segunda-feira, 30 de março de 2015

Reflexões de um prisioneiro


Já vou advertindo que este post ficou grande! Tenha paciência e mantenha a mente aberta que eu te garanto que irá entender onde quero chegar. Conclusões após um período de clausura.


Há quarenta dias me propus o seguinte desafio: eu deveria ficar todo esse período sem utilizar a internet – de nenhuma forma –, não tomar café e não comer carnes. Afirmo, agora, que foi fácil. No começo pensei bem diferente. Confesso que nos primeiros dias eu sentia tanta dor de cabeça, dores no corpo inteiro; eu sentia tanta fraqueza que parecia que eu me arrastava pois o corpo pesava demais. E o humor? Um campo minado! Mas com o passar dos dias as dores foram cessando e o meu corpo foi dando sinais de estar se acostumando a sua nova fase. Os meus sentidos pareciam estar mais aguçados. Minha percepção parecia melhor. Me sentia mais inspirado. Convivia com uma estranha sensação de leveza, como se o corpo estivesse se desintoxicando de alguma coisa. Pelo menos por um tempo foi assim... Hoje me sinto realmente mais “limpo” – se é que posso expressar com essa palavra –. Mas não necessariamente pela ausência de internet, de café ou de carnes...

Esse desafio, que encarei como um sacrifício, tinha dois objetivos principais. O primeiro era o fato de eu estar incomodado – e já fazia um tempo – com alguns hábitos que traiçoeiramente foram se transformando em vícios na minha vida, me tomando minha liberdade – ou a crença que eu tinha disso –. Estava consumindo grandes quantidades de carnes e café diariamente e sentia dores de cabeça quando não consumia. Passava tanto tempo na internet que sentia falta enquanto estava desconectado; ficava preocupado com mensagens, recados, notícias que chegassem, consultando hora após hora o celular e desenvolvendo uma paranóia de poder estar constantemente perdendo alguma coisa. Garanto que era bem similar ao comportamento de um viciado. E isso era ridículo! Não entendia esse exagero. Eu sabia que eu poderia perfeitamente viver sem estar conectado à internet o tempo todo, ou tomando café toda hora ou comendo carnes diariamente. E eu estava disposto a me provar isso! O segundo objetivo desse desafio foi me renovar espiritualmente falando. Pedi ao Universo, através desse sacrifício, paz interior, elevação espiritual, porque me sentia estranhamente escravizado à matéria, por vezes esquecendo-me de valores transcendentais que sempre acreditei serem importantes. Eu queria me libertar um pouco. Buscava uma “tal” liberdade de algo que me prendia, e que eu não sabia exatamente o que era.

Esse período de “abstinência” coincidiu com as férias do trabalho, então pude me dedicar a me observar atentamente. O engraçado é que nos últimos dez anos consumi café em grandes quantidades diariamente e hoje não sinto mais nenhuma vontade de tomar. Da mesma forma com as carnes. Não sinto sua falta na minha alimentação. Penso seriamente até em manter uma dieta vegetariana para o resto da vida. A contrapartida, eu que não sou muito fã de TV e de doces, passei a comê-los diariamente – exageradamente – nas últimas semanas, enquanto assistia a seriados. Notei então que ao nos desvincularmos de certos vícios, sem que percebamos, as vezes começamos processos que vão culminando em novos vícios tão nocivos quanto os anteriores. É um paradoxo mesmo. Mais paradoxal ainda foi o receio que senti ao retornar hoje à internet, mesmo sentindo bastante saudade de algumas coisas como este blog por exemplo, e poder postar essas conclusões atingidas. Metaforicamente falando, era como se eu me refugiasse sozinho numa ilha isolada do mundo, ansiando rever algumas pessoas e já temendo retomar o contato com elas por medo de me escravizarem novamente.

Isso me fez pensar o seguinte. Até onde somos realmente livres quanto acreditamos ser? O que significa ser livre? Seria a liberdade um bem alcançável?

Foi então que percebi o que fizera. A grosso modo estava trocando seis por meia dúzia. Transformei a minha fantasiosa Shangri–La – essa minha ilha longe dos antigos vícios –, na minha mais nova prisão. Já estava criando os grilhões através de novos vícios; ficando horas e horas em frente à televisão comendo doces. O engraçado é que pedi ao Universo para me purificar, para me libertar de algo que sentia me prender, mas percebi que a única coisa que me prendera de fato o tempo todo eram as minhas próprias crenças. É isso o que fazemos com nós mesmos. Nos prendemos numa cela e procuramos desesperadamente sair, estando todo o tempo com a chave! Parar de comer carne, parar de tomar café, não acessar a internet, não assistir TV, não comer doces etc. não tem absolutamente nada a ver com liberdade. Liberdade é mudança de perspectiva. Vem de dentro para fora. E no meu caso a questão era pessoal mesmo. Eu nunca gostei de ser dominado por nada, por ninguém, sempre preferi me ver como alguém no controle de mim mesmo, indomável, livre, fugindo sempre daquilo que tentasse me possuir e me deixar com uma sensação de escravidão. Fossem sentimentos, fossem pessoas. E isso cedo ou tarde se tornara meu doce auto-engano, tornando-me carcereiro de minha própria cela. Acredito hoje que a liberdade é criada por nossas crenças. Da mesma forma a escravidão. Nada externo a nós tem poder suficiente para dar ou nos tirar a liberdade. Tomo como exemplo um homem atrás das grades. Ele pode ser mais livre do que você ou eu neste exato momento. O fato dele não poder sair da prisão não significa necessariamente que não seja livre, a única coisa lhe tirada foi o direito de ir e vir, que erroneamente reduzimos a interpretação à liberdade. Mas uma vez que esse cidadão seja capaz de pensar, de sentir, de sonhar, de criar, se ele o quiser as grades jamais o aprisionarão.

E isso nos faz pensar o seguinte também. Quantas pessoas estão neste exato momento, aqui fora, presas por vontade própria sem se dar conta? Posso apostar que não são poucas...

Para finalizar, uma coisa ainda ficava martelando na minha cabeça. Se fugi daquilo que me tornava escravo, por que ainda me sentia um? Se o meu objetivo primordial era a purificação e por isso me distanciei dos antigos vícios, por que criara novos?!

Foi então que veio o xeque-mate: porque talvez Vício e Arte sejam duas faces de uma mesma moeda, que as vezes nos confundem qual é qual. Se a vida é uma intensidade constante de forças violentas e viver é involuntariamente fazer parte desse jogo, o que nos permite sobreviver perpassa a arte ou o vício de qualquer maneira. Acabei percebendo que o que me fez fugir dos antigos vícios, me fez adentrar nos novos e escrever este post: a angústia! Essa natural inquietude que sentimos ao viver a vida, que pode ser tão desconfortante dentro de nós que precisa se converter em arte ou em vício. E qual é a diferença entre os dois? Enquanto um de alguma forma nos liberta, o outro nos escraviza!

Pergunto a você agora: és realmente livre? Continue...