Diante da dor, de momentos de angústia e de sofrimento muitos buscam por saídas que os tiram do contato com o momento vivido, sem perceber que nenhum caminho trará garantia de ausência de sofrimento, porque sofrer faz parte da vida. Tristeza faz parte da vida. Perder faz parte da vida. Viver não tem nada a ver com ganhar ou perder, com felicidade ou tristeza, o valor da vida é a própria vida, está em viver cada instante como se apresenta. Por mais que saibamos que isso é verdade, infelizmente isso foi transformado em discurso de perdedores, de fracassados, de pessoas incapazes de lutar pelos seus objetivos e metas pois não conseguiram administrar a própria vida. Mas isso não é verdade. E infelizmente é essa forma de pensar que tem nos levado rumo aos dilemas atuais, com números cada vez maiores de indivíduos sofrendo de depressão e ansiedade.
Com tanta tecnologia disponível, com tantas possibilidades de encontros, com um número crescente de opções para se aproveitar a vida, não é contraditório estarmos mais tristes e doentes? Essa conta nunca vai fechar enquanto insistirmos em qualificar e hierarquizar emoções e sentimentos humanos.
Quando aprendemos que existem “emoções positivas” e “emoções negativas” sem perceber estamos qualificando e hierarquizando tais emoções. Construindo assim uma relação binária, assimétrica e hierarquizada entre elas: felicidade>tristeza; amor>ódio; calma>raiva, logo uma melhor, outra pior. Uma boa, outra ruim. Uma de ganho, outra de perda. Uma certa, outra errada. E como dizer que alegria é sempre melhor do que tristeza? Será mesmo? Algumas vezes vivi momentos de grande felicidade que só me trouxeram muita dor de cabeça. Outras vezes foram justamente nos momentos de tristeza que aprendi muito sobre mim e as pessoas que me cercavam. Por que então dizer que o amor é sempre melhor do que o ódio? Amor demais às vezes não é bom. Noutras vezes odiar é preciso. As emoções e os sentimentos humanos estão para além das polaridades positivo e negativo. Essa relação qualificadora moral que temos com os sentimentos e as emoções não é apenas reducionista e dicotômica, é também prejudicial! Ninguém controla o surgimento de emoções, é algo involuntário sentirmos ódio, inveja, raiva ou ciúmes. Se o ser humano saudável é aquele que eventualmente perpassa por todos esses sentimentos, como admitir uma vida saudável composta apenas de alegria, felicidade, amor ou paz? Vida também é dor.
Ao defender que o positivo, o certo, o melhor é a felicidade, afirmamos também o oposto disso: o negativo, o errado, o pior é a tristeza. Essa forma binária e assimétrica de avaliar nos exige a expectativa de construção de uma vida sem espaço para sentimentos tidos como negativos, pois o “melhor” é o cultivo de sentimentos positivos apenas. Ingenuidade... Se não dominamos nossos afetos, se eles surgem à revelia dos nossos resultados, é um contrassenso associar emoções e sentimentos a conceitos morais de positividade e negatividade, como também é perigoso valorar a vida a partir disso.
Pense comigo. Se uma pessoa deseja e atinge determinado resultado para a sua vida, logo esse ganho será um resultado positivo. Contudo, se aquilo que é positivo está associado a sentimentos de felicidade, alegria e completude, o que acontece quando uma pessoa atinge tais resultados desejados, mas por algum momento se percebe triste ou infeliz? Seu cérebro buga – como diz os adeptos da linguagem computacional. A pessoa não compreende a incongruência dessa equação pois foi ensinada que todo resultado positivo em sua vida era igual a emoções positivas, uma coisa estaria associada à outra [resultado positivo = emoção positiva = felicidade/alegria/bem estar]. Mas a matemática não fecha com algo diferente disso [resultado positivo = emoção positiva = tristeza/vazio/angústia(?!)]. A pessoa é incapaz de encontrar uma explicação para si nessa circunstância.
Precisamos então desaprender que existem emoções positivas e negativas. Existem emoções. Existem sentimentos. Sem julgamento de valor. Assim como não existe uma vida melhor ou pior, existe uma vida com tudo aquilo que ela nos apresenta. E o valor da vida é a vida em si. Vivemos tempos em que há uma grande dificuldade de lidar com frustração e em vivenciar estados de humor mais sombrios e depressivos, quando medo, ansiedade e angústia são da condição humana. Você não escolhe ter ou não tê-los, você os terá! É algo dado. Deveríamos ensinar as crianças a viver bem independente dos sentimentos, desatrelando sentimento X resultado, porque a vida não se qualifica, muito menos se classifica por aquilo que sentimos ou que conquistamos, a vida está para muito além de tudo isso! E se uma criança associa sentimento a resultado, quando ela estiver triste poderá entender que a sua vida teve um resultado ruim e sabemos em que isso pode culminar. Da mesma forma o contrário disso, se alcança os resultados desejados mas por algum motivo se sente infeliz, ela não consegue encontrar uma explicação para essa incongruência. Precisamos urgentemente desaprender todo um entendimento moral acerca dos sentimentos e emoções e nos permitir sentir de forma mais livre e aberta, mesmo se em dissonância com a realidade externa.
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