Mas não
entendam este meu anúncio como se eu pretendesse dar palestras
dogmáticas e requerer sua fé incondicional. Esse mal-entendido
seria uma grave injustiça contra a minha pessoa. Não quero
despertar convicções — quero fornecer estímulos e abalar
preconceitos. Se, por desconhecer o material, os senhores não têm
condições de julgar, não devem crer nem condenar. Devem escutar e
permitir que o que lhes é relatado produza efeito. Não é tão
fácil adquirir convicções, ou, se chegamos a elas sem fazer
esforço, logo se mostram desprovidas de valor e capacidade de
resistência. Direito à convicção possui apenas aquele que, assim
como eu, trabalhou muitos anos no mesmo material e viveu ele próprio,
repetidas vezes, as mesmas novas e surpreendentes experiências. De
que servem, no campo intelectual, as convicções apressadas, as
conversões fulminantes, os repúdios momentâneos? (FREUD, 2014, p. 265-266)
Existe um teórico da psicanálise chamado Jacques Lacan que confesso que eu tinha muito preconceito, mas o engraçado, que na verdade é bastante comum, é que eu também desconhecia a sua obra. Quando digo que é bastante comum é pelo fato de quantas coisas na vida temos preconceito sem nos dar a oportunidade de conhecer melhor. É aquele preconceito sem fundamento. Uma coisa seria eu me dar a oportunidade de conhecer e julgar que não gostei ou que não concordo; outra coisa, completamente diferente, é eu julgar o seu trabalho sem nunca tê-lo conhecido. E fazemos muito isto, seja com teorias, seja com pessoas: é o não gostar simplesmente por não gostar. É a famosa crítica sem criticidade alguma. Deixo aqui então o seguinte questionamento, para você e para mim também: quais julgamentos ou opiniões possuímos sobre temas, sobre pessoas, que nunca nos demos a oportunidade de saber, de conhecer essas pessoas em questão? Essas opiniões têm fundamento?
Do pouco que li e conheci sobre a obra de Jacques Lacan estou gostando bastante. O que noto, e que percebi em mim também, é que a psicanálise lacaniana é julgada pela dificuldade do entendimento. É claro que sou a favor de que sempre que possível quem se expressa precisa fazer um esforço para [tentar] ser entendido, o objetivo da comunicação é justamente esse. Não faz sentido rebuscar ou florear demais o discurso, a tal ponto que fique incompreensível à maioria dos leitores – a menos que o objetivo seja este, alcançar um nicho muito especializado. Lacan é um teórico difícil de compreender até para quem tem conhecimento aprofundado de psicanálise, no entanto, o fato de escrever difícil não desqualifica a genialidade do seu trabalho, porque vejo muita. Estou lendo e aprendendo sobre o que ele fala sobre os quatro discursos e é muito interessante, principalmente quando transpomos à prática das nossas relações cotidianas e é isso que trarei no texto de hoje. Tenho refletido muito sobre isto: em quais momentos, com quais pessoas, em que locais me utilizo de cada discurso inconscientemente? E quando esse discurso provém do outro? Pesquisem sobre os quatro discursos de Lacan e em seguida se permitam uma reflexão sobre a própria vida.
Gostaria de compartilhar também que fui aprovado na iniciação científica na UniFAJ, no curso de Psicologia do qual faço parte, com pesquisa em Psicanálise. A minha orientadora é dessa linha. Estou gostando bastante. O tema que escolhi na minha pesquisa é sobre o Fetichismo, quero compreender melhor esse fenômeno psicológico, adentrando na estrutura perversa (se é que fetichismo está lá). Quando lemos a obra freudiana “O Fetichismo” (1927) percebemos que alguns pontos foram levantados por Freud e pretendo investigar se os pós-freudianos responderam os questionamentos que lá ficaram em suspenso. E por que o interesse – podem estar se perguntando?
Respondo: e por que não? Não tenho encontrado muitos materiais sobre esse tema, o que aguça ainda mais a minha curiosidade e a vontade de pesquisar. Por que há poucos materiais sobre o fetichismo? E sobre a perversão? Existiria algum manto de “moralidade” dificultando o interesse à pesquisa? Ouço que “o perverso [e o fetichista se encontra aqui (?)] não procura pela clínica, ele não sofre.” - essa é uma voz quase monocorde dentro da psicanálise. Quero entender melhor isso. Onde encontro lacunas na teoria, sinto necessidade da pesquisa. Vejo pesquisadores que possuem teses que giram em torno de temas habituais, então me questiono se essas pessoas não estariam mais interessadas num título, do que no compromisso científico. Me lembro quando fiz a graduação em Administração e ao final do curso o tema do trabalho de conclusão de muitos era sobre Motivação. Na época fui à biblioteca conhecer os trabalhos elaborados na última década e poderia afirmar que quase metade dos trabalhos realizados giravam em torno desse tema. Meu trabalho foi sobre MDL – Mecanismos de Desenvolvimento Limpo e Créditos de Carbono, o que na época o meu orientador me advertiu que não encontraria publicações, dado o ineditismo do tema. Entendi ainda mais como necessário.
Precisamos lembrar que o pesquisador, seja qual área for, ele tem um compromisso com a ciência. E a ciência pressupõe progresso, novas descobertas, o conhecimento científico não é concluído, ou se conclui temporariamente, até que as evidências apontem novas direções. O contrário é dogma. Mas para isso vejo como necessário um espírito de pesquisador. Ao contrário de Lacan, Freud era pesquisador. Quando lemos Lacan percebemos um texto fluido, como um analisante falando em sessão, e ele se apresentava assim, quem assistiu os seminários de Lacan disse que era exatamente desta forma, que Lacan falava de maneira livre, de forma solta, deixando os conteúdos virem. Neste ponto, quando lemos Freud é diferente – e confesso que prefiro. Analisando o texto, a escrita de Freud, percebemos uma postura investigativa, a de um cientista. Freud era um pesquisador! Ele só foi para a clínica porque era pobre e não tinha dinheiro para se casar com Martha. No entanto, foi a clínica que lhe deu subsídios ao desenvolvimento da sua obra. É a clínica que constrói a psicanálise.
Fico sempre imaginando Sigmund Freud anunciando a psicanálise, na virada do século XIX/XX, falando de sexualidade infantil e sendo visto pelos próprios companheiros médicos como um pervertido, se ele tivesse recuado? Para mim o pai das psicoterapias é Freud, porque começou com ele. Quase todos os dissidentes que formularam mais tarde as suas próprias teorias psicológicas beberam ou vieram da psicanálise. Jung, Adler, Aaron Beck, Perls, Viktor Frankl, entre tantos outros. Wundt é considerado o pai da psicologia moderna, mas os seus estudos não iniciaram com clínica, na época se buscava compreender os processos psicológicos básicos. Teoria psicológica para fins clínicos se iniciou com Freud. A psicanálise não vem da psicologia, ela vem da psiquiatria. É uma rua que caminhou desde sempre paralela. A psicanálise entra nos cursos de graduação em psicologia por conta da história clínica. Lembrando também que não se deve resumir a Psicologia em psicoterapia apenas. Mas, parafraseando o psicanalista David Zimerman, psicoterapia e psicanálise são como dia e noite, embora existem extremos entre a claridade do dia e a escuridão da noite, há também a aurora e o crepúsculo, e neles não se pode distinguir quando começa um e em que ponto terminaria o outro.
Esse texto é para dividir a paixão que estou tendo pela graduação de psicologia, assim como a paixão que sempre carreguei pela psicanálise. E admito que não enxergo, facilmente, diferenças significativas entre as próprias teorias psicológicas, quando estamos falando de clínica, sejam elas comportamentais, cognitivas, humanistas, psicanalíticas, sócio-históricas. São formas distintas de enxergar os fenômenos psicológicos, o que diferencia é o referencial teórico. Gosto bastante quando os meus próprios amigos e colegas de classe zombam dizendo que não sabem se gosto mais da psicanálise, da comportamental ou da cognitiva, apostando até que termino o curso no humanismo. Ficarei feliz se conseguir absorver o conhecimento de todas as teorias psicológicas. Penso que na clínica o profissional segue uma abordagem específica para se nortear, pois numa forma de enxergar o fenômeno ele conduz o tratamento por um caminho, mas enxergando de outra forma conduziria por outro, não se mistura as técnicas para não se perder e mais confundir o paciente. Mas, quanto mais estudo, mais defendo que a leitura do fenômeno pouco importará no resultado final. Pretendo me manter aberto durante o curso, para aprender e crescer a partir dele, e também para pesquisar e poder de alguma forma contribuir nesse conhecimento. Assim como o Freud.
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