à vida. Devemos então viver sem pensar? Ou pensar muito pouco? Acredito plenamente no contrário. Quando a gente quer só viver de presente afim de curtir o momento, a gente acaba por comprometer o futuro. Uma coisa não dissocia da outra. É necessário aproveitar o presente sim, mas já projetando o futuro, pensar nos nossos atos e estar ciente que qualquer ação hoje desencadeará em algo amanhã. Estar preparado para essas consequências. E julgar se valerá a pena. O segredo está onde sempre esteve; na consciência do que estamos fazendo!


Você sabe o que você está fazendo?