“O inconsciente familiar forma uma rede invisível, que encerra de forma vertical a todos os membros de uma família, e desde gerações os envolve num nível inconsciente de destino. Da mesma forma age de forma horizontal, com todos os membros vivos da família em uma rede afetiva muito profunda. Assim, a análise do destino considera o homem não como um indivíduo isolado, mas enraizado no contexto visível e invisível que o acompanha por toda a vida, no seu futuro e no daqueles que virão”. (L. Szondi)
Sempre fui fascinado pela ideia de “Destino”. Durante toda a minha vida, a medida em que ia tomando as minhas decisões, volta e meia me percebia orbitando nessa ideia. O homem estaria livre para construir a própria vida – o que significaria sem determinantes – ou estaria ele predestinado ou condicionado em alguma medida? Essa é uma das reflexões mais célebres – talvez ainda sem resposta – dentro da filosofia, e mesmo dentro da própria psicologia que se pretende a estudar a subjetividade e o comportamento humano. Podemos tentar respondê-la a partir de determinadas perspectivas, sejam filosóficas, biológicas, psicológicas, religiosas, por vezes esotéricas ou místicas, mas a meu entender, no “frigir dos ovos” como dito antigo, essa questão não fecha. Ela é em si polêmica – pois envolve crenças de toda ordem e de toda sorte – e é complexa – como tudo o que envolve o homem e o seu agir no mundo. O objetivo então do texto de hoje é promover a reflexão – ainda que breve – sobre esse tema que me fascina. Destino. E trazer alguns posicionamentos teóricos para cruzarmos com os nossos pensamentos. Gostaria que ficasse com essa reflexão em mente e, caso nunca a tenha feito, tentasse agora se responder:
Você é livre para construir o seu destino?
Se sim, até que ponto?
Na Grécia Antiga, acreditava-se que o destino dos deuses e dos homens era tecido pelas Moiras. Essas entidades sinistras eram conhecidas como três irmãs, filhas de Nix a deusa da noite, que teriam a capacidade de fabricar, tecer e cortar o fio da vida, sendo então as responsáveis pelo nascimento, crescimento e morte de todos os seres.
Segundo a bíblia, ao profeta Jonas foi dada por Deus uma missão; deveria ele ir à cidade de Nínive e alertar os que lá viviam do iminente castigo divino, devido ao comportamento das pessoas. Mas, contrariando a vontade do Senhor, Jonas se nega e pega intencionalmente um outro destino. Durante seu trajeto em alto mar, surge uma enorme tempestade e os marinheiros, percebendo que aquilo não era comum, clamam aos seus deuses, até desconfiarem de Jonas, que admite ser por sua causa a ira de Deus e pede que o atirem ao mar que a tempestade cessará. Sem outra alternativa já que a tempestade não cessava, os marinheiros o lançam ao mar. A tempestade se acalma e Jonas é milagrosamente engolido por um peixe grande. Dentro do peixe três dias e três noites, o profeta se arrepende, ora e clama a Deus prometendo cumprir a sua tarefa. Deus ordena ao peixe que vomite Jonas em terra firme e novamente o manda ir a Nínive cumprir a sua missão.
Vou fazer agora a abertura de um parênteses aqui. O meu nome foi extraído justamente desta passagem bíblica, em homenagem a esse profeta. Não sei se Jung diria que haveria aqui uma força arquetípica operando sobre em mim, mas posso afirmar que, estranhamente, tenho a mesma “personalidade” dessa personagem – ora sábio, maduro, ora infantil, queixoso e reclamão. E durante a minha vida inteira embora sentisse certa “inclinação” para alguns caminhos, intencionalmente peguei outros – como se para afirmar que na minha vida mando eu. Quis escrever esse parágrafo agora para já antecipar mais ou menos a minha opinião quanto a nossa pergunta inicial (lembra?), mas prometo que deixarei mais claro o meu posicionamento até o final desse texto.
Como sabem (já mencionei em textos anteriores) estou me graduando em psicologia. Neste semestre a professora de Behaviorismo nos trouxe um texto que ilustra bem o assunto de hoje, que se chama "O conceito de liberdade e suas implicações para a clínica", de Alexandre Dittrich (encontra-se no livro Clínica analítico-comportamental. Aspectos teóricos e práticos). Esse texto é interessante porque aborda justamente este embate: o livre arbítrio e o determinismo. Recomendo a leitura para complexificar a nossa análise. Como já dei a dica então, essa nossa professora é uma psicóloga behaviorista – e radical. Então ela tem uma visão de homem que está consonante com esse referencial teórico. Estou tendo a oportunidade agora na graduação de conhecer melhor o que de fato é o behaviorismo, confesso que estou gostando bastante. Da perspectiva do modo causal de seleção por consequência, todos os nossos comportamentos envolvem níveis filogenético, ontogenético e cultural. Como disse lá no primeiro parágrafo, para responder aquela pergunta inicial então, depende da perspectiva.
Como podem observar em meus textos aqui no blog, gosto bastante da teoria psicanalítica e assim como o behaviorismo, a psicanálise é até hoje considerada por muitos bastante determinista. E existe um teórico, pouco conhecido aqui no Brasil nesse universo, chamado Lipót Szondi. Szondi foi um médico, psiquiatra e psicanalista húngaro que buscou desenvolver uma Psicologia Profunda, criando o que seria uma terceira dimensão do inconsciente; Sigmund Freud (o inconsciente pessoal), Carl G. Jung (o inconsciente coletivo) e Szondi (o inconsciente familiar). Cabe ressaltar que as ideias de Szondi não foram amplamente aceitas e o seu teste projetivo que ficou conhecido como “Teste de Szondi” não foi validado em todos os países (como o Brasil por exemplo).
Particularmente achei o teste Szondi bastante interessante quando o fiz. Em todo o caso, faço menção a esse psicanalista porque ele desenvolveu o que chamou de Análise do Destino. Como no texto de hoje estou trabalhando – ainda que breve – as ideias de destino, livre-arbítrio, determinismo e psicologia, achei bastante oportuno trazê-lo. Szondi desenvolveu uma teoria biopsíquica e segundo ele, a demanda pulsional reprimida de uma pessoa constitui o fator desencadeador de questões muito mais profundas, que seriam hereditárias geneticamente. O ser humano não teria somente um único destino, mas tantas possibilidades de destino quantos ascendentes marcantes ele trouxer em seu patrimônio hereditário; e essas possibilidades genéticas de destino moldarão desde a escolha de seu parceiro amoroso, até a sua profissão ou uma doença que venha a desenvolver ao longo da vida.
Após ler o parágrafo anterior, a mim é inevitável chegar nele, o alemão Bert Hellinger, desenvolvedor da Constelação Familiar – prática que até o momento não é reconhecida pelo Conselho Federal de Psicologia. Contudo, o objetivo aqui é fazer apenas um paralelo com a teoria de Bert Hellinger. Leia apenas essa frase dele, "Destino é aquilo que alguém segue e, na verdade, frequentemente sem saber por quê. Quando se olha com exatidão, pode-se ver que o destino é determinado por uma consciência coletiva inconsciente que atua nas famílias. Essa consciência só pode ser reconhecida em seus efeitos." E aí, espero que continue refletindo a nossa pergunta inicial.
Vamos sair de perspectivas “inconscientes”. No semestre passado li um livro sobre TE (Terapia do Esquema), ela é um modelo de psicoterapia cognitiva que foca no tratamento de diversos transtornos de personalidade. Não conhecia muito sobre psicoterapias cognitivas, em especial esta – ainda sei superficialmente –, mas, dentro da perspectiva cognitivista, pelo pouco que pude entender, a partir da infância o ser humano desenvolve esquemas (padrões de pensamentos e comportamentos) e modos esquemáticos (“estados” que são ativados em determinadas situações) que levará até a vida adulta, e alguns podem ser desadaptativos, disfuncionais, autodestrutivos etc.
Segundo essa perspectiva cognitivista, o ser humano enxergará o mundo e se comportará nele utilizando esses esquemas cognitivos (chamados também de crenças). Trago esse parágrafo para dizer que, antes de sabermos se de fato um ser humano é ou não livre, talvez precisaríamos, ou faria mais sentido, entender o que uma pessoa acredita. Se para ela o seu destino é definido pelos deuses, assim poderá ser. Mas se ela acredita que constrói o seu destino a partir do seu querer e das próprias ações – como tão propagado hoje em dia no mundo corporativo pelo coaching – assim será também. Por isso é inútil discutir com quem acredita em astrologia, porque a pessoa “enxerga” razão nisso; da mesma forma que é inútil discutir com quem fala no poder do indivíduo de mudar a própria história a partir de forças individuais, pois se essa pessoa acredita nisso, é o que vai (conseguir) enxergar.
Bem, e qual é a minha visão? Todas estão corretas. Não estou querendo dar uma “ensaboada” aqui. Mas assim como tenho minha fé e acredito em Deus, faz sentido – para mim – que determinadas circunstâncias na minha vida deverei passar, mesmo sendo me dado o livre arbítrio. De um ponto de vista behaviorista, pensando que liberdade não é um estado absoluto, mas que existiria “graus de liberdade”, posso entender que a partir das minhas escolhas obtenho certa liberdade – mesmo ainda condicionado. Sinceramente acredito que todo ser humano carrega uma herança genética de seus antepassados que se traduzirá, em maior ou menor grau, em seu destino – e o melhor a se fazer é ter consciência e olhar para essa ancestralidade o quanto antes possível. Por fim, concordo ainda que o destino do homem pode começar com seu pensamento, e finalizo com a célebre frase atribuída a Margaret Thatcher que diz isto, “Cuidado com seus pensamentos, pois eles se tornam palavras. Cuidado com suas palavras, pois elas se tornam ações. Cuidado com suas ações, pois elas se tornam hábitos. Cuidado com seus hábitos, pois eles se tornam o seu caráter. E cuidado com seu caráter, pois ele se torna o seu destino.”
“Destino é uma decisão autêntica do homem. Destino é a decisão de retornar a si mesmo, de transmitir-se a si mesmo e de assumir a herança das possibilidades passadas.” (Heidegger)
E aí, você sabe qual é o seu destino?