“Do
sofrimento emergiram os espíritos mais fortes, as personalidades mais sólidas
estão marcadas com cicatrizes.” Khalil Gibran
Houve um tempo na minha vida, muito tempo atrás
aliás, em que acreditava ser possível realizar transformações profundas em mim
mesmo de forma rápida. E a partir dessa crença julgava as pessoas que eu convivia
também quando elas ‘demoravam’ para assimilar alguma situação nova em suas vidas
ou para fazer alguma mudança em si mesmas. Mudança essa que para mim era bastante
necessária à pessoa. Fui passando por experiências que me ensinaram diferente e
de um tempo para cá venho atualizando essa mentalidade. Hoje acredito exatamente
no oposto e basicamente por três fatores: ninguém muda forçado; nessa mesa cada
um paga a sua conta; e a dor será inevitável de qualquer jeito.
Não
somos ninguém para dizer em que alguém tem que mudar.
É a própria pessoa quem vai dizer da
necessidade de isso acontecer ou não. Quando gostamos de uma pessoa e queremos
de fato o seu bem o máximo que podemos fazer é SUGERIR – com cuidado ainda – e caberá
assim a pessoa o que fazer com isso; ouvir, seguir ou simplesmente ignorar. Será
uma perda de tempo forçar a situação; ninguém muda porque outra pessoa quer que
mude. As pessoas mudam quando querem, como querem, se acham que devem e se
conseguem. Às vezes elas podem ainda não ter os recursos necessários para fazer
determinada transformação em si mesmas naquele momento ou em dada situação. Embora
sofremos ao assistir pessoas que gostamos ‘dando cabeçadas’ ou ‘murros em pontas
de facas’, cabe aqui o espaço para que cada um viva do jeito que escolheu ou
consegue viver. E temos que nos indagar também o seguinte: Será que o que
consideramos como sendo ‘cabeçadas’ estaria de fato errado? E por que estaríamos
nos incomodando tanto com a forma como uma pessoa vive? Muitas vezes podemos
estar equivocados mesmo imbuídos de boa vontade. É aquela famosa estória da
mulher que julgava a vizinha ao ver da janela suas roupas ‘sujas’ no varal, até
descobrir que na verdade eram os vidros de sua própria janela que estavam sujos!
Então é preciso bom senso até para sugerir mudanças a uma pessoa. E se a recusa
de mudar de uma pessoa próxima esteja afetando você ou atrapalhando objetivamente
a sua vida, não é ela quem precisa mudar, é você. Ou mude a forma de ver essa
pessoa, de enxergar a situação ou se afaste pois essas são as únicas coisas que
você de fato têm algum controle.
Mudanças
internas significativas têm um custo elevado de energia pessoal e de tempo.
Qualquer mudança interna que seja realmente
efetiva inevitavelmente vai levar bastante tempo para se consolidar. Terá
também um considerável custo de energia e psiquismo envolvidos. Não será da
noite para o dia que se modificarão satisfatoriamente estruturas que levaram anos
para se formarem. Felizmente ou infelizmente. Quando alguém me diz que transformou
radicalmente seu comportamento para melhor através de uma conversa com alguém
ou a partir de uma palestra, de um treinamento, de um workshop ou mesmo por um curso
de imersão (bastante preconizados hoje em dia onde uma pessoa passa um final de
semana imersa em atividades para autoconhecimento), eu ouço e evito proferir
comentários. Tenho uma certa desconfiança da efetividade rápida dessas práticas.
Não que isso não seja positivo ou que seja ruim, de forma alguma, acredito que
são pontapés iniciais para um efeito em cascata. Mas um efeito que será lento,
custoso, que vai demandar energia pessoal bem canalizada e não sem dor.
Eu não sou psicólogo. Não sou psicanalista. Não
atuo com terapêuticas de nenhuma natureza. Mas pretendo humildemente agora trazer
aqui a analogia seguinte. Imaginemos que você quer transformar o seu quarto.
Então você vai fazer uma faxina para isso. Numa boa faxina você faz o quê? Você
entra no quarto, arrasta todos os móveis (quando dá), abre as gavetas, tira
tudo do lugar, verificando o que gosta, o que não quer mais. Você vai limpando
cada móvel, cada peça, cada canto desse cômodo. Se alguém chegasse em sua casa
nesse exato momento certamente diria: ‘que bagunça’. Mas você está fazendo uma
faxina no seu quarto e sabe que o princípio da transformação é esse caos mesmo,
precisa fazer isso para chegar onde quer. Aí você decide que quer mudar a cor
das paredes, que gostaria de fazer uma textura diferente, que gostaria de mudar
o guarda-roupa e a cama de lugares e de repente bate um apego aqueles livros que
já leu mas não quer doar, aquelas roupas que não usa nem te servem mais, então
percebe que tem que se despedir disso; o espaço era de um jeito e agora você
quer que seja de outro.
Um processo de autoconhecimento e
autodesenvolvimento é dessa ordem. Não dá para esperar que seja simples, fácil
ou rápido. Se no plano físico como nesse exemplo da faxina e da transformação
de um quarto já demoraria e daria um belo trabalho, já imaginou a magnitude de
uma mudança interna? Dá trabalho arrastar um guarda-roupa de lugar, mas dá
muito mais trabalho ainda alterar qualquer estrutura psíquica que foi
construída ao longo de anos. Sem falar que determinados aspectos de uma personalidade
nem teriam como alterar. Não facilmente. É como uma árvore, pode-se modificar o
aspecto das folhagens, podar galhos, aumentar ou diminuir tamanho em algum
nível, mas a raiz permanecerá no mesmo lugar e o fruto não muda. No cômodo da
casa é como se o quarto viesse planejado também, já tendo alguns móveis projetados
para determinados cantos ou fixos às paredes. Algumas mudanças internas então são
possíveis. Outras não serão. Compreender isso já é uma questão de
amadurecimento.
Agora, é fácil para uma pessoa fazer uma transformação
interna dessa sozinha? Eu diria que é bastante difícil. Só não digo impossível
porque já fiz algumas através de muita autopercepção, consciência e
persistência – ao longo de vários anos. Não foi da noite para o dia. Nem em um final
de semana. Quem busca por autoconhecimento sempre que possível pode procurar ajuda
profissional, seja de um psicólogo, de um psicanalista, de um terapeuta específico,
porque via de regra o ser humano só pode se ver em contraponto. O “eu” exige a
existência de um “outro”, então é fato que ninguém se transforma sozinho. O que
falei acima sobre mim mesmo estaria também equivocado, não amadureci sozinho. Meu
processo de autoconhecimento foi a várias mãos. Sempre pedi feedback sobre o
meu comportamento, sobre a minha personalidade, sobre as minhas atitudes (ou
falta delas), sobre decisões que pretendia tomar, para pessoas em quem confio. Até
hoje procuro manter uma atmosfera aberta entre essas pessoas que me cercam e tento
demonstrar receptividade para que se sintam confortáveis para me darem esse
feedback. E eu sempre peço feedback. Filtro criticamente as respostas e procuro
refletir o que está sendo passado.
Só vamos abrir um parêntese aqui. Estamos falando
todo o tempo nesse texto sobre autoconhecimento, autodesenvolvimento, sobre transformações
internas que não são da ordem de sofrimento psíquico, de doença mental.
Sendo esse o caso exige – exclusivamente – orientação de médico psiquiatra
e psicólogo.
Não existe
nenhuma garantia de felicidade e nem mudança açucarada. Autoconsciência dói!
Não espere que não vai doer. Não espere que não
vai incomodar. Não espere que seja mamão com açúcar. Um processo de autoconhecimento
estará mais para um café frio, forte e amargo. Muitas vezes nos perguntamos:
Por que algumas pessoas não se conhecem mais? A resposta é óbvia: Porque isso
tem custo. Não digo que seja bom ser ignorante. Mas também não vou dizer que é mais
fácil quando temos mais consciência. Tudo tem custo. E cada pessoa paga como
pode. Sabe quanto suporta. Autoconhecimento exige sair de onde estamos e fazer
um movimento em direção a algo, a nós mesmos, então é preciso querer. Estar
disposto a fazer esse movimento e sair da zona de conforto (que de confortável
não tem nada pois também tem o seu custo e não é pequeno, acredite). Autoconhecimento
implica ter contato com partes desconhecidas de nós mesmos e o diferente sempre
nos assusta, então é preciso vencer o medo e a insegurança. É fato que sair de
uma zona de conforto, investir em autoconhecimento e provocar transformações pessoais
garante mais felicidade? Não! Então por qual motivo sair de uma zona de conforto
e mudar? Porque se você está cogitando a mudança e se isso já é uma necessidade
para você é porque feliz você já não está. O ‘Não’ você já vive internamente e
a dúvida aqui é se está disposto ou pronto para descobrir e lutar por um “Sim” para
viver melhor. E só você poderá se responder já que a dor é toda sua.
Sempre escutei as pessoas falando que ou alguém
aprende pelo amor ou aprende pela dor. Mas na minha opinião essa frase nos
induz a acreditar que teremos uma mudança açucarada seguindo o caminho do amor.
O que não é verdade. Não existe mudança açucarada em nenhum dos caminhos. Todo
processo de autoconhecimento implica em autotransformações e em mudanças
internas. Toda mudança interna depois vai refletir no externo. Esse processo
gera amadurecimento e isso dói porque nos dá maior consciência. À medida que ganhamos
mais consciência de nós mesmos é como se jogássemos luz sobre cômodos escuros
de nossa psique e podemos então descobrir que não somos tão belos, puros, bons,
perfeitos, santos, certos, éticos, como idealizávamos ser. Aprender pelo amor
ou pela dor, na minha opinião, tem mais a ver com a prontidão e com a abertura
para algo muitas vezes inevitável.
Imagine que você terá que ir a uma expedição na
selva. Naquele seu quarto (lembra?) você já tem todas as ferramentas de que vai
precisar guardadas em algum lugar. Sabendo que você vai precisar ir a essa expedição
de qualquer maneira, você já vai se preparando; afia seu facão, coloca água no
seu cantil, separa os mapas que vai precisar, pega aquele seu calçado resistente,
escolhe as roupas necessárias, entre outras coisas, e parte (pelo amor) à
expedição que já sabe que será um período difícil e doloroso de aprendizado em
sua vida. Agora vamos supor que você negue tudo isso e siga vivendo sua vida
dentro de uma zona confortável sem pensar na chegada dessa missão. Só que um belo
dia a Vida te empurra (pela dor) a essa missão que você já sabia que seria
inevitável. De fato, você sabe que tem todas as ferramentas que precisará naquele
seu quarto, mas onde elas estão guardadas mesmo? Você foi pego de surpresa! Você
não estava preparado para isso. Sabe o que acontece agora? Você vai ter que aprender
a nadar com a água subindo! É isso o que está acontecendo com algumas pessoas, elas
estão sendo demandadas sem estarem maduras, emocional e psicologicamente
preparadas para isso.
“Você nunca
sabe a força que tem, até que a sua única alternativa é ser forte.”
Johnny Depp