domingo, 11 de julho de 2021

CURA DA CRIANÇA INTERIOR FERIDA


 

     Quando colocamos um objeto contra luz vemos o aparecimento da sombra. Essa sombra não existiria sem o objeto. E se a sombra não existisse, isso significa que também não haveria uma luz e consequentemente não haveria face iluminada. O que pretendo dizer é que a sombra também é necessária ao que aparece sob à luz.

      Entender isso é de extrema importância para nos aceitarmos como somos na totalidade. E quando digo na totalidade me refiro a compreendermos e aceitarmos que não somos, como ninguém é, uma única coisa. Sim, temos virtudes. Mas também defeitos. Sim, somos pessoas boas com sentimentos e ações nobres. Mas também pessoas capazes de atitudes reprováveis e sentimentos ruins. E está tudo bem. Não digo isso para sairmos ofendendo ou machucando as pessoas ao nosso redor ou a nós mesmos agindo sem controle, mas compreendendo que somos animais em evolução, principalmente de consciência.

      Todos nós somos animais. A única coisa que nos diferencia dos outros [animais] é que temos maior consciência. Racionalidade. Mas também poder de escolha. Nós possuímos emoções, sentimentos e instintos. Temos raiva. Ódio. Ciúme. Inveja. Pensamentos negativos... Embora pouco admitidos. “Inveja, eu?”. “Ciúme?”. Não sinto ódio de ninguém”. Quem de nós nunca proferiu falas assim? Só que está mentindo. Ou talvez ainda não tenha uma maior consciência de si mesmo.

      Eu sei que você deve estar se perguntando o que ganharíamos admitindo coisas assim, e a resposta é: algum domínio. O primeiro passo para dominarmos minimamente uma situação é admitir nosso desconhecimento e assim podermos alcançar uma maior consciência. Foi desta forma que Sigmund Freud expôs à humanidade a sua terceira ferida narcísica com a psicanálise, ao nos revelar que somos muito mais do que a consciência que temos de nós próprios!

      Jung trouxe o conceito de “sombra” logo em seguida. Sombras são conteúdos que estão no nosso inconsciente, distantes do que está sendo revelado na superfície através da persona. E segundo a psicologia analítica de Jung devemos buscar integrar esses conteúdos sombrios a nossa personalidade para obtermos uma melhor saúde psíquica.

      Vou dar um exemplo. O meu próprio exemplo, pois acho a forma mais digna e fidedigna de retratar um assunto. Desde que meu pai faleceu quando eu tinha dezoito anos assumi o papel de homem da casa. Rapidamente peguei o leme e me tornei o cabeça da família, mesmo sendo o filho mais novo. Me sacrifiquei muitas vezes por todos ao colocar meus interesses em segundo, terceiro plano, para auxilia-los. Muitas vezes discutia com o meu irmão pedindo a ele mais apoio e ele sempre dizia a mesma coisa: “VOCÊ quem quer bancar o super-herói”. Eu me irritava e ficava chateado quando ele dizia isso, porque – no fundo – ele falava a verdade! Mas eu não sabia disso... Essa era uma verdade que eu não podia aceitar na época, obviamente. Eu relegava isso às sombras e tentava provar a ele o quanto eu seria responsável por nós dois!

      Quem acompanha o blog sabe que desde criança aprendi a me virar sozinho. Só que aí existe uma ferida, porque eu queria mais apoio. Compreensão. Eu esperava que os meus pais fossem mais... “pais”. Parceiros. Mas amadureci muito rápido. Eu não esperava ter sempre que fazer os meus curativos. Preparar a minha própria comida. Eu tive que aprender a ser autossuficiente. Entendi, de alguma forma, que o meio exigia isso. Era necessário. Cheguei a acreditar que seria melhor até. Seria mais amado. Mais respeitado. Sofreria menos. Vesti o personagem daquele que se viraria sozinho e não aceitei a ajuda de ninguém. Pelo contrário, seria eu quem passaria a ajudar!

      Mas dentro de mim existia uma criança esperando apoio. A verdade é que dentro de todos nós existe uma criança negligenciada, quase sempre ferida de alguma forma. Qual foi a minha ferida? A minha criança precisava de proteção. Compreensão. Estabilidade. Apoio. Mas por “n” razões não teve. Ou talvez eu li assim. Mas ao crescer o que me tornei? Um salvador. Aquele cara leal, ponta firme e disposto a ajudar a todos. Agora vamos lá, não vai ser difícil de adivinhar: Quem eu estou no fundo tentando salvar? A criança que ficou lá atrás! Salvar a mim mesmo.

      Quando o meu irmão dizia lá quando eu tinha dezoito anos: “VOCÊ quem quer bancar o super-herói”, ele estava coberto de razão. Mas por que isso me irritava? Me irritava porque era verdade, mas eu não podia aceitar naquele momento isso, porque eu nem sequer tinha consciência desse mecanismo. Um mecanismo que se reproduzia e ainda se reproduz inconscientemente em todas as esferas da minha vida. No trabalho. Nas amizades. Na família. Relacionamentos afetivos... Estou sempre me colocando na posição de salvador, assumindo mais responsabilidades do que deveria, até me sobrecarregar com isso, me ressentir e assim me voltar contra as pessoas que um dia ofereci ajuda! Um típico caso de relação dramática descrito na teoria do Triangulo do Drama de Karpman.

      Ok. Mas o que isso tem a ver com a sombra? E com a integrar esse conteúdo à personalidade? Vamos lá. Para me mostrar sempre como alguém forte, produtivo, autossuficiente e capaz de ajudar os outros, eu precisei em algum momento ocultar (inconscientemente) meu medo de me mostrar frágil. Meu medo de depender das pessoas. Minha insegurança por nem sempre saber o caminho. O medo de expor uma vulnerabilidade à toa e ser deixado depois para me virar sozinho (como quando eu era criança). Ou o que seria ainda pior: aceitar ajuda e amanhã a pessoa usar isso como moeda de troca e me pedir algo de volta. Eu não me sinto seguro na mão das pessoas! Sou controlador.

      Isso tudo o que acabei de revelar era sombra. Inconsciente. Na superfície aparecia apenas o “super-herói” ajudando a todos para no fundo "se ajudar por tabela". Recebendo ganhos secundários por status de “filho responsável”. “Menino de ouro”. “Aluno exemplar”. “Funcionário que ajuda a todos”... Fachada. Não que eu não quisesse de fato ajudar as pessoas, mas se eu for franco e honesto, estou buscando primeiramente com isso ajudar a mim. É confortável, e muito útil a mim, o papel de salvador porque ganhos secundários evidentes. Isso significa que eu deveria parar de ajudar os outros? Não. Mas isso significa que eu preciso estar consciente dessa dinâmica e como propõe a psicanálise, investigar a causa desse comportamento e encontrar a sua origem. E ao invés de sair mundo à fora buscando vítimas para salvar, alimentando assim relações viciosas, pois essa “ajuda” às vezes é um desserviço à própria pessoa, preciso acolher os meus medos, admitir as minhas inseguranças e vulnerabilidades, e aprender a aceitar e a pedir ajuda também.

      Quando passei a fazer análise ganhei maior consciência das minhas sombras. Não para muda-las, mas para integra-las. Acolhe-las a minha personalidade. Isso faz parte de quem eu sou. Não culpo os meus pais, porque tenho certeza que eles fizeram o melhor que puderam dentro das circunstâncias da época. Sou grato a eles e os amo. Mas estou aqui hoje, vivo e forte. E agora cabe a mim trabalhar as minhas questões. Hoje sou adulto. Tenho mais ferramentas para elaborar os dramas passados pela criança. E entendo que tudo o que passei, mesmo que na hora tenha sido difícil, me fez forte também. Sempre podemos extrair algo de bom de qualquer experiência. A questão é se estamos abertos e dispostos a fazer isso. Como adultos precisamos nos apropriar de nossa história, lidar com os nossos traumas e elaborar isso para que resulte em algo bom. As feridas devem trazer algo de positivo para nós. Nem que seja uma lição!

      Jung tem uma frase que diz assim: “Até você se tornar consciente, o inconsciente irá dirigir sua vida e você vai chamá-lo de destino”.

     Gostaria que soubesse que o meu objetivo em contar minhas histórias aqui no blog não é para me expor à toa. É para mostrar que somos capazes de melhorar, e o primeiro passo é querer. Busque ajuda profissional.


sábado, 3 de julho de 2021

Desperte! Antes que a vida te faça acordar.

 


      De todas as virtudes que possuo em mim, na minha personalidade, se me perguntassem qual, ao meu ver, seria aquela mais forte, a mais intensa, eu responderia a gratidão. Eu sou muito grato à vida por tudo o que já me aconteceu e ainda acontece. E isso é tão forte em mim que posso afirmar que a gratidão alicerça a minha vida em todos os setores. A fé que tenho na vida, nas pessoas, no meu dia a dia, no meu trabalho, em tudo aquilo que brota, em tudo aquilo que coloco as minhas mãos é tão essencial para mim como respirar. Faço tudo com fé e esperança, sempre.

      Eu poderia dizer que, desde de sempre, a fé é o que me alimenta! A fé é o sentimento de esperança. De confiança. De total entrega. E eu tenho tantaque acredito sinceramente que essa fé é o que me proporciona as condições necessárias para ter gratidão, porque é como se eu me sentisse pleno. Satisfeito. Em paz. Eu não consigo imaginar o que seria da minha vida sem ter fé. Sem acreditar que existe algo além daqui. Para mim somos muito mais do que matéria. O aspecto material da vida é importante, mas o lado espiritual da nossa existência é essencial.

      Vou dividir com vocês uma história que acompanhei e me marcou bastante. Há muitos anos, num dos meus primeiros empregos, eu trabalhava numa empresa e a minha chefe era uma mulher muito competente, decidida e forte. Eu via aquela mulher como um exemplo de profissional, eu a admirava muito, até como pessoa.

      Em todos os locais em que trabalhei facilmente me tornei o braço direito da gerência ou da diretoria. E não raro, um confidente. Nesse emprego, era comum essa minha chefe passar pela minha sala e fazer um leve sinal com a cabeça discretamente me convidando. “Vamos dar uma volta...” - dizia ela toda vez, enquanto caminhávamos pelos corredores ao local onde a assisti inúmeras vezes desabafar.

      Com o passar do tempo, nossa confiança só aumentava, mas eu a assistia murchar aos poucos... Pressentia que algo estava acontecendo com ela, mas pressentia também que seriam processos íntimos e que ela estaria os maturando ainda. Então, certo dia numa dessas nossas conversas, me disse ela o seguinte: “Sou jovem. Bonita. Tenho dinheiro. Sou bem sucedida profissionalmente. Casada, com dois filhos lindos. Eu tenho mais do que a sociedade disse que uma mulher na minha idade precisaria atingir na vida. Me diz: por que eu não sou feliz?!”. Aquilo ecoou.

      Demorei alguns segundos para processar o que acabara de ouvir, enquanto a assistia chorar copiosamente com olhos esvaziados de qualquer brilho. Talvez o que você precise seja ouvir mais a si mesma e se importar menos com o lado externo.- disse isso a ela. Aconselhei-a também a buscar ajuda profissional. Ela procurou um médico e começou a fazer terapia. E paralelo a isso, ela buscou pela espiritualidade. Começou a fazer vários cursos de autodesenvolvimento. Passou a investir mais em autoconhecimento também. Pouco a pouco, assisti uma mulher descobrir novos valores, como humildade, generosidade, fé e gratidão. E isso fez muito bem a ela!

      Hoje quando olho para trás e penso sobre essa história, me recordo de alguém que optou pela espiritualidade e se agarrou na fé, quando percebeu que os seus bens materiais não bastaram. Alguém que focou em autoconhecimento e através de cursos e de psicoterapia descobriu novos valores e encontrou mais saúde e paz de espírito. Histórias como essa, eu poderia citar várias que presenciei ao longo da minha vida. Histórias que serviram para reforçar tudo aquilo que acredito, busco e prego; de que nós somos muito mais do que somos capazes de ver ou ter. A vida em si não tem sentido algum. Somos nós que somos capazes de conferir algum sentido a nossa existência. E isso passa por aquilo que sentimos e que fazemos os outros sentirem. Dessa forma, os nossos relacionamentos ganham um papel central na nossa vida.

      Todos os dias as pessoas passam pela nossa vida, pelo nosso caminho. Seja no trabalho. Na faculdade. Na sociedade. Mesmo dentro de casa. O que você está levando? Que imagem você deixa nas pessoas? Nesses breves encontros dividimos um pouco de nós e recebemos um pouco dos outros. Procuro hoje estar mais consciente nas minhas relações. Nas minhas ações. Gosto de seguir com. Ser grato. Mas aprendi a pensar também que devemos nos perguntar sempre qual seria a nossa colaboração nas nossas relações. Nos atentar ao que estaríamos semeando nos relacionamentos. Primeiro, porque nós somos corresponsáveis pelos acontecimentos. Segundo, porque teremos que colher aquilo que plantamos em algum momento.

      Busque por autoconhecimento. Apegue-se mais à espiritualidade independente de religião; muitas pessoas são espiritualizadas e não têm qualquer religião. Adquira valores melhores. Aos poucos você se sentirá mais grato. E se perceberá mais consciente também.