Antes de você iniciar a leitura desse texto abaixo, preciso pedir duas coisas. A primeira coisa é que preciso falar que esse texto ficará enorme, certamente o maior daqui desse blog. Serão muitos conceitos, retratados através de breves episódios de diversas fases da minha vida e precisarei contar com muita habilidade para amarrá-los de forma coesa, então peço por favor paciência. A segunda coisa é uma solicitação para que você abra a sua mente para alguns conceitos que serão colocados aqui sobre astrologia e a sua ligação com alguns conteúdos da psicanálise que, a meu ver, foram uma combinação importantíssima para compreender melhor algumas experiências e situações da minha vida.
O encontro com a astrologia
Eu sempre fui inteligente e curioso. Gosto de ler sobre tudo. Astrologia é um tema que comecei a estudar ainda na infância. Geralmente quem se interessa por astrologia inicia estudando o que significa o arquétipo de cada signo, planeta e casa astrológica – comigo foi assim também. Em seguida passei a estudar sobre uma mitologia – especialmente a grega – associada a cada um dos signos e as associações com a formação da personalidade. O meu objetivo era puramente autoconhecimento e a astrologia era apenas uma das fontes que fui beber para obtê-lo, buscando sempre um olhar crítico e não tomar como verdade absoluta nenhuma informação –“sou assim por causa disso”. Buscava analisar e observar cada conteúdo objetivamente. Empiricamente. Como se eu pegasse cada conteúdo novo estudado, fosse o dissecando pouco a pouco, me observando, observando o comportamento das pessoas ao meu redor e tentando encontrar uma ponte entre os livros e o que observava na prática no dia a dia. Esse material de estudo encontrava sempre na biblioteca municipal e como ia lá quase todos os dias, sempre tinha contato com novos livros. Um dia, ainda na infância, li algo que mudaria minha vida para sempre! Fiquei muito intrigado com isso, assustado e preocupado também. Mas também interessado em analisar melhor essa nova informação. O livro falava sobre astrologia com um viés analítico, comportamental, psicológico. Mas é óbvio que eu já sabia nessa época que astrologia não é considerada uma ciência, mas isso para mim pouco importava, como pouco me importa ainda hoje, sinceramente falando. Eu pensava assim comigo, “Apesar de nada disso ter um cunho científico, eu me proponho sim a analisar".
Até hoje tenho essa característica comigo: presto atenção aos conteúdos transmitidos e às referências com outros conteúdos, preferencialmente científicos é claro. Mas o meu compromisso é com a ideia e não com a fonte. A minha preocupação é com a funcionalidade pós teoria e não apenas com uma abstração do pensamento. Não tenho muito apreço pela apresentação, por si só, de títulos e credenciais. Pouco importa para mim na verdade se uma pessoa tem doutorado ou pós-doutorado, suas ideias fazem sentido? Se um mendigo me passar algo que tenha coerência, seja plausível ou eu puder aplicar na minha vida, ouço. Absorvo com o maior respeito, porque o meu compromisso é com a ideia – venha de onde venha. Vejo pessoas que falam muito difícil, com um português muito rebuscado, numa linguagem demasiadamente técnica, mas no frigir dos ovos são ideias confusas, rasas, que me pergunto se a pessoa estaria se expressando dessa forma por insegurança; por falta de didática; para apresentar erudição; ou o que seria ainda pior, para demonstrar ter uma profundidade que de fato não possui. Por isso peço a você para abrir a mente para ler essa postagem. Se fizer sentido para você, ótimo. Se não fizer, está tudo bem também. Mas acredito ser importante termos contato também com aquilo que não concordamos. Bem, vamos então a uma breve análise de alguns detalhes do meu mapa astrológico natal.
Tenho ascendente em câncer, Lua em capricórnio na casa 7, Plutão em escorpião no fundo do céu (casa 4) e Marte na 8. Resumidamente, segundo a astrologia:
O ascendente é a persona; sendo câncer, traz ao indivíduo emotividade, espírito materno, capacidade de acolhimento;
O regente de câncer é a Lua que está na casa 7, casa das relações e dos contratos próximos, como o casamento por exemplo;
A lua fala sobre o universo emocional e das reações instintivas, assim como revela possíveis aspectos ligados à mãe (dinâmica também vista na casa 4 que está ligada à infância). Estando a lua em capricórnio ela está em detrimento, ou seja, num posicionamento desfavorável, o que traria ao sujeito características de calculismo, austeridade, sobriedade e frieza ou falta de emotividade, e se busca segurança emocional na casa onde estiver localizada essa lua;
Plutão, escorpião e casa 8, arquetipicamente falando têm a mesma roupagem, falam a mesma língua. A casa onde Plutão e escorpião estiverem veremos medos, vulnerabilidades, traumas, sombras, inconsciente, controle, sexualidade, transmutação, regeneração, renascimento. Se esses conteúdos são integrados (segundo a psicologia analítica de Jung) ou trazidos para a consciência (segundo a psicanálise de Freud) alcançamos maior empoderamento em nossas vidas. Em suma, estes são arquétipos que falam de poder pessoal;
Marte tem a ver com a nossa pulsão, com a nossa libido, a casa onde estiver revelará onde investimos a nossa força, onde somos aguerridos e consequentemente onde podemos nos recarregar também. Estando na casa 8, o indivíduo mergulha com coragem no seu lado mais sombrio e obtém a partir desse mergulho recarregamento. Um posicionamento que pode ser simbolizado com a ave Fênix.
Então, quando eu era criança, tive contato com esses estudos acima e para esses posicionamentos e configurações, segundo a astrologia, haveria uma tendência para embotamento emocional advindo de uma falta de presença materna ou de uma presença materna gélida, que geraria uma possível insegurança futura no indivíduo e um complexo de Édipo mal resolvido [essa parte eu gravei porque foi a que mais me incomodou toda vida]. O menino buscaria essa resolução mais tarde no casamento e a menina buscaria resolver através de um filho. E apesar da criança buscar construir uma persona que seja capaz de externar suas emoções, o ambiente familiar seria tão frio e árido que elas teriam de ser silenciadas, não pela figura paterna, mas pela figura materna. Haveria nessa dinâmica familiar fortes conflitos de poder, fonte de traumas significativos que reverberariam mais tarde por toda fase adulta.
Nesse momento em que li isso, minha cabeça deu um “BOOM!". Como nas cenas daqueles filmes quando mostram o momento da explosão de uma bomba, parecia assim na minha mente, me lembro que esse conhecimento balançou as estruturas na época. Ainda mais quando fui entender esse conceito edipiano na psicanálise freudiana. Aqui foi o meu primeiro contato então com a psicanálise – partindo de livros de astrologia! E eu já conhecia o mito sobre Édipo, porque como disse anteriormente mitologia é um tema que sempre gostei, eu só não tinha conhecimento sobre a analogia desse mito para explicar a triangulação pai – mãe – filho. E quando tive acesso a essa teoria minha cabeça deu outro “BOOM!”. Eu falava para mim mesmo: “Jonas, segura as estruturas aí... Vamos ter que lidar com isso."
“Onde está a mãe?”
É comum os leitores dos meus textos aqui no blog perguntarem: “Onde está a mãe?”. Como se houvesse uma fixação na figura paterna e a figura materna nos meus textos estivesse nas entrelinhas, mencionada breve e superficialmente em algumas passagens; enquanto ao meu pai eu dedicaria mais tempo, textos e também reflexões, a minha mãe apareceria como figura secundária, coadjuvante. Quero desmistificar isso porque considero os dois – tanto o meu pai quanto a minha mãe – como figuras essenciais na minha formação. Apenas de formas diferentes – muito diferentes! Meu pai me ensinou a amar, enquanto a minha mãe me ensinou a ser resiliente! A minha relação com o meu pai foi turbulenta, agressiva e caótica, mas também teve muito amor envolvido. Ele era um homem passional que não media entregar sentimentos, se ele amava, amava pra valer, mas também brigava com a mesma paixão. Já a minha mãe é o oposto do meu pai, ela é contida, fechada, séria, diria até fria. Ouvi seu primeiro “Eu te amo” eu tinha vinte e cinco anos de idade, eu acho. Posso contar nos dedos quantas vezes ela me abraçou na vida. Já meu pai vivia me abraçando, ele até mordia a minha cabeça. E quando lhe perguntava “Por que você faz isso?!”, ele apenas me respondia “Porque eu te amo demais!” e começava a rir. E o pior é que eu sentia que ele nos amava perdidamente mesmo. Meu irmão e eu.
Então ambos
me amaram. Só que cada um tinha um jeito de demonstrar o seu amor.
Minha mãe é mais seca, até fria, porque a sua forma de demonstrar
é através do prover
material
visando o sustento.
Meu pai já era crítico, controlador, até ciumento, porque sua
forma de demonstrar afeto era se entregando intensamente na relação. Eu sou de uma família muito pobre. Minha
origem é bem humilde. Filho de mãe cozinheira e pai pedreiro,
cresci num ambiente sem muitos recursos e passamos por dificuldades.
Comida à mesa nunca faltou. Houve períodos de fartura e períodos
bem apertados. Meus pais tinham uma lanchonete quando eu era criança.
Ela era bem frequentada na cidade onde morávamos. Todo dia quando
saia do pré-primário ia para lá. Cresci vendo os clientes, os
shows, brincava entre os engradados de bebidas, aprendi ali a jogar
fliperama, estava sempre assistindo todos trabalhando. Gostava
daquele ambiente, ele era bem animado. Com o tempo, por divergências
na sociedade, os meus pais decidiram vender a sua parte e nos mudamos
dessa cidade. Aí talvez começou o período mais difícil da minha
infância, quando nos mudamos dessa cidade – e por vários motivos.
Eu já não costumava ver a minha mãe quase nunca, já que antes de nos mudarmos ela ia à lanchonete de manhã, eu ainda não tinha acordado, meu pai quem me levava ao pré-primário. À tarde quando saia da aula eu ia para a lanchonete. Lá minha mãe estava sempre trabalhando, então a via pouco. Ela e meu pai chegavam da lanchonete sempre de madrugada e eu já estava dormindo. E foi assim por anos a fio. Quando nos mudamos nessa nova cidade, como minha mãe já tinha experiência de lanchonete, ela arrumou um emprego de cozinheira num restaurante no centro da cidade – onde sempre fazia jornada dupla. Ela entrava às 07h e saia às 16h, retornava às 18h e saia às 02h. E fazia essa vida de segunda à segunda. Salvo de segundas na parte da noite e durante o dia aos domingos, porque a pizzaria e o restaurante não funcionavam nesses períodos. Só que nesses momentos de folga em casa ela ainda lavava roupa para fora! Assim, Natal, Ano Novo, aniversários, sempre ela estava trabalhando.
Um dia não sei o que deu em mim resolvi indagá-la sobre isso. Eu nunca tive medo da minha mãe, mas tinha um certo receio de lhe cobrar qualquer coisa, eu não sentia abertura nela e ela estava sempre ocupada. Um dia, quando estava com dez anos talvez, cheguei até ela enquanto se preparava para sair para trabalhar e perguntei:
- Mãe... Nós somos tão
pobres assim que você precisa trabalhar tanto?
Ela me olhou como quando olhamos para alguém que vamos ter uma conversa honesta de adulto para adulto. Então me questionou:
- Está faltando alguma coisa para você, Jonas?
- Não... Nada... É que eu só nunca vejo você em casa... - respondi já meio sem jeito.
Então me lembro que ela se agachou na altura dos meus olhos, colocou uma das mãos no meu ombro e disse algo que me marcou profundamente:
- Jonas, seu pai é pedreiro, ele não é registrado, então nem sempre tem trabalho. Às vezes acontece de chover muito então não dá para ele ir trabalhar ou às vezes ele faz todo um serviço e ainda leva calote e não lhe pagam. Eu preciso trabalhar. Você precisa de um par de tênis novo. Você e seu irmão estão crescendo e perdem roupa rápido. Aqui em casa não pode faltar nada. Preciso que entenda – então ela se levantou e foi trabalhar.
Se você me perguntasse o que eu estava sentindo nesse momento responderia “vergonha”. Vergonha de mim mesmo. Eu acho que ela foi tão sincera, e como ela nunca expôs o meu pai para nós, pude compreender a situação nua e crua. Sem enfeites. E essa foi a primeira – e talvez a única – vez que a minha mãe expôs o meu pai de alguma forma, porque ela nunca o criticou de nenhuma maneira para nós, nem para ninguém. Os dois eram bastante cúmplices e eles se compreendiam só pelo olhar. Nesse dia senti que precisaria engolir meus sentimentos, minhas emoções, literalmente comi minhas frustrações e me dei a seguinte ordem “Cresça, Jonas! Aprenda a se resolver sozinho”.
Aos onze de idade cai de joelhos numa aula de Educação Física e na hora não doeu, mas chegando em casa começou a latejar. Fui ao orelhão mais próximo e liguei no serviço da minha mãe, ela me disse que estava muito ocupada, não poderia me auxiliar naquele momento e me pediu para chamar uma ambulância. Só me lembrei da ordem que dei a mim mesmo, “Cresça, Jonas!”. Subi a pé ao hospital, passei com o ortopedista e tirei raio-x na mesma tarde e antes de ir para casa passei na farmácia com a receita e comprei os medicamentos. Quando minha mãe chegou nesse dia apenas lhe disse “Já resolvi”. Nessa idade já ficava sozinho. Tinha aprendido a cozinhar. Preparava minha própria comida. E nem tínhamos micro-ondas. Com quinze anos comecei a trabalhar, já pagava minhas próprias contas, não aceitava mais dinheiro deles, muito pelo contrário, passei a ajudar dentro de casa nas despesas.
O complexo de Édipo
O problema é que meu pai e eu brigávamos feito com cão e gato. Eu costumava dizer que em minha casa tinha um só trono mas dois reis. E apesar de eu não fazer questão alguma de sentar nesse trono e mandar nos demais (eu só queria mandar em mim!), eu não o deixava sentar lá. O problema de aceitá-lo nessa posição implicaria diretamente em me colocar como seu súdito e ele era tão tirano que eu não tinha estômago para isso. Eu aceitaria numa boa dividir o poder ou alterna-lo com ele, ou até mesmo me submeter plenamente a sua autoridade, desde que ele não fosse autoritário. Eu não suporto pessoa arrogante e autoritária. Existe uma grande diferença entre quem tem autoridade e quem é autoritário. É a clássica diferença nas empresas entre o chefe e o líder. Esse conflito de poder começou desde cedo em casa: quem é que manda? E minha mãe parecia secretamente estar sempre do lado do meu pai...
Minha mãe diz que eu nasci de oito meses e num momento em que ela não esperava. Certa vez ela me disse que isso foi suficiente para ela compreender que eu tinha o meu próprio tempo. Odiava abraços. Odiava que me carregassem. Queria andar a qualquer custo. Quando íamos fazer compras no mercado ela tentava me carregar e eu abria a boca chorar, porque queria ir andando. Mas o mercado era longe. Meu pai então me pegava à força, me jogava nas suas costas de cavalinho e íamos o caminho todo se engalfinhando. Tudo, tudo, tudo o que eu ia fazer tinha fazer do meu jeito. E se alguém tentasse me ajudar eu abria a boca chorar e ficava muito bravo. Eles falavam que eu parecia uma pimenta. Só que minha mãe me deixava... Ela até tentava me ajudar, mas com eu sempre fui teimoso e orgulhoso recusava, então ela se cansava em algum momento e dizia: "se vira então". E era “se vira” mesmo, porque nesse momento eu poderia atear fogo na casa comigo dentro que ela não moveria um músculo para me socorrer. Meu pai jamais me deixava sossegado. Ele era daqueles que entrava na sala de aula com bolo e tudo e mandava meus colegas cantar parabéns! Isso aconteceu na primeira série e eu queria morrer! Eu não gosto de festa de aniversário. Então a vida dele era invadir a minha. Ele não só queria saber o que eu estava fazendo, como queria ver, participar, dar pitaco e ainda ficar me corrigindo! Eu aguentava até o ponto quando ele começava a me criticar. É como uma visita que vai a sua casa sem ser convidada e não satisfeita em criticar a cor das paredes começasse a mover até a mobilia de lugar! Obviamente que você chutaria da sua casa essa pessoa sem noção. Era mais ou menos isso o que eu fazia com o meu pai quando ele vinha com sua liçãozinha de moral.
Ele resolvia me dar lição de moral quando estava alcoolizado. Meu pai sóbrio era o melhor pai do mundo. Lembro quando comecei a trabalhar chegava de madrugada por volta das 02h da manhã e ele estava sentado no sofá me esperando para conversarmos. E as conversas eram sempre muito legais. Só que bêbado ele era uma pessoa completamente diferente. Ele ficava ácido, chato, crítico e sarcástico. Falava que casa silenciosa parecia um velório, então por qualquer questão ínfima ele começava a discutir. E eu era obrigado a ficar na mesa sentado ouvindo ele falar, por horas a fio! Me lembro que eu tinha o costume de ficar sentado riscando o seu isqueiro – porque ele era fumante. Então ele dizia assim: "Você está nervoso, Jonas?”. E eu, “Não". E ele continuava, “Eu acho que você está nervoso sim, você fica riscando esse isqueiro aí e não para de bater os pés embaixo da mesa...". Olha, aquilo sim era tortura psicológica. Para mim o seu propósito era claro, ele queria me desestabilizar, como se ele tivesse brincando com fogo. Parece que ele tinha prazer em me tirar do sério. Água mole em pedra dura... Em algum momento eu perdia a cabeça e partia para briga. Eu ficava cego de raiva. Quando me dava por mim estávamos aos socos já.
Então quando isso acontecia ele me colocava para fora de casa e dizia “Essa noite você não entra, vai dormir aí fora para aprender a me respeitar.” Então eu tinha que dormir no quintal toda vez. Às vezes estava chovendo. Ou estava frio. Eu não podia entrar. Quando amanhecia o dia, eu queria ir à escola, mas não tinha como eu ir daquele jeito, sempre fui muito vaidoso, queria tomar um banho, trocar de roupa, às vezes estava machucado da briga ou sujo por dormir do lado de fora. Mas no dia seguinte ele estava plantado na porta como um guarda e falava que só me deixaria entrar se eu lhe pedisse perdão. Eu juro que preferiria ser esmurrado a ter que fazer isso, mas eu não tinha escolha, eu queria muito ir à escola, encontrar com os meus amigos, então eu pedia perdão e entrava. Quando entrava no banheiro, precisava tomar um banho frio e parecia que a água estava caindo sobre uma chapa de ferro quente de tanta raiva que eu estava. Logo, é fácil imaginar quem seria a figura de autoridade mais próxima que eu descarregaria toda essa energia. Os meus professores. Eu quase fui expulso da escola! Cheguei a ser considerado o pior aluno da escola onde estudava. Alguns professores tinham medo de dar aula para mim. Me lembro quando estava na oitava série, uma professora parou de dar aula na escola onde eu estudava e disse que só retornaria anos mais tarde depois que eu já tivesse concluído o ensino médio. Nessa fase aconteceu de tudo... Até em delegacia eu fui parar. Mas isso já é para uma outra história...
A morte de Laio
Durante todo esse tempo então, da infância à adolescência, vira e mexe eu refletia aquela interpretação astrológica. Como pode observar muitos pontos daquela interpretação de fato bateram. Ficava me perguntando se a vida imitava a arte ou a arte imitaria a vida. Procurei sempre refletir minha relação com os meus pais e compreender essa triangulação da psicanálise e a forma de cada um me amar. Minha mãe obviamente estava casada com o seu trabalho. Ela foi uma mãe mais funcional, aquela que nunca deixou faltar nada, mas não existia um afeto “tradicional” de mãe de sua parte. E isso eu busquei me analisar também. Já que a forma de amar da minha mãe era diferente da que eu esperava, eu teria que encontrar outros pontos de nutrição materna. Procurei jamais me pôr num papel de vítima; procurei não julgar a minha mãe; procurei aprender a interpretar a sua forma de demonstrar o amor. A minha mãe não é de falar abertamente, nem de abraçar, ela demonstra de formas indiretas. De um jeito muito particular. Que aprendi a perceber. A valorizar. A função materna está intimamente ligada a uma sensação de segurança, então analisei essas questões com muito carinho, aflorei em mim o meu lado maternal para acolher as minhas próprias demandas, pois para enfrentar a vida precisamos nos sentir seguros. Além do que eu sempre pude contar também com o meu pai para executa-la em alguns momentos, já que ele era mais maternal e bastante carinhoso. É muito importante a função materna nesse sentido. Um indivíduo “sem mãe” perde a segurança. É a função materna que aterra, que dá a sensação de estabilidade e a firmeza para avançarmos seguros na vida sem tantos medos.
E tem um outro porém também importantíssimo nessa reflexão materna que sempre me atentei. Mãe é mãe. Esposa é esposa. Sempre me atentei para procurar uma mulher para me casar e não uma mãe para cuidar de mim. Sempre quando começo a namorar procuro refletir qual o meu real interesse nessa relação amorosa, para estar certo de que estou buscando uma mulher e não uma mãe. Assim como fico muito atento se uma mulher está tentando cuidar de mim (me vendo como filho) ou ser cuidada por mim (me vendo como pai). Ambas as situações revelam claramente dinâmicas edipianas mal resolvidas e tenderão mais cedo ou mais tarde a apresentarem alguns problemas. Por isso fico muito atento quando ouço aquele famoso discurso que diz que os casais devem um cuidar do outro. Para mim acende um alerta onde me pergunto o seguinte: como seria esse cuidar? Eu sou um homem já formado que não precisa que ninguém cuide. Assim como não tenho pretensão alguma de cuidar de outra pessoa. A gente cuida de criança. Penso que um relacionamento afetivo, amoroso, sexual é composto por adultos capazes de fazer suas próprias escolhas conscientemente e já se resolvem sozinhos, que decidem por prazer compartilharem alguns momentos da vida. E não há fusão aqui. Cada um continua com os seus próprios sonhos, com os seus projetos pessoais, que até podem caminhar paralelamente e juntos eles somarem forças para se ajudarem, mas são duas vidas distintas. Para mim é preciso bastante atenção com esse cuidar (salvo raras exceções), porque isso pode se traduzir em relações tóxicas, de co-dependência, onde evidentemente existem traços edipianos mal elaborados aí. Atenção.
Quanto
ao meu pai, ele só espelhou os seus sonhos mim. A verdade é essa.
Meu pai era apaixonado por música clássica. Pintura. Escultura.
Filosofia. Sapateado! Ele adorava ter amizade com pessoas cultas.
Descobri tudo isso vasculhando um dia sem querer um enorme baú que ele tinha e
nunca nos deixava mexer. Lá tinha livros de literatura portuguesa e
inglesa, de romances policiais. Discos de vinil. Então quando fui
indagar minha avó paterna sobre aquele conteúdo (pensava comigo:
quem ali naquela casa podia ter gostos tão refinados assim?),
ela me revelou que tudo aquilo era do meu pai e que ele chegou a estudar
inglês e francês! Aí a minha ficha caiu! Mas foi na hora! Para mim
ficou muito claro, ao ver aquelas obras e refletir sobre os gostos
requintados do meu pai, que ele sendo um homem pobre, trabalhando
como pedreiro, cheio de sonhos e ambições, almejasse tanto estudar
e se tornar um homem erudito. Meu pai achava lindo ouvir filósofos e
grandes pensadores darem entrevistas. Tudo o que ele mais queria era
ser um homem culto. Mas infelizmente ele não conseguiu tudo o que um
dia sonhou. Embora para mim ele sempre será o meu super-homem. O
único problema na vida do meu pai foi o álcool, o álcool que dificultou a nossa relação entre pai e filho. Mas quando sóbrio ele era um
homem extraordinário e o foi na minha vida. Devo a ele tudo o que aprendi. E hoje compreendo que
quando ele teve um filho que demonstrava tanto gosto pelo conhecimento
quanto ele, inconscientemente ele projetou isso. Quando finalmente
elaborei tudo isso estava com exatos dezoito anos. E logo ele morreu.
Eu já estava mais em paz, eu o amava, sabia que ele me amava, sabia que tudo o que ele queria era que eu fosse feliz. E o corte da castração já havia sido feito também.
A conclusão desse jogo perigoso
Eu sei que essa minha história pode gerar inúmeras reflexões. Inúmeras interpretações. Então deixarei aberto para que cada um leia e preencha as lacunas à vontade. Só que para alimentar ainda mais a sua reflexão e a sua interpretação gostaria de trazer mais alguns pontos para você pensar.
- Será
que somos de fato folhas em branco ao nascer e tudo o que nos
tornamos está a cabo dos nossos cuidadores? Nada mesmo vem de
fábrica? Pergunto porque segundo os meus pais, desde de muito novo,
eu já demonstrei impulso por autonomia, independência e um gênio muito
forte. Sempre quis resolver tudo sozinho, do meu jeito, como se eu
nunca os deixasse agir como pais.
- Por
outro lado, será que a presença de uma mãe gélida e distante ou
pela interpretação de uma criança
de não poder atrapalhar a sua mãe ocupada, faria essa criança
amadurecer bruscamente?
- Será
que tive uma criação difícil porque interpretei assim ou será que
interpretei assim porque tive uma criação difícil?
- Será que meus pais foram exatamente assim e tudo aconteceu como estou relatando nessa história? Minha mãe você não conhece. Meu pai já morreu. Você só tem a minha versão dos fatos. E hoje sabemos, através de estudos sobre a memória, que quando lembramos de algo e descrevemos uma lembrança, em torno de 50% são pontos possivelmente aumentados ou inventados. Eu posso jurar que tudo aconteceu nesse relato, não estou mentindo. Não objetivamente. Não conscientemente. Mas trabalhamos com o inconsciente também. Então é possível – inconscientemente falando – eu ter escolhido a história que melhor me favorece?
Aqui entramos no ponto que eu queria chegar. A quem importa se isso é verdade ou mentira? Psicanálise não trabalha com A verdade – assim com letra maiúscula. Tampouco com ideias de certo ou errado. Por isso é controverso falar em cura na psicanálise. Se a psicanálise não sabe os limites – nem faz questão de saber – do que é normal e do que é doença, como podemos falar em cura? Talvez em curas – no plural. Assim como podemos falar em psicanálises – no plural. Assim como podemos falar em normalidades – no plural.
Se eu estivesse relatando esses fatos da minha vida num divã, você acha mesmo que o analista estaria preocupado se essa história é com h ou e?
Isso pouco importa. Como pouco importa se a astrologia é ciência ou pseudociência. Se estou diante de uma pessoa que me diz que ela age como age porque é libriana, eu não paro para pensar se acredito ou não em signos, se é ciência ou não astrologia, o fato é que a pessoa acredita nisso. É mais interessante trazer isso para a conversa para entender o que, para ela, é ser “libriana”. É material analítico. Tudo o que é dito e não dito é material analítico. Seja verdade, seja mentira. E o bom analista é aquele que busca – e que consegue – de fato ser uma tela em branco. Ele se despe de si mesmo e apenas espelha.
Aqui vai o meu sincero e humilde conselho a você. Qual é a melhor interpretação para essa minha história? A que eu
relatei. É a que eu acredito que aconteceu. É essa que ME FAZ
DORMIR À NOITE. Esse é o objetivo da psicanálise. Fazer o
indivíduo se sentir bem habitando
o próprio corpo.
Sem tantas somatizações. Lidando bem com as suas neuroses. Os
demônios não vão deixar de te assombrar, mas você pode aprender a lidar
com eles. Fazer amizade. Negociar. Chega um determinado momento em que você precisa ressignificar.
Ressignificar é dar um novo significado. Qual é o melhor significado? É aquele que te faça deitar a cabeça no travesseiro à noite e dormir em
paz, como uma criança. É isso.