Quem diria que esse blog chegaria tão longe... Certamente eu não diria. Esse espaço completa neste mês quinze anos (!) e quando ele foi criado não imaginava que continuaria por tanto tempo. Já são 306 postagens, entre textos na grande maioria meus, vídeos, imagens e tudo aquilo que compôs a minha história. Tenho muito orgulho, principalmente da pessoa que me permiti tornar a partir daqui. Escrever certamente é uma tarefa fantástica, porque além de ser prazeroso, também possibilita refletir sobre o conteúdo e isso de alguma forma é terapêutico também. Existem muitas formas de terapia, mas todas envolvem algum tipo de produção e os textos aqui são as minhas produções, quando não sempre coloquei os autores, mas o fato é que isso envolveu e envolve até hoje um saber. Um saber muito particular que sem dúvida nenhuma foi o material para muitas ressignificações. É a partir desta palavra que construirei agora todo esse texto de comemoração: RESSIGNIFICAÇÃO.
A imagem da comemoração de um aniversário é significativa, no entanto escolhi a imagem de uma pessoa soprando vela de aniversário para aludir a um ponto de luz em torno de muita escuridão, porque é exatamente assim que enxergo esse blog; ele sempre envolveu a minha própria escuridão. Engraçado que me lembro certa vez de um amigo me dizer, lá no começo nos primeiros anos daqui, que o incomodava esse espaço ser visualmente muito escuro, o quanto ele tinha vergonha de acessá-lo na faculdade por exemplo, porque esse layout preto lhe remetia a sites de pornografia! Achei muito sugestiva essa associação entre escuridão, sexualidade e psicanálise... E “Freud explica”.
A analogia com a escuridão é porque escolhi olhar para ela e isso envolveu me voltar ao passado e nesse ponto é perfeita a associação com a psicanálise, porque nenhuma análise passará ilesa disso; você terá de olhar para algumas coisas que possivelmente não gostaria. E costuma ser lá no passado que elas se encontram. Ao longo desse texto farei sempre essa ponte entre escrever e minha própria análise, porque vejo muitas semelhanças. A escrita não foi o meu processo psicanalítico de análise, mas certamente teve muito dele também. Aqui escrevi muito sobre minha vida, sobre minha relação com meus pais, sobre minha infância e isso foi como se jogasse uma luz sobre vários temas complicados e ter de pensar sobre algumas experiências que muitas vezes tentava esquecer. Apesar de hoje enxergar completamente diferente de como já fui um dia, sei o quanto isso foi um processo.
Quando criei esse espaço estava com dezenove anos e meu pai tinha acabado de falecer. Quando uma pessoa bastante debilitada chega a falecer, você até “entende”, é mais possível de assimilar isso. Mas quando um homem aparentemente saudável entra andando num hospital apenas reclamando de fortes dores no peito, mas sai de lá, no mesmo dia, dentro de um caixão é duro de aceitar. Você se pergunta como(?), quando(?), onde(?), em que momento não foi capaz de notar o que estava crítico. Meu pai bebia muito, ele fumava bastante, não se alimentava direito nem praticava atividade física, mas nenhum filho deveria enterrar seu pai tão jovem de infarto, tendo ele apenas cinquenta anos! Levei semanas para acreditar que num dia meu pai estava vivo e no outro estava enterrando-o. Aquilo mexeu muito comigo e não quis admitir que sentiria muito a sua falta; ele podia ser difícil, podíamos brigar, ter nossas desavenças (normais até entre pais e filhos), mas sempre fomos amigos! Me lembro de sair do meu quarto no dia seguinte a sua morte e olhar para aquela mulher sentada na mesa da cozinha me olhando e pensar o seguinte: “por que não foi você?! Pelo menos ele eu conhecia...”.
Sim, precisei me autorizar a pensar e a falar sobre isso em análise. Não sabia muitas coisas sobre a minha mãe; sabia que ela era uma mulher extraordinária que sempre trabalhou e... E eu não sabia muitas coisas mais! Não sabia a sua cor favorita, como sabia qual era a do meu pai, porque ele me ensinou a pintar. Não sabia onde ela tinha nascido; com o que brincava quando criança; o que ela gostava mais; ou quais eram os seus sonhos e medos. Sabia muito pouco sobre ela. Tinha apenas um profundo respeito e uma grande admiração por uma mulher que trabalhava em dois empregos, dia e noite, para cuidar financeiramente da nossa casa. Meu pai podia ter todos os defeitos do mundo, ele podia me bater, podíamos brigar o tempo todo, mas ele tinha também boas qualidades: ele era presente, amigo, não media esforços para demonstrar amor pela família, vivia para os filhos.
Então me sentei ao seu lado na mesa, pus um café e começamos o que sempre fazia com meu pai: conversar. Daquele dia em diante, acredito que passei a conhecer realmente a minha mãe e pude comprovar aquilo que já imaginava, ela é uma mulher tão fantástica quanto o meu pai e eles fizeram uma ótima dupla; ela quem dava o suporte a ele, se meu pai era sinônimo de Intensidade, a minha mãe é de Força!
Estou escrevendo sobre tudo isso, porque hoje está mais fácil olhar para isso, mas aos dezoito anos não era! Tinha parado de estudar, estava desempregado, entrei num quadro depressivo após a morte do meu pai, minha mãe adoeceu e se afastou do trabalho no INSS, tínhamos muitas dívidas, não podia contar com meu irmão, chegamos até a passar fome nessa época e saber que é você quem está segurando o leme de um barco que está afundando no meio de uma tempestade é muito assustador! Esse foi um dos principais motivos que me levou a criar o blog, escrever era uma forma de dar vazão a tudo isso. Não tinha a menor noção sobre o que escrever, da mesma forma de quando estamos numa análise e não temos a menor ideia sobre o falar, mas da mesma forma que falar sobre, escrever me ajudou. Foi quando entendi que escrever sobre esses temas, e falar sobre eles na minha análise, era uma decisão de olhar para “aquele ponto escuro” da minha vida e isso me ajudou a continuar.
Muitos textos aqui escrevi chorando, porque era assustador, dolorido, pesado e custoso pensar e escrever sobre algumas experiências, mas eu não desistia! Muitos professores meus de psicologia me parabenizavam pela coragem de me expor desta forma nos meus textos, mas nunca fiz isso para os outros, fazia por mim primeiramente. Tinha a necessidade de escrever sobre a minha história, de pertencer a ela; de aceitar e de integrar cada parte sendo boa ou nem tanto. Aos poucos fui compreendendo que aquilo que chamava de ferida era na verdade a chama que iluminava o caminho! O bom de escrever, principalmente de fazer análise, ou mesmo uma psicoterapia, é a chance de se permitir olhar para o passado, sem julgamento, e poder ressignificar antigas experiências. De repente, aquilo que parecia tão assustador, se tornou até engraçado agora; aquilo que um dia foi motivo de dor, se tornou um motivo de orgulho e de superação; o peso diminuiu dos meus ombros e a vida se tornou mais leve; comecei a ver a beleza do cenário todo, ao invés de me fixar em detalhes e falhas. Hoje procuro pensar na vida como um fenômeno fascinante e isso muda tudo. Isso mudou a mim!
Às vezes tudo o que a gente procura é um caminho de volta para casa, para dentro de nós mesmos e nos sentir seguros ao passar por processos de dor e angústia, e de luto; mas isso envolve um encontro com as nossas raízes mais profundas que nos conectam com o nosso passado e com a criança que fomos um dia, que de alguma forma habita cada um de nós na fase adulta. Nesse ponto todos somos iguais, parafraseando Sigmund Freud, sofremos de reminiscências (de um passado não digerido) que se atualiza constantemente no presente, até que possamos integrar esse passado e ressignificar as vivências.
Assista o filme abaixo, é muito bonito, fala de processos de luto e os caminhos que todos nós fazemos para nos encontrar. Viver é passar por contínuos lutos, dos mais simbólicos aos mais literais.