domingo, 27 de setembro de 2020

ASTROLOGIA & PSICANÁLISE

Antes de você iniciar a leitura desse texto abaixo, preciso pedir duas coisas. A primeira coisa é que preciso falar que esse texto ficará enorme, certamente o maior daqui desse blog. Serão muitos conceitos, retratados através de breves episódios de diversas fases da minha vida e precisarei contar com muita habilidade para amarrá-los de forma coesa, então peço por favor paciência. A segunda coisa é uma solicitação para que você abra a sua mente para alguns conceitos que serão colocados aqui sobre astrologia e a sua ligação com alguns conteúdos da psicanálise que, a meu ver, foram uma combinação importantíssima para compreender melhor algumas experiências e situações da minha vida.

O encontro com a astrologia

Eu sempre fui inteligente e curioso. Gosto de ler sobre tudo. Astrologia é um tema que comecei a estudar ainda na infância. Geralmente quem se interessa por astrologia inicia estudando o que significa o arquétipo de cada signo, planeta e casa astrológica – comigo foi assim também. Em seguida passei a estudar sobre uma mitologia – especialmente a grega – associada a cada um dos signos e as associações com a formação da personalidade. O meu objetivo era puramente autoconhecimento e a astrologia era apenas uma das fontes que fui beber para obtê-lo, buscando sempre um olhar crítico e não tomar como verdade absoluta nenhuma informação“sou assim por causa disso”. Buscava analisar e observar cada conteúdo objetivamente. Empiricamente. Como se eu pegasse cada conteúdo novo estudado, fosse o dissecando pouco a pouco, me observando, observando o comportamento das pessoas ao meu redor e tentando encontrar uma ponte entre os livros e o que observava na prática no dia a dia. Esse material de estudo encontrava sempre na biblioteca municipal e como ia lá quase todos os dias, sempre tinha contato com novos livros. Um dia, ainda na infância, li algo que mudaria minha vida para sempre! Fiquei muito intrigado com isso, assustado e preocupado também. Mas também interessado em analisar melhor essa nova informação. O livro falava sobre astrologia com um viés analítico, comportamental, psicológico. Mas é óbvio que eu já sabia nessa época que astrologia não é considerada uma ciência, mas isso para mim pouco importava, como pouco me importa ainda hoje, sinceramente falando. Eu pensava assim comigo, “Apesar de nada disso ter um cunho científico, eu me proponho sim a analisar".

Até hoje tenho essa característica comigo: presto atenção aos conteúdos transmitidos e às referências com outros conteúdos, preferencialmente científicos é claro. Mas o meu compromisso é com a ideia e não com a fonte. A minha preocupação é com a funcionalidade pós teoria e não apenas com uma abstração do pensamento. Não tenho muito apreço pela apresentação, por si só, de títulos e credenciais. Pouco importa para mim na verdade se uma pessoa tem doutorado ou pós-doutorado, suas ideias fazem sentido? Se um mendigo me passar algo que tenha coerência, seja plausível ou eu puder aplicar na minha vida, ouço. Absorvo com o maior respeito, porque o meu compromisso é com a ideia – venha de onde venha. Vejo pessoas que falam muito difícil, com um português muito rebuscado, numa linguagem demasiadamente técnica, mas no frigir dos ovos são ideias confusas, rasas, que me pergunto se a pessoa estaria se expressando dessa forma por insegurança; por falta de didática; para apresentar erudição; ou o que seria ainda pior, para demonstrar ter uma profundidade que de fato não possui. Por isso peço a você para abrir a mente para ler essa postagem. Se fizer sentido para você, ótimo. Se não fizer, está tudo bem também. Mas acredito ser importante termos contato também com aquilo que não concordamos. Bem, vamos então a uma breve análise de alguns detalhes do meu mapa astrológico natal.

  • Tenho ascendente em câncer, Lua em capricórnio na casa 7, Plutão em escorpião no fundo do céu (casa 4) e Marte na 8. Resumidamente, segundo a astrologia:

  • O ascendente é a persona; sendo câncer, traz ao indivíduo emotividade, espírito materno, capacidade de acolhimento;

  • O regente de câncer é a Lua que está na casa 7, casa das relações e dos contratos próximos, como o casamento por exemplo;

  • A lua fala sobre o universo emocional e das reações instintivas, assim como revela possíveis aspectos ligados à mãe (dinâmica também vista na casa 4 que está ligada à infância). Estando a lua em capricórnio ela está em detrimento, ou seja, num posicionamento desfavorável, o que traria ao sujeito características de calculismo, austeridade, sobriedade e frieza ou falta de emotividade, e se busca segurança emocional na casa onde estiver localizada essa lua;

  • Plutão, escorpião e casa 8, arquetipicamente falando têm a mesma roupagem, falam a mesma língua. A casa onde Plutão e escorpião estiverem veremos medos, vulnerabilidades, traumas, sombras, inconsciente, controle, sexualidade, transmutação, regeneração, renascimento. Se esses conteúdos são integrados (segundo a psicologia analítica de Jung) ou trazidos para a consciência (segundo a psicanálise de Freud) alcançamos maior empoderamento em nossas vidas. Em suma, estes são arquétipos que falam de poder pessoal;

  • Marte tem a ver com a nossa pulsão, com a nossa libido, a casa  onde estiver revelará onde investimos a nossa força, onde somos aguerridos e consequentemente onde podemos nos recarregar também. Estando na casa 8, o indivíduo mergulha com coragem no seu lado mais sombrio e obtém a partir desse mergulho recarregamento. Um posicionamento que pode ser simbolizado com a ave Fênix.

Então, quando eu era criança, tive contato com esses estudos acima e para esses posicionamentos e configurações, segundo a astrologia, haveria uma tendência para embotamento emocional advindo de uma falta de presença materna ou de uma presença materna gélida, que geraria uma possível insegurança futura no indivíduo e um complexo de Édipo mal resolvido [essa parte eu gravei porque foi a que mais me incomodou toda vida]. O menino buscaria essa resolução mais tarde no casamento e a menina buscaria resolver através de um filho. E apesar da criança buscar construir uma persona que seja capaz de externar suas emoções, o ambiente familiar seria tão frio e árido que elas teriam de ser silenciadas, não pela figura paterna, mas pela figura materna. Haveria nessa dinâmica familiar fortes conflitos de poder, fonte de traumas significativos que reverberariam mais tarde por toda fase adulta.

Nesse momento em que li isso, minha cabeça deu um “BOOM!". Como nas cenas daqueles filmes quando mostram o momento da explosão de uma bomba, parecia assim na minha mente, me lembro que esse conhecimento balançou as estruturas na época. Ainda mais quando fui entender esse conceito edipiano na psicanálise freudiana. Aqui foi o meu primeiro contato então com a psicanálise – partindo de livros de astrologia! E eu já conhecia o mito sobre Édipo, porque como disse anteriormente mitologia é um tema que sempre gostei, eu só não tinha conhecimento sobre a analogia desse mito para explicar a triangulação pai – mãe – filho. E quando tive acesso a essa teoria minha cabeça deu outro “BOOM!”. Eu falava para mim mesmo: “Jonas, segura as estruturas aí... Vamos ter que lidar com isso."

Onde está a mãe?”

É comum os leitores dos meus textos aqui no blog perguntarem: “Onde está a mãe?”. Como se houvesse uma fixação na figura paterna e a figura materna nos meus textos estivesse nas entrelinhas, mencionada breve e superficialmente em algumas passagens; enquanto ao meu pai eu dedicaria mais tempo, textos e também reflexões, a minha mãe apareceria como figura secundária, coadjuvante. Quero desmistificar isso porque considero os dois – tanto o meu pai quanto a minha mãe – como figuras essenciais na minha formação. Apenas de formas diferentes – muito diferentes! Meu pai me ensinou a amar, enquanto a minha mãe me ensinou a ser resiliente! A minha relação com o meu pai foi turbulenta, agressiva e caótica, mas também teve muito amor envolvido. Ele era um homem passional que não media entregar sentimentos, se ele amava, amava pra valer, mas também brigava com a mesma paixão. Já a minha mãe é o oposto do meu pai, ela é contida, fechada, séria, diria até fria. Ouvi seu primeiro “Eu te amo” eu tinha vinte e cinco anos de idade, eu acho. Posso contar nos dedos quantas vezes ela me abraçou na vida. Já meu pai vivia me abraçando, ele até mordia a minha cabeça. E quando lhe perguntava “Por que você faz isso?!”, ele apenas me respondia “Porque eu te amo demais!” e começava a rir. E o pior é que eu sentia que ele nos amava perdidamente mesmo. Meu irmão e eu.

Então ambos me amaram. Só que cada um tinha um jeito de demonstrar o seu amor. Minha mãe é mais seca, até fria, porque a sua forma de demonstrar é através do prover material visando o sustento. Meu pai já era crítico, controlador, até ciumento, porque sua forma de demonstrar afeto era se entregando intensamente na relação. Eu sou de uma família muito pobre. Minha origem é bem humilde. Filho de mãe cozinheira e pai pedreiro, cresci num ambiente sem muitos recursos e passamos por dificuldades. Comida à mesa nunca faltou. Houve períodos de fartura e períodos bem apertados. Meus pais tinham uma lanchonete quando eu era criança. Ela era bem frequentada na cidade onde morávamos. Todo dia quando saia do pré-primário ia para lá. Cresci vendo os clientes, os shows, brincava entre os engradados de bebidas, aprendi ali a jogar fliperama, estava sempre assistindo todos trabalhando. Gostava daquele ambiente, ele era bem animado. Com o tempo, por divergências na sociedade, os meus pais decidiram vender a sua parte e nos mudamos dessa cidade. Aí talvez começou o período mais difícil da minha infância, quando nos mudamos dessa cidade – e por vários motivos.

Eu já não costumava ver a minha mãe quase nunca, já que antes de nos mudarmos ela ia à lanchonete de manhã, eu ainda não tinha acordado, meu pai quem me levava ao pré-primário. À tarde quando saia da aula eu ia para a lanchonete. Lá minha mãe estava sempre trabalhando, então a via pouco. Ela e meu pai chegavam da lanchonete sempre de madrugada e eu já estava dormindo. E foi assim por anos a fio. Quando nos mudamos nessa nova cidade, como minha mãe já tinha experiência de lanchonete, ela arrumou um emprego de cozinheira num restaurante no centro da cidade – onde sempre fazia jornada dupla. Ela entrava às 07h e saia às 16h, retornava às 18h e saia às 02h. E fazia essa vida de segunda à segunda. Salvo de segundas na parte da noite e durante o dia aos domingos, porque a pizzaria e o restaurante não funcionavam nesses períodos. Só que nesses momentos de folga em casa ela ainda lavava roupa para fora! Assim, Natal, Ano Novo, aniversários, sempre ela estava trabalhando.

Um dia não sei o que deu em mim resolvi indagá-la sobre isso. Eu nunca tive medo da minha mãe, mas tinha um certo receio de lhe cobrar qualquer coisa, eu não sentia abertura nela e ela estava sempre ocupada. Um dia, quando estava com dez anos talvez, cheguei até ela enquanto se preparava para sair para trabalhar e perguntei:

- Mãe... Nós somos tão pobres assim que você precisa trabalhar tanto?

Ela me olhou como quando olhamos para alguém que vamos ter uma conversa honesta de adulto para adulto. Então me questionou:

- Está faltando alguma coisa para você, Jonas?

- Não... Nada... É que eu só nunca vejo você em casa... - respondi já meio sem jeito.

Então me lembro que ela se agachou na altura dos meus olhos, colocou uma das mãos no meu ombro e disse algo que me marcou profundamente:

- Jonas, seu pai é pedreiro, ele não é registrado, então nem sempre tem trabalho. Às vezes acontece de chover muito então não dá para ele ir trabalhar ou às vezes ele faz todo um serviço e ainda leva calote e não lhe pagam. Eu preciso trabalhar. Você precisa de um par de tênis novo. Você e seu irmão estão crescendo e perdem roupa rápido. Aqui em casa não pode faltar nada. Preciso que entenda – então ela se levantou e foi trabalhar.

Se você me perguntasse o que eu estava sentindo nesse momento responderia “vergonha”. Vergonha de mim mesmo. Eu acho que ela foi tão sincera, e como ela nunca expôs o meu pai para nós, pude compreender a situação nua e crua. Sem enfeites. E essa foi a primeira – e talvez a única – vez que a minha mãe expôs o meu pai de alguma forma, porque ela nunca o criticou de nenhuma maneira para nós, nem para ninguém. Os dois eram bastante cúmplices e eles se compreendiam só pelo olhar. Nesse dia senti que precisaria engolir meus sentimentos, minhas emoções, literalmente comi minhas frustrações e me dei a seguinte ordem “Cresça, Jonas! Aprenda a se resolver sozinho”.

Aos onze de idade cai de joelhos numa aula de Educação Física e na hora não doeu, mas chegando em casa começou a latejar. Fui ao orelhão mais próximo e liguei no serviço da minha mãe, ela me disse que estava muito ocupada, não poderia me auxiliar naquele momento e me pediu para chamar uma ambulância. Só me lembrei da ordem que dei a mim mesmo, “Cresça, Jonas!”. Subi a pé ao hospital, passei com o ortopedista e tirei raio-x na mesma tarde e antes de ir para casa passei na farmácia com a receita e comprei os medicamentos. Quando minha mãe chegou nesse dia apenas lhe disse “Já resolvi”. Nessa idade já ficava sozinho. Tinha aprendido a cozinhar. Preparava minha própria comida. E nem tínhamos micro-ondas. Com quinze anos comecei a trabalhar, já pagava minhas próprias contas, não aceitava mais dinheiro deles, muito pelo contrário, passei a ajudar dentro de casa nas despesas.

O complexo de Édipo

O problema é que meu pai e eu brigávamos feito com cão e gato. Eu costumava dizer que em minha casa tinha um só trono mas dois reis. E apesar de eu não fazer questão alguma de sentar nesse trono e mandar nos demais (eu só queria mandar em mim!), eu não o deixava sentar lá. O problema de aceitá-lo nessa posição implicaria diretamente em me colocar como seu súdito e ele era tão tirano que eu não tinha estômago para isso. Eu aceitaria numa boa dividir o poder ou alterna-lo com ele, ou até mesmo me submeter plenamente a sua autoridade, desde que ele não fosse autoritário. Eu não suporto pessoa arrogante e autoritária. Existe uma grande diferença entre quem tem autoridade e quem é autoritário. É a clássica diferença nas empresas entre o chefe e o líder. Esse conflito de poder começou desde cedo em casa: quem é que manda? E minha mãe parecia secretamente estar sempre do lado do meu pai...

Minha mãe diz que eu nasci de oito meses e num momento em que ela não esperava. Certa vez ela me disse que isso foi suficiente para ela compreender que eu tinha o meu próprio tempo. Odiava abraços. Odiava que me carregassem. Queria andar a qualquer custo. Quando íamos fazer compras no mercado ela tentava me carregar e eu abria a boca chorar, porque queria ir andando. Mas o mercado era longe. Meu pai então me pegava à força, me jogava nas suas costas de cavalinho e íamos o caminho todo se engalfinhando. Tudo, tudo, tudo o que eu ia fazer tinha fazer do meu jeito. E se alguém tentasse me ajudar eu abria a boca chorar e ficava muito bravo. Eles falavam que eu parecia uma pimenta. Só que minha mãe me deixava... Ela até tentava me ajudar, mas com eu sempre fui teimoso e orgulhoso recusava, então ela se cansava em algum momento e dizia: "se vira então". E era “se vira” mesmo, porque nesse momento eu poderia atear fogo na casa comigo dentro que ela não moveria um músculo para me socorrer. Meu pai jamais me deixava sossegado. Ele era daqueles que entrava na sala de aula com bolo e tudo e mandava meus colegas cantar parabéns! Isso aconteceu na primeira série e eu queria morrer! Eu não gosto de festa de aniversário. Então a vida dele era invadir a minha. Ele não só queria saber o que eu estava fazendo, como queria ver, participar, dar pitaco e ainda ficar me corrigindo! Eu aguentava até o ponto quando ele começava a me criticar. É como uma visita que vai a sua casa sem ser convidada e não satisfeita em criticar a cor das paredes começasse a mover até a mobilia de lugar! Obviamente que você chutaria da sua casa essa pessoa sem noção. Era mais ou menos isso o que eu fazia com o meu pai quando ele vinha com sua liçãozinha de moral.

Ele resolvia me dar lição de moral quando estava alcoolizado. Meu pai sóbrio era o melhor pai do mundo. Lembro quando comecei a trabalhar chegava de madrugada por volta das 02h da manhã e ele estava sentado no sofá me esperando para conversarmos. E as conversas eram sempre muito legais. Só que bêbado ele era uma pessoa completamente diferente. Ele ficava ácido, chato, crítico e sarcástico. Falava que casa silenciosa parecia um velório, então por qualquer questão ínfima ele começava a discutir. E eu era obrigado a ficar na mesa sentado ouvindo ele falar, por horas a fio! Me lembro que eu tinha o costume de ficar sentado riscando o seu isqueiro –  porque ele era fumante. Então ele dizia assim: "Você está nervoso, Jonas?”. E eu, “Não". E ele continuava, “Eu acho que você está nervoso sim, você fica riscando esse isqueiro aí e não para de bater os pés embaixo da mesa...". Olha, aquilo sim era tortura psicológica. Para mim o seu propósito era claro, ele queria me desestabilizar, como se ele tivesse brincando com fogo. Parece que ele tinha prazer em me tirar do sério. Água mole em pedra dura... Em algum momento eu perdia a cabeça e partia para briga. Eu ficava cego de raiva. Quando me dava por mim estávamos aos socos já.

Então quando isso acontecia ele me colocava para fora de casa e dizia “Essa noite você não entra, vai dormir aí fora para aprender a me respeitar.” Então eu tinha que dormir no quintal toda vez. Às vezes estava chovendo. Ou estava frio. Eu não podia entrar. Quando amanhecia o dia, eu queria ir à escola, mas não tinha como eu ir daquele jeito, sempre fui muito vaidoso, queria tomar um banho, trocar de roupa, às vezes estava machucado da briga ou sujo por dormir do lado de fora. Mas no dia seguinte ele estava plantado na porta como um guarda e falava que só me deixaria entrar se eu lhe pedisse perdão. Eu juro que preferiria ser esmurrado a ter que fazer isso, mas eu não tinha escolha, eu queria muito ir à escola, encontrar com os meus amigos, então eu pedia perdão e entrava. Quando entrava no banheiro, precisava tomar um banho frio e parecia que a água estava caindo sobre uma chapa de ferro quente de tanta raiva que eu estava. Logo, é fácil imaginar quem seria a figura de autoridade mais próxima que eu descarregaria toda essa energia. Os meus professores. Eu quase fui expulso da escola! Cheguei a ser considerado o pior aluno da escola onde estudava. Alguns professores tinham medo de dar aula para mim. Me lembro quando estava na oitava série, uma professora parou de dar aula na escola onde eu estudava e disse que só retornaria anos mais tarde depois que eu já tivesse concluído o ensino médio. Nessa fase aconteceu de tudo... Até em delegacia eu fui parar. Mas isso já é para uma outra história...

A morte de Laio

Durante todo esse tempo então, da infância à adolescência, vira e mexe eu refletia aquela interpretação astrológica. Como pode observar muitos pontos daquela interpretação de fato bateram. Ficava me perguntando se a vida imitava a arte ou a arte imitaria a vida. Procurei sempre refletir minha relação com os meus pais e compreender essa triangulação da psicanálise e a forma de cada um me amar. Minha mãe obviamente estava casada com o seu trabalho. Ela foi uma mãe mais funcional, aquela que nunca deixou faltar nada, mas não existia um afeto “tradicional” de mãe de sua parte. E isso eu busquei me analisar também. Já que a forma de amar da minha mãe era diferente da que eu esperava, eu teria que encontrar outros pontos de nutrição materna. Procurei jamais me pôr num papel de vítima; procurei não julgar a minha mãe; procurei aprender a interpretar a sua forma de demonstrar o amor. A minha mãe não é de falar abertamente, nem de abraçar, ela demonstra de formas indiretas. De um jeito muito particular. Que aprendi a perceber. A valorizar. A função materna está intimamente ligada a uma sensação de segurança, então analisei essas questões com muito carinho, aflorei em mim o meu lado maternal para acolher as minhas próprias demandas, pois para enfrentar a vida precisamos nos sentir seguros. Além do que eu sempre pude contar também com o meu pai para executa-la em alguns momentos, já que ele era mais maternal e bastante carinhoso. É muito importante a função materna nesse sentido. Um indivíduo “sem mãe” perde a segurança. É a função materna que aterra, que dá a sensação de estabilidade e a firmeza para avançarmos seguros na vida sem tantos medos.

E tem um outro porém também importantíssimo nessa reflexão materna que sempre me atentei. Mãe é mãe. Esposa é esposa. Sempre me atentei para procurar uma mulher para me casar e não uma mãe para cuidar de mim. Sempre quando começo a namorar procuro refletir qual o meu real interesse nessa relação amorosa, para estar certo de que estou buscando uma mulher e não uma mãe. Assim como fico muito atento se uma mulher está tentando cuidar de mim (me vendo como filho) ou ser cuidada por mim (me vendo como pai). Ambas as situações revelam claramente dinâmicas edipianas mal resolvidas e tenderão mais cedo ou mais tarde a apresentarem alguns problemas. Por isso fico muito atento quando ouço aquele famoso discurso que diz que os casais devem um cuidar do outro. Para mim acende um alerta onde me pergunto o seguinte: como seria esse cuidar? Eu sou um homem já formado que não precisa que ninguém cuide. Assim como não tenho pretensão alguma de cuidar de outra pessoa. A gente cuida de criança. Penso que um relacionamento afetivo, amoroso, sexual é composto por adultos capazes de fazer suas próprias escolhas conscientemente e já se resolvem sozinhos, que decidem por prazer compartilharem alguns momentos da vida. E não há fusão aqui. Cada um continua com os seus próprios sonhos, com os seus projetos pessoais, que até podem caminhar paralelamente e juntos eles somarem forças para se ajudarem, mas são duas vidas distintas. Para mim é preciso bastante atenção com esse cuidar (salvo raras exceções), porque isso pode se traduzir em relações tóxicas, de co-dependência, onde evidentemente existem traços edipianos mal elaborados aí. Atenção.

Quanto ao meu pai, ele só espelhou os seus sonhos mim. A verdade é essa. Meu pai era apaixonado por música clássica. Pintura. Escultura. Filosofia. Sapateado! Ele adorava ter amizade com pessoas cultas. Descobri tudo isso vasculhando um dia sem querer um enorme baú que ele tinha e nunca nos deixava mexer. Lá tinha livros de literatura portuguesa e inglesa, de romances policiais. Discos de vinil. Então quando fui indagar minha avó paterna sobre aquele conteúdo (pensava comigo: quem ali naquela casa podia ter gostos tão refinados assim?), ela me revelou que tudo aquilo era do meu pai e que ele chegou a estudar inglês e francês! Aí a minha ficha caiu! Mas foi na hora! Para mim ficou muito claro, ao ver aquelas obras e refletir sobre os gostos requintados do meu pai, que ele sendo um homem pobre, trabalhando como pedreiro, cheio de sonhos e ambições, almejasse tanto estudar e se tornar um homem erudito. Meu pai achava lindo ouvir filósofos e grandes pensadores darem entrevistas. Tudo o que ele mais queria era ser um homem culto. Mas infelizmente ele não conseguiu tudo o que um dia sonhou. Embora para mim ele sempre será o meu super-homem. O único problema na vida do meu pai foi o álcool, o álcool que dificultou a nossa relação entre pai e filho. Mas quando sóbrio ele era um homem extraordinário e o foi na minha vida. Devo a ele tudo o que aprendi. E hoje compreendo que quando ele teve um filho que demonstrava tanto gosto pelo conhecimento quanto ele, inconscientemente ele projetou isso. Quando finalmente elaborei tudo isso estava com exatos dezoito anos. E logo ele morreu. Eu já estava mais em paz, eu o amava, sabia que ele me amava, sabia que tudo o que ele queria era que eu fosse feliz. E o corte da castração já havia sido feito também.

A conclusão desse jogo perigoso

Eu sei que essa minha história pode gerar inúmeras reflexões. Inúmeras interpretações. Então deixarei aberto para que cada um leia e preencha as lacunas à vontade. Só que para alimentar ainda mais a sua reflexão e a sua interpretação gostaria de trazer mais alguns pontos para você pensar.

  1. Será que somos de fato folhas em branco ao nascer e tudo o que nos tornamos está a cabo dos nossos cuidadores? Nada mesmo vem de fábrica? Pergunto porque segundo os meus pais, desde de muito novo, eu já demonstrei impulso por autonomia, independência e um gênio muito forte. Sempre quis resolver tudo sozinho, do meu jeito, como se eu nunca os deixasse agir como pais.

  2. Por outro lado, será que a presença de uma mãe gélida e distante ou pela interpretação de uma criança de não poder atrapalhar a sua mãe ocupada, faria essa criança amadurecer bruscamente?

  3. Será que tive uma criação difícil porque interpretei assim ou será que interpretei assim porque tive uma criação difícil?

  4. Será que meus pais foram exatamente assim e tudo aconteceu como estou relatando nessa história? Minha mãe você não conhece. Meu pai já morreu. Você só tem a minha versão dos fatos. E hoje sabemos, através de estudos sobre a memória, que quando lembramos de algo e descrevemos uma lembrança, em torno de 50% são pontos possivelmente aumentados ou inventados. Eu posso jurar que tudo aconteceu nesse relato, não estou mentindo. Não objetivamente. Não conscientemente. Mas trabalhamos com o inconsciente também. Então é possível – inconscientemente falando eu ter escolhido a história que melhor me favorece?

Aqui entramos no ponto que eu queria chegar. A quem importa se isso é verdade ou mentira? Psicanálise não trabalha com A verdade – assim com letra maiúscula. Tampouco com ideias de certo ou errado. Por isso é controverso falar em cura na psicanálise. Se a psicanálise não sabe os limites – nem faz questão de saber – do que é normal e do que é doença, como podemos falar em cura? Talvez em curas – no plural. Assim como podemos falar em psicanálises – no plural. Assim como podemos falar em normalidades – no plural.

Se eu estivesse relatando esses fatos da minha vida num divã, você acha mesmo que o analista estaria preocupado se essa história é com h ou e?

Isso pouco importa. Como pouco importa se a astrologia é ciência ou pseudociência. Se estou diante de uma pessoa que me diz que ela age como age porque é libriana, eu não paro para pensar se  acredito ou não em signos, se é ciência ou não astrologia, o fato é que a pessoa acredita nisso. É mais interessante trazer isso para a conversa para entender o que, para ela, é ser “libriana”. É material analítico. Tudo o que é dito e não dito é material analítico. Seja verdade, seja mentira. E o bom analista é aquele que busca – e que consegue – de fato ser uma tela em branco. Ele se despe de si mesmo e apenas espelha.

Aqui vai o meu sincero e humilde conselho a você. Qual é a melhor interpretação para essa minha história? A que eu relatei. É a que eu acredito que aconteceu. É essa que ME FAZ DORMIR À NOITE. Esse é o objetivo da psicanálise. Fazer o indivíduo se sentir bem habitando o próprio corpo. Sem tantas somatizações. Lidando bem com as suas neuroses. Os demônios não vão deixar de te assombrar, mas você pode aprender a lidar com eles. Fazer amizade. Negociar. Chega um determinado momento em que você precisa ressignificar. Ressignificar é dar um novo significado. Qual é o melhor significado? É aquele que te faça deitar a cabeça no travesseiro à noite e dormir em paz, como uma criança. É isso.

segunda-feira, 7 de setembro de 2020

NÃO ENTRE SEM SER CONVIDADO

     Reza a lenda que um vampiro jamais pode adentrar um recinto sem antes receber do morador um convite. Mesmo dono de muita astúcia e de uma força física sobrenatural, mesmo com um charme que seduz suas vítimas, ainda assim necessita de um passe livre para entrar. Quando criança era fascinado por livros e filmes sobre vampiros e chamava minha atenção o momento nos contos quando um vampiro, imóvel frente a uma porta ou janela, aguardava ansiosamente por uma solicitação para sua entrada. Pensava comigo, “Que bobeira isso! Ele pode muito bem forçar a passagem, por que precisa ser convidado?”.

     Comparo essa passagem a um hábito que eu tinha de invadir a mente das pessoas. Hábito esse que confesso que me divertia muito. Via qualquer oportunidade de conversar com alguém como um momento destinado à reflexão. Qualquer um que cruzasse meu caminho e começasse um papo seria involuntariamente posto a pensar sobre suas falas e eu fazia isso movido muitas vezes por um prazer sádico, ainda mais quando a pessoa se julgava muito convicta de suas ideias e isso era posto à prova. É claro que o espaço destinado à reflexão onde uma conversa vai a um estágio menos superficial, filosófico até, é interessante, jamais advogaria contra isso. Contudo: 1 – existem momentos específicos para algumas conversas; 2 – não são todas as pessoas que estão abertas – sequer preparadas – para refletir sobre certas questões; 3 – um diálogo mais reflexivo precisa estar pautado por um interesse genuíno pelo compartilhamento, pela iluminação e na organização de ideias de uma pessoa e não para confrontação de suas convicções. Achava engraçado entrar no psicológico de alguém com perguntas reflexivas, identitárias, existenciais, para assim inevitavelmente fazê-lo questionar suas próprias crenças. Tinha comigo que ninguém deveria viver uma vida sem se questionar o porquê das coisas e me divertia em extrair isso das pessoas. Achava que se não fizesse bem a elas, mal também não faria porque estava apenas ajudando a sair de uma total alienação. E de boas intenções o inferno está cheio, não é?

     Pouco tempo convivendo com alguém captava uma série de sinais (olhares, falas, entonações, repetições, silêncios, pausas, trejeitos, posturas, expressões, a escolha e o encadeamento dos temas das conversas etc.), ia catalogando mentalmente tudo isso, montando uma espécie de mosaico, um quebra cabeça sobre a pessoa, até chegar um determinado momento em que faltavam ali algumas peças para fecha-lo e era nesse ponto que entrava. Dono de uma curiosidade visceral, tinha comigo que as pessoas estariam “jogando” comigo, quando me apresentavam uma realidade cuja qual já intuía faltar fragmentos de verdade. Quando, por exemplo, um amigo dizia estar muito certo sobre uma escolha profissional, ou sobre o quanto estava feliz num emprego, ou o quanto jurava ter achado o grande amor de sua vida, já me munia de um arsenal de perguntas que o levaria a repensar tudo isso na expectativa de “validar” essa segurança dita possuir. O jogo começava. Um jogo mental. E se após pensar e refletir tudo o que me dizia, essa pessoa permanecesse intacta em suas convicções, ela teria ganho o jogo e com isso reforçaria sua própria motivação. Porém, caso titubeasse e se perdesse nas respostas se revelaria um desconhecimento total de seu real propósito, mostrando assim o seu estado de inconsciência. Nesse caso eu teria lhe feito ainda um favor ao trazer isso à tona. Mas será mesmo? O mais curioso, diria até perverso, era que nesse momento tinha em mim um gozo ao assistir o desmanchar em minha frente das certezas e seguranças de uma pessoa. Parecia o próprio diabo plantando dúvidas na mente e no coração dos fiéis...

     Em que momento tudo mudou? Quando entendi que jogava sozinho.

     Esse tipo de jogo nunca é a dois. Nunca é sobre o outro também. É sempre sobre nós mesmos. E aqui entra o entendimento psicanalítico desse meu comportamento, já que um dia eu fui obrigado, por circunstâncias impostas pela própria vida (porque a vida também ensina), a virar o espelho para mim mesmo e me encarar de frente. Então o feitiço se voltou contra o feiticeiro. Vi que o inconsciente da história todo tempo era eu. Me achava maduro, astuto, mas vi em mim insegurança, indecisão e medo, senti a amargura que eu tinha. Só quem carrega uma amargura no coração pode se regozijar com a infelicidade alheia. Eu vestia uma carapaça dura apenas para encobrir um núcleo frágil, para esconder uma criança interior insegura. Por não conseguir conviver com essa dura realidade acabei recalcando minhas próprias inseguranças e indecisões e projetando nas pessoas ao meu redor, para assim, ao inquiri-las e assistir desmontar suas convicções, quem sabe me sentir melhor. Talvez menos só. Menos mau. Menos falso. Só queria não ser o único...

     Receber de volta o olhar do meu próprio abismo me fez encarar alguns demônios. Descobri que só haveria um caminho de volta e essa escalada passaria por um longo processo de aceitação. De autoaceitação. E eu não sabia nem por onde começar... Aceitar que não era perfeito e jamais seria – então por que cobrar isso das pessoas? Aceitar que eu não era tão seguro, tão decidido, tão forte, que eu não tinha todas as respostas e rotas para a minha própria vida – então como vasculhar isso nos outros? A verdade é que eu seguia a minha vida do jeito que dava, com as ferramentas que tinha no momento e isso sempre foi suficiente – então por que cobrar tanto preparo dos outros? Precisei aceitar que no fundo estava com medo, com raiva e tinha tantas dúvidas quando meu pai morreu. Me sentia só. Me sentia perdido. Sem rumo. Mas não queria dar o braço a torcer. Não queria recuar, mesmo já dando muita cabeçada (eu nunca soube aceitar quando é hora de parar). E descobri que hastear a bandeira branca também faz parte. Isso não é covardia. Não é abandono. Detesto essa sensação...

     Fui me perdoando. Me validando. Acolhendo minha impotência, minha vulnerabilidade e admitindo certas carências (e eu odeio admitir isso!). Descobri que o autoconhecimento nunca terá fim, que esse processo é como descascar uma cebola: há camadas e mais camadas, e quando acreditamos que chegamos a um estágio final de autoconsciência percebemos o quanto estamos inconscientes ainda em vários outros aspectos. E está tudo bem. O importante é continuar o processo. Hoje me sinto melhor. Não alcancei uma categoria de “finalizado”. Mas de “Integrando”... Em algum momento tive que abraçar a criança interior insegura que vivia aqui. Toca-la. Tangenciar suas dores. Me assenhorar do que é meu. Compreendi que posso ganhar um presente da vida, por exemplo, mas se vou gostar ou não, se vou jogar fora ou guarda-lo, primeiro preciso segura-lo em minhas mãos. Então só tem como trabalhar aquilo que tocamos. Precisamos nos apossar do que é nosso. E cada um tem o seu próprio tempo, não se deve apressar os processos, nem os nossos, nem os dos outros.

     Aqui entra uma conversa que tive certa vez com uma psicanalista e na época em questão não tive maturidade psíquica suficiente para compreender a magnitude dessa conversa, mas hoje me parece mais clara. Estava fazendo MBA e um dia na sala de aula comecei a conversar sobre psicanálise com uma psicóloga que era também psicanalista. Não sei se ela notou, mas no decorrer da nossa conversa fui ficando bastante incomodado, até irritado, com algumas de suas falas e respostas, conforme se percebe abaixo.

     - Não entendo muito bem a psicanálise – comecei a conversa. 
     - Por quê? – perguntou ela com curiosidade. 
     - A psicanálise me parece muito passiva – respondi. 
      Com uma expressão plácida, ela me pediu que falasse mais sobre isso. 
    - Você é psicanalista, se você perceber que a pessoa está muito calada ou não está falando o bastante, o que você faz? – perguntei a ela. 
     - Nada – respondeu decididamente. 
     - Mas você não acha que deveria fazer a pessoa falar? – indaguei. 
     - Não. 
     E antes que eu pudesse abrir a boca, ela me perguntou: 
     - Quem procurou a análise? 
     - Mas a pessoa está precisando de ajuda – disse já incomodado. 
     - Será mesmo? – perguntou ela me fitando nos olhos. 
     - Óbvio que está! E às vezes é preciso cutucar a pessoa para ela soltar aquilo que você precisa saber – respondi já num tom mais elevado. 
     - Eu não preciso saber nada, quem precisa é ela – disse ela com um leve sorriso. 
     Já estava bastante desconfortável com suas respostas e imaginava se eu fosse um de seus pacientes. Então fiz uma última pergunta a ela: 
     - Mas se a pessoa não se pronunciar ou ficar “monossílaba”, como ficará essa situação?! 
    - Talvez ainda não seja o momento certo para ela. Quando esse momento chegar, e ela de fato quiser, ela voltará mais aberta a isso.

     Nesse dia fiquei muito inconformado! Eu não conseguia imaginar essa psicanalista de fato auxiliando outra pessoa com essa sua postura. Fiquei imaginando-a num consultório fazendo isso. E na minha cabeça ela estaria jogando toda a responsabilidade do processo à pessoa. E a pessoa nem sabia o que fazer... Ela teria que intervir, interferir naquela situação e de fato ajudar a pessoa!

     Os anos foram passando, muita coisa aconteceu na minha vida e hoje compreendo o quanto estava errado, não só nessa conversa, mas na minha postura ao tentar salvar as pessoas. Hoje percebo, nessa conversa com a psicanalista também, que ela não estava jogando a responsabilidade à pessoa, a responsabilidade é e sempre será da própria pessoa! Não tem como ajudar quem não pediu a nossa ajuda. Assim como é impossível fazer aquilo que somente cabe à pessoa. Só que isso exige – de quem ajuda – humildade! A confusão que ocorre na grande maioria das vezes nos nossos relacionamentos é que nos colocamos numa posição egoica de “salvadores do outro”. Nos dando um poder ilusório. Ficando numa posição protegida de quem detém o caminho e o conhecimento da jornada. Revela muito mais uma necessidade – de quem ajuda – de ser essencial e imprescindível na vida do outro, já que “o que seria dessa pessoa sem mim?”. Esse pensamento é carente, arrogante, falso, ineficaz e potencialmente tóxico. Ninguém muda ninguém. Ninguém pode saber o que é melhor para outra pessoa. É impossível viver pelo outro, aquilo que só cabe ao outro vivenciar. Mesmo numa análise, o psicanalista não é o protagonista do processo, ele é um mero facilitador. E ele nunca poderá resolver a vida de ninguém. Esse é talvez o maior equívoco que uma pessoa pode ter – que eu também tinha. Que podemos salvar as pessoas. Salvo casos de doenças mentais, principalmente em estágios mais graves, que aí sim de fato necessitará de uma intervenção externa, principalmente da família. Mas não é disso que estou falando aqui, já que esses casos nem vão a um psicanalista, e caso ocorra o próprio já percebe a demanda e encaminha ao médico psiquiatra. Agora, quando uma pessoa está em pleno gozo de suas faculdades mentais, entenda que cabe a ela, as rédeas de sua própria vida.

     Precisei passar por alguns processos dolorosos e difíceis de elaborar, para compreender minimamente tudo isso que relatei nessa postagem. Portanto, se conselho fosse bom, eu te diria:

     Não entre nesse jogo, ainda mais sem ser convidado. O papel de Salvador é gostoso, mas o preço também, é bem alto!