domingo, 31 de janeiro de 2021

O PONTAPÉ INICIAL AO SEU AUTOCONHECIMENTO

 

     Eu não gosto de dar conselhos a ninguém. Faço em raras exceções, quando alguém me pede isso, o que ainda procuro me policiar ao máximo para não ditar o que a pessoa deveria fazer. Penso que para ajudar de fato, o ideal nesses casos é sempre devolver à pessoa perguntas que a façam refletir sobre a sua dúvida e com isso sozinha ela será capaz de encontrar as melhores respostas. Parto de um princípio então de que todos nós já possuímos dentro de nós mesmos as respostas para todos os nossos dilemas. Mas se eu tivesse que escolher um único conselho que pudesse ser empregado indistintamente a qualquer pessoa, em qualquer situação e tempo, certamente eu reproduziria a famosa inscrição na entrada do Oráculo de Delfos: “conhece-te a ti mesmo.” Busque autoconhecimento.

     Eu sei também que apesar de todos falarem que autoconhecimento é importante, não é uma tarefa fácil, nem simples, principalmente às pessoas que não têm esse hábito. O autoconhecimento requer a realização de uma investigação interna constante. Mas não raro percebo que muitas pessoas não sabem nem por onde começar a trilhar um caminho rumo ao seu autoconhecimento. Fica uma coisa abstrata demais. Muito subjetiva. Às vezes mística. Enfim, algo de difícil compreensão do que seria isso e mais difícil ainda de como colocar em prática isso no dia a dia. Acredito então que facilitaria muito ter uma técnica básica, um método possível, algo simples que qualquer pessoa pudesse encontrar ao menos um ponto de partida.

     Com o propósito de ajudar essas pessoas, hoje faço esse texto. O meu objetivo é mostrar o caminho das pedras. Caminho esse que um dia eu trilhei e descreverei aqui algumas práticas valiosas que um dia eu mesmo fiz e hoje recomendo a qualquer pessoa que queira se conhecer melhor. Se você é uma pessoa que tem pouco conhecimento sobre si mesma, mas gostaria de melhorar nesse sentido, então eu peço que leia esse texto com atenção, com a sua mente bastante aberta, não julgue nenhuma das propostas passadas aqui, sem antes se permitir realiza-las.

     Antes de iniciarmos gostaria de dizer que a melhor forma de obter autoconhecimento é através de psicoterapia ou fazendo análise. Se isso for viável a você nesse momento, pense sobre procurar um psicólogo ou um psicanalista e certamente esse profissional te auxiliará de forma personalizada no caminho rumo ao seu autoconhecimento.

     Bom, vamos lá! Apesar de algumas pessoas não gostarem muito de realizar testes psicológicos e comportamentais, eu posso garantir que eles podem ajudar sim – e muito – no processo de autoconhecimento. Mas é fato também que nenhum teste no mundo é capaz de revelar com cem por cento de precisão a complexidade que é a personalidade humana. Mas o meu objetivo aqui também nem é este. Fazer você se descobrir. O meu objetivo é te provocar reflexões a partir de um ponto de partida que você chegará sozinho, validará com o seu meio e empiricamente você poderá se trabalhar nesse processo através de reflexões e autoanálise.

     Comecei meus processos de autoconhecimento ainda na infância e início da adolescência. Não sabia por onde começar na época, de que ponto puxar o pensamento; o que deveria ser analisado primeiro. Eu precisava de algo para começar. Um mínimo esboço sobre mim, sobre a minha personalidade. Adoro utilizar a seguinte analogia. Quando vamos elaborar um texto ou realizar um desenho, num primeiro momento precisamos elaborar um esboço do trabalho, para depois com o tempo irmos aprimorando e lapidando a nossa obra. Na época que comecei sentia então a necessidade de obter um esboço inicial da minha personalidade e a partir dele começar as reflexões sobre mim mesmo, sobre o meu comportamento. Mas nunca para me definir! Apenas para começar a me conhecer mais. Veja que no próprio cabeçalho do meu blog já escrevo: “não se defina por completo, não se dê por concluído”. No autoconhecimento então busquei desde sempre pontos de partida, mas nunca me contentei com pontos de chegada!

     Nesse processo fiz inúmeros testes psicológicos e comportamentais, desde aqueles de revista de moda e culinária até testes validados mesmo por psicólogos. Na internet explorei vários testes e descobri alguns úteis – e gratuitos – para se obter um esboço inicial da personalidade e iniciar esse caminho ao autoconhecimento. Eu recomendarei aqui três testes. 1º O teste do Eneagrama. 2º O Teste do Zodíaco. 3º Os testes que se assemelham à tipologia do MBTI* (*Na internet pode haver testes similares ao MBTI, mas o teste original é uma ferramenta de Assessment exclusiva da consultoria Feliipelli que é a sua representante oficial no Brasil). Há muitos testes que são oferecidos gratuitamente na internet de diferentes formas, mas é importante destacar que esses testes não são científicos, não validam o resultado, são meramente informativos, para divertimento e eles não substituem uma avaliação psicológica, nem um tratamento receitado por um profissional especializado. Os testes que fiz da internet que mais gostei têm as seguintes características:

  • Possuem maior número de perfis possíveis (Ex.: O Eneagrama te dá 9 perfis possíveis; o Teste do Zodíaco te dá 12 perfis possíveis; os testes similares à tipologia junguiana e ao MBTI te dão 16 perfis possíveis);

  • Possuem maior número de questões (Quanto mais questões o teste tiver, o resultado tende a ser mais próximo do seu perfil);

  • Possuem respostas que permitem a escolha numa escala maior (Ex.: Discordo completamente/ Discordo consideravelmente/ Discordo pouco/ Nem discordo nem concordo/ Concordo pouco/ Concordo consideravelmente/ Concordo completamente).

     Então, vamos à prática! Dividiremos a técnica desenvolvida aqui em cinco etapas, ok?

1ª ELABORAR OS TESTES;

2ª PESQUISAR SOBRE SEUS RESULTADOS;

3ª LISTAR AS CARACTERÍSTICAS DOS PERFIS;

4ª SELEÇÃO E VALIDAÇÃO COM O MEIO;

5ª REFLEXÃO E AUTOANÁLISE.


1ª ELABORAR OS TESTES

     Faça primeiramente os três testes que recomendei acima. Existem vários sites bons na internet que fornecem um resultado interessante. Eu selecionei agora um deles e fiz os meus testes neste:

 

     Abaixo os resultados dos meus testes (clique na imagem):

 


2ª PESQUISAR SOBRE SEUS RESULTADOS

     Faça pesquisas no Google como as seguintes (de acordo com o seu resultado): “características tipo 1 eneagrama”; “características signo virgem zodíaco”; “características intj mbti”.


3ª LISTAR AS CARACTERÍSTICAS DOS PERFIS

      Enquanto você pesquisa as características dos seus perfis na internet, você pode ir anotando numa folha simples de caderno (eu gosto de escrever à mão nesses momentos) as características (“positivas” de um lado e “negativas” do outro) que você descobrir de cada perfil. Leia tudo o que encontrar sobre o seu perfil. Depois anote pelo menos cinco características positivas e cinco negativas de cada perfil. Desta forma:



4ª SELEÇÃO E VALIDAÇÃO COM O MEIO

      Essa etapa é crucial para a técnica, porque o seu meio tem grande possibilidade de validar de forma mais fidedigna o seu resultado. Aqui entram as pessoas que convivem diretamente com você e que você confia. Ex.: mãe, pai, avôs, avós, irmãos, filhos, cônjuge, outros familiares, amigos, colegas de trabalho, líderes etc. O importante é que sejam pessoas que você sabe que querem o seu bem e que você acredita que te darão uma devolutiva sincera sobre o seu resultado.

      Você vai selecionar pelo menos cinco dessas pessoas (pode ser mais se quiser), entregará uma listagem apenas com as características e pedirá a elas para selecionarem por favor pelo menos 8 características positivas e 8 negativas dessa listagem que são as mais evidentes na sua personalidade e no seu comportamento, de acordo com o ponto de vista da pessoa. Desta forma:

 

5ª REFLEXÃO E AUTOANÁLISE

      Ao receber de volta as listagens, de posse dessas devolutivas você conhecerá quais são as suas características mais evidentes, então você terá condições agora de iniciar um processo de reflexão e autoanálise sobre isso. Mas deixo claro que isso aqui é só o comecinho, assim como intitulei esse texto, essa técnica se propõe a ser um humilde pontapé inicial ao seu processo de autoconhecimento. Porque existem pessoas que não conseguem chegar nem aqui! E a partir de agora elas têm, no mínimo, características precisas de sua personalidade e de seu comportamento, validadas pelo seu meio, e isso as possibilita uma interessante autoanálise.

      Nesse momento, algumas reflexões aqui podem ser bem pertinentes. Veja o meu caso por exemplo. Fiz comigo essa técnica há bastante tempo, meus perfis continuam os mesmos, mas de lá para cá busquei desenvolver algumas características do meu jeito de ser. E é óbvio que ainda escorrego em muitas delas. Porque essa técnica é só a ponta do iceberg. Você poderá ir com ela até certo ponto no seu autoconhecimento. Até o seu ponto cego. A partir daí já será necessário um processo de psicoterapia ou uma análise. E o objetivo final dessa postagem é este: que ao final de sua reflexão e autoanálise, você busque por um profissional que dará continuidade no seu autoconhecimento.

      Minha autoanálise a partir dos testes psicológicos foi muito reveladora! Uma coisa vai puxando a outra. Vou colocar abaixo alguns diálogos reais que tive comigo mesmo e como buscava me investigar.

      - Jonas, por que você se cobra de ser tão perfeito? De onde vem isso? Quem você está tentando agradar? Qual é o problema de fato se você for alguém imperfeito? O que você ganha com um comportamento crítico e julgador: você mais afasta ou aproxima as pessoas de você? Você acha realmente que é possível você manter o controle de todas as variáveis? Não é cansativo viver assim? De onde vem tanta exigência com os outros e consigo? E esse ressentimento residual: você está cobrando mais responsabilidade das pessoas, mas no fundo não é por que você que não se permite relaxar e só está descontando essa sua “castração de prazer” sendo chato e crítico com os outros? São eles que precisam de mais responsabilidades ou você quem precisa se permitir mais? E por que você não se permite? Do que você tem medo? Do que você está se escondendo? E essa formação reativa? Esse mau-humor, essa ironia, essa antissociabilidade, no fundo você não está afastando primeiro as pessoas por medo de elas te afastarem antes? Isso é carência ou medo de rejeição? Ou seriam as duas coisas? Quem te machucou? Vamos olhar pra isso?

      Dói. Já vou adiantando. Não espere que essa minha técnica tenha um final gostosinho e açucarado, porque não terá. É da ordem do amargo mesmo. Mas é digno! É um processo realista e digno. E de muita coragem. Não tem outro caminho. Aliás, até tem, mas como naquele filme Matrix, Morpheus entrega ao Neo duas pílulas: uma azul, que permite que ele esqueça tudo o que aconteceu e permaneça [inconsciente] na realidade virtual da Matrix; outra vermelha, que o libertará da Matrix e o conduzirá ao mundo real. Você escolhe, todos os dias, qual pílula tomar. O que estou te oferecendo aqui é apenas uma possibilidade de acordar.

- Por que doem os meus olhos?” (Neo)

- Porque você nunca os usou.” (Morpheus)

segunda-feira, 4 de janeiro de 2021

A transgressão


      Viver e sobreviver são coisas muito diferentes na minha opinião e isso aprendi desde muito cedo na minha vida. Essa diferença, entre viver e sobreviver, para mim sempre esteve diretamente relacionada a duas palavras: contenção e transgressão. Durante toda a minha vida sempre prestei atenção a todos os limites e sempre fui – o máximo possível – respeitoso com eles. Nunca fui um filho desobediente, embora em alguns momentos – muito específicos – agi com profunda desobediência. Na escola fui um aluno comportado – pelo menos a maior parte dos anos –, tirava excelentes notas, fui um dos melhores, mas isso não significa também que não cheguei a agir com muita rebeldia afrontando normas e professores. O mesmo vale para as empresas onde trabalhei, instituições em que estudei mais tarde, pois em algum momento transgredi determinadas normas.

     Quando eu era criança, em minha casa tinha regras como em todos os lares tem as suas. E eu tinha prazer em respeitar essas regras. Como um filho que “queria ser perfeito”, eu tinha um profundo prazer em fazer tudo como era esperado pelos meus pais. Só tinha um porém: eu queria seguir as regras por ter consciência que era importante isso, não por uma imposição externa. Utilizo essa palavra externa, pois já havia em mim nessa época uma imposição interna. Sou um perfeccionista por excelência. Meu pai era perfeccionista também, logo herdei isso. Eu trouxe isso na genética e fui educado num ambiente marcado por regras rígidas e punições severas. Dessa forma, foi desenvolvido em mim desde muito novo um crítico interno, um superego bem introjetado. Então eu já me cobrava muito internamente. O resultado dessa autocobrança também me gerava um gozo. Eu me sentia bem comigo mesmo. Me sentia digno da confiança dos meus pais, pois fazia o que precisava ser feito. Minha parte para a contribuição no todo era dada. Então eu tinha uma sensação de dever cumprido, gostava disso. Gosto até hoje.

      Só que o meu pai tinha uma característica que era a sua pior: ele gostava de provocação. Várias vezes, quando todos na casa estavam quietos, calmos, cada um em seu canto, parecia que esse clima harmônico, essa homeostase o incomodava, principalmente quando ele já estava bêbado. Então ele mirava alguém e começa a cutucar essa pessoa verbalmente; fosse através de brincadeiras de mau gosto; algum comentário ácido; num conselho que ninguém havia pedido; ou no meu caso: crítica e ordem desnecessárias. Para ele não bastava que eu conhecesse e respeitasse as regras da casa, ele ainda fazia questão de ordenar a mim que elas fossem cumpridas. “Eu mandei você fazer isso!” – sendo que eu já estava fazendo. “Não é para fazer aquilo!” – quando eu já não fazia. Isso me gerava raiva, porque eu não achava certo provocar quem estava quieto; cobrar aquilo que já estava sendo feito; ser autoritário e não saber conversar com as pessoas. Eu respeitava as regras e os limites de todos, mas os meus próprios eram constantemente ultrapassados. Se tem algo que até hoje não admito é invadirem o meu espaço, pois procuro respeitar e entender o espaço das pessoas. Então soma-se uma pressão externa que eu sentia, àquela que eu já me impunha diariamente, eu vivia no limite. Continha os meus impulsos e procurava descarregar toda a raiva reprimida, velada, ouvindo música (geralmente rock); fazendo flexões e abdominais no meu quarto; saindo para correr; nas aulas de Artes; nos desabafos com os amigos; nos episódios de compulsão alimentar; nas redações na escola. Me lembro que aos dez anos uma professora me disse: “Minha língua até coça para ler as suas redações, guarde todas elas, porque um dia ainda vou ler um livro seu.” Isso me motivava bastante, porque escrever sempre foi a principal forma de sublimar a angústia que eu sentia.

      Através da contenção dos meus impulsos e da sublimação, de primeiro momento sentia desprazer, mas aos poucos a raiva passava e eu voltava ao meu estado normal, e a longo prazo sentia algum prazer no autocontrole. Havia entendido esse mecanismo. Só que não me sentia plenamente feliz também. Me sentia me enganando. Conformado. Castrado. Traído. Como se fosse obrigado a dizer sempre não a mim mesmo, por respeito à Lei e para não gerar um desconforto no meio. Me perguntava até onde isso é viver ou sobreviver?

     Só que um dia eu entrei na adolescência e na puberdade com os hormônios à flor da pele, um dia foi o estopim – eu já vinha pressentindo isso, pois estava no limite do meu limite e de certa forma desejava também isto que viria a acontecer: a transgressão. Foi nesse dia em que eu gritei mais alto do que o meu pai. Eu me levantei da mesa. Eu virei a mesa. A partir desse dia transgredi todas as regras da casa e nunca senti tanto prazer na vida até então! Havia muito gozo na transgressão. Mas era um gozo mortífero também. E mais tarde eu entenderia bem o porquê... Ao longo do tempo, o prazer que eu sentia em transgredir só diminuía, não me sentia mais bem em quebrar as regras, enquanto uma sensação de depressão que eu sentia após a transgressão só aumentava. Na maior parte do tempo só sentia vergonha, uma sensação de inadequação, como se estivesse indo ladeira abaixo. (Fiz um gráfico para retratar essa minha relação de (des)prazer na contenção e na transgressão).

 

     Se viver com a contenção dos meus impulsos para mim não era viver, era sobreviver; descobri que viver transgredindo também não era vida, era buscar a morte. Nietzsche tinha razão quando disse que “o homem é uma corda estendida entre o animal e o Super-homem”. Tenho particular atração e repulsão pelo limite. Mas hoje entendo que o limite é sim aquilo que nos castra, mas também nos organiza e mantém a nossa existência. Limite é poder. Mas também compreendo que transgredir faz parte, ainda que não seja esperado. A transgressão deve ser a exceção, jamais a regra. Mas o gozo da transgressão existe e às vezes ela é necessária até para a manutenção do limite.

      Muitos podem analisar essa minha história pessoal de transgressão, principalmente os amantes da psicanálise, com o desenvolvimento de uma estrutura perversa. Será? Sou suspeito para falar, porque dessa tríade freudiana sempre foi a que mais me despertou a atenção, ainda mais hoje que sou estudante de psicanálise. Resolvi escrever sobre esse tema com um propósito. Nos lembrar que a psicanálise ainda deve muito a essa estrutura. A psicanálise freudiana se concentrou na neurose e os pós-freudianos até se ocuparam da psicose, mas a perversão mesmo, carregada de estigmas e estereótipos morais, confundida com perversidade, ficou relegada a uma má compreensão ao longo da história. Se a neurose é o negativo da perversão e o perverso é aquele que faz o que neurótico morre de vontade, de uma forma ou de outra, em maior ou menor grau, não seríamos todos perversos? Talvez hoje em dia – e daqui em diante cada vez mais – essa poderá ser a estrutura psíquica mais predominante nas pessoas. Preparem-se, psicanalistas! Talvez seja o momento da psicanálise atualizar o olhar e os estudos sobre essa estrutura, pois só deem uma olhada na geração atual, nas gerações que estão vindo aí, prestem atenção ao que está surgindo na clínica...

      Para finalizar essa postagem, um trecho do livro “A parte obscura de nós mesmos. Uma história dos Perversos", da Elisabeth Roudinesco.

A perversão, portanto, é um fenômeno sexual, político, social, psíquico, trans-histórico, estrutural, presente em todas as sociedades humanas. E se todas as culturas partilham atitudes coerentes — proibição do incesto, delimitação da loucura, designação do monstruoso ou do anormal —, a perversão naturalmente tem seu lugar nessa combinatória. Porém, pelo seu status psíquico, que remete à essência de uma clivagem, ela é igualmente uma necessidade social. Ao mesmo tempo em que preserva a norma, assegura à espécie humana a subsistência de seus prazeres e transgressões. (…) Que faríamos se não pudéssemos apontar como bodes expiatórios — isto é, perversos — aqueles que aceitam traduzir em estranhas atitudes as tendências inconfessáveis que nos habitam e que recalcamos?

(...) os perversos são uma parte de nós mesmos, uma parte de nossa humanidade, pois exibem o que não cessamos de dissimular: nossa própria negatividade, a parte obscura de nós mesmos.