Quando colocamos um objeto contra luz vemos o aparecimento da sombra. Essa sombra não existiria sem o objeto. E se a sombra não existisse, isso significa que também não haveria uma luz e consequentemente não haveria face iluminada. O que pretendo dizer é que a sombra também é necessária ao que aparece sob à luz.
Entender
isso é de
extrema importância para nos aceitarmos como somos na totalidade. E
quando digo na totalidade me refiro a compreendermos e aceitarmos que
não somos, como ninguém é, uma
única coisa. Sim, temos virtudes.
Mas
também defeitos. Sim, somos pessoas boas com sentimentos e ações
nobres. Mas
também pessoas capazes de atitudes reprováveis e sentimentos ruins.
E
está tudo bem. Não digo isso para sairmos ofendendo ou machucando
as pessoas ao nosso
redor ou a nós mesmos
agindo sem controle, mas compreendendo
que somos animais
em evolução, principalmente de consciência.
Todos nós somos animais. A única coisa que nos diferencia dos outros [animais] é que temos maior consciência. Racionalidade. Mas também poder de escolha. Nós possuímos emoções, sentimentos e instintos. Temos raiva. Ódio. Ciúme. Inveja. Pensamentos negativos... Embora pouco admitidos. “Inveja, eu?”. “Ciúme?”. “Não sinto ódio de ninguém”. Quem de nós nunca proferiu falas assim? Só que está mentindo. Ou talvez ainda não tenha uma maior consciência de si mesmo.
Eu sei que você deve estar se perguntando o que ganharíamos admitindo coisas assim, e a resposta é: algum domínio. O primeiro passo para dominarmos minimamente uma situação é admitir nosso desconhecimento e assim podermos alcançar uma maior consciência. Foi desta forma que Sigmund Freud expôs à humanidade a sua terceira ferida narcísica com a psicanálise, ao nos revelar que somos muito mais do que a consciência que temos de nós próprios!
Jung trouxe o conceito de “sombra” logo em seguida. Sombras são conteúdos que estão no nosso inconsciente, distantes do que está sendo revelado na superfície através da persona. E segundo a psicologia analítica de Jung devemos buscar integrar esses conteúdos sombrios a nossa personalidade para obtermos uma melhor saúde psíquica.
Vou dar um exemplo. O meu próprio exemplo, pois acho a forma mais digna e fidedigna de retratar um assunto. Desde que meu pai faleceu quando eu tinha dezoito anos assumi o papel de homem da casa. Rapidamente peguei o leme e me tornei o cabeça da família, mesmo sendo o filho mais novo. Me sacrifiquei muitas vezes por todos ao colocar meus interesses em segundo, terceiro plano, para auxilia-los. Muitas vezes discutia com o meu irmão pedindo a ele mais apoio e ele sempre dizia a mesma coisa: “VOCÊ quem quer bancar o super-herói”. Eu me irritava e ficava chateado quando ele dizia isso, porque – no fundo – ele falava a verdade! Mas eu não sabia disso... Essa era uma verdade que eu não podia aceitar na época, obviamente. Eu relegava isso às sombras e tentava provar a ele o quanto eu seria responsável por nós dois!
Quem acompanha o blog sabe que desde criança aprendi a me virar sozinho. Só que aí existe uma ferida, porque eu queria mais apoio. Compreensão. Eu esperava que os meus pais fossem mais... “pais”. Parceiros. Mas amadureci muito rápido. Eu não esperava ter sempre que fazer os meus curativos. Preparar a minha própria comida. Eu tive que aprender a ser autossuficiente. Entendi, de alguma forma, que o meio exigia isso. Era necessário. Cheguei a acreditar que seria melhor até. Seria mais amado. Mais respeitado. Sofreria menos. Vesti o personagem daquele que se viraria sozinho e não aceitei a ajuda de ninguém. Pelo contrário, seria eu quem passaria a ajudar!
Mas dentro de mim existia uma criança esperando apoio. A verdade é que dentro de todos nós existe uma criança negligenciada, quase sempre ferida de alguma forma. Qual foi a minha ferida? A minha criança precisava de proteção. Compreensão. Estabilidade. Apoio. Mas por “n” razões não teve. Ou talvez eu li assim. Mas ao crescer o que me tornei? Um salvador. Aquele cara leal, ponta firme e disposto a ajudar a todos. Agora vamos lá, não vai ser difícil de adivinhar: Quem eu estou no fundo tentando salvar? A criança que ficou lá atrás! Salvar a mim mesmo.
Quando o meu irmão dizia lá quando eu tinha dezoito anos: “VOCÊ quem quer bancar o super-herói”, ele estava coberto de razão. Mas por que isso me irritava? Me irritava porque era verdade, mas eu não podia aceitar naquele momento isso, porque eu nem sequer tinha consciência desse mecanismo. Um mecanismo que se reproduzia e ainda se reproduz inconscientemente em todas as esferas da minha vida. No trabalho. Nas amizades. Na família. Relacionamentos afetivos... Estou sempre me colocando na posição de salvador, assumindo mais responsabilidades do que deveria, até me sobrecarregar com isso, me ressentir e assim me voltar contra as pessoas que um dia ofereci ajuda! Um típico caso de relação dramática descrito na teoria do Triangulo do Drama de Karpman.
Ok. Mas o que isso tem a ver com a sombra? E com a integrar esse conteúdo à personalidade? Vamos lá. Para me mostrar sempre como alguém forte, produtivo, autossuficiente e capaz de ajudar os outros, eu precisei em algum momento ocultar (inconscientemente) meu medo de me mostrar frágil. Meu medo de depender das pessoas. Minha insegurança por nem sempre saber o caminho. O medo de expor uma vulnerabilidade à toa e ser deixado depois para me virar sozinho (como quando eu era criança). Ou o que seria ainda pior: aceitar ajuda e amanhã a pessoa usar isso como moeda de troca e me pedir algo de volta. Eu não me sinto seguro na mão das pessoas! Sou controlador.
Isso
tudo
o que acabei de revelar era
sombra. Inconsciente. Na
superfície aparecia apenas o
“super-herói” ajudando a
todos para
no fundo "se
ajudar por tabela". Recebendo ganhos secundários por
status de “filho
responsável”.
“Menino de ouro”. “Aluno exemplar”. “Funcionário que ajuda a todos”... Fachada.
Não que eu não quisesse de fato ajudar as pessoas, mas
se eu for franco e honesto, estou
buscando primeiramente
com isso ajudar a
mim. É confortável,
e muito
útil a mim, o
papel de salvador porque
há
ganhos secundários evidentes. Isso significa que eu deveria parar
de ajudar os outros? Não. Mas isso
significa
que eu preciso estar consciente dessa
dinâmica e como propõe a psicanálise, investigar a causa desse
comportamento e encontrar a sua origem. E ao
invés de sair mundo à fora buscando vítimas para salvar, alimentando assim relações viciosas, pois
essa
“ajuda”
às vezes é um desserviço à própria
pessoa, preciso
acolher os meus medos, admitir
as
minhas
inseguranças e vulnerabilidades, e
aprender
a
aceitar
e a pedir
ajuda também.
Quando passei a fazer análise ganhei maior consciência das minhas sombras. Não para muda-las, mas para integra-las. Acolhe-las a minha personalidade. Isso faz parte de quem eu sou. Não culpo os meus pais, porque tenho certeza que eles fizeram o melhor que puderam dentro das circunstâncias da época. Sou grato a eles e os amo. Mas estou aqui hoje, vivo e forte. E agora cabe a mim trabalhar as minhas questões. Hoje sou adulto. Tenho mais ferramentas para elaborar os dramas passados pela criança. E entendo que tudo o que passei, mesmo que na hora tenha sido difícil, me fez forte também. Sempre podemos extrair algo de bom de qualquer experiência. A questão é se estamos abertos e dispostos a fazer isso. Como adultos precisamos nos apropriar de nossa história, lidar com os nossos traumas e elaborar isso para que resulte em algo bom. As feridas devem trazer algo de positivo para nós. Nem que seja uma lição!
Jung tem uma frase que diz assim: “Até você se tornar consciente, o inconsciente irá dirigir sua vida e você vai chamá-lo de destino”.
Gostaria que soubesse que o meu objetivo em contar minhas
histórias aqui no blog não é para me expor à toa. É para
mostrar que somos capazes de melhorar, e o primeiro passo é querer. Busque ajuda profissional.