domingo, 25 de outubro de 2020

EU SOU UM POLÍMATA

     Muitos não sabem mas esse blog já passou de uma década de existência e muitas vezes me perguntei: “Afinal, sobre o que é esse blog?”. Me sentia incomodado com isso às vezes, principalmente por imaginar os pensamentos e os questionamentos que as pessoas poderiam fazer em relação ao conteúdo do blog. Imaginava as indagações dos leitores desse espaço, como: “Esse blog é uma espécie de diário pessoal?; são crônicas?; ora ele escreve sobre filosofia, ora sobre psicologia, entra psicanálise no meio, então ele mistura textos com fragmentos de recursos humanos, gestão de pessoas e o mundo corporativo, qual é a sua área de especialidade?” Isso ocorre toda vez que penso em escrever sobre um tema que tenho interesse, que já estudei, que tenho relativa habilidade, mas esse texto pode se distanciar um pouco dos demais. E isso é uma bobagem!

     Certa vez estava numa sala de aula e uma professora, que também era psicóloga, ministrava uma disciplina sobre gestão de carreiras e desenvolvimento profissional. Ela nos deu várias atividades para fazermos e refletir no decorrer de suas aulas, havia muitos exercícios onde deveríamos escrever sobre os nossos interesses, conhecimentos, nossas capacidades e habilidades. Quando chegamos ao fim de suas aulas, nesse dia ela puxou conversa comigo e reservadamente me disse: “Imagino que deve ser difícil a você escolher uma única área de interesse na carreira, né? Nota-se em você multipotencialidade.” A sua intenção logicamente foi positiva, mas ela falou de forma neutra. Não fiz nenhum comentário, apenas prestei atenção e fui para casa pensando, sem saber se isso era algo positivo ou negativo a minha vida profissional ou a mim mesmo pessoalmente falando.

     Passei um tempo refletindo isso de ter “multipontecialidade”; não sabia ao certo o significado dessa palavra. Pesquisando na internet cheguei a uma outra palavra – desse mesmo universo – que na minha opinião se encaixaria até melhor ao meu perfil. Polímata. Um polímata é alguém que tem especialidade em mais de uma área de conhecimento. Isso tem tudo a ver comigo. Mas isso não teria nada a ver com dom também, pois qualquer pessoa pode – e eu diria até deve! – ser polímata. Ainda mais nos dias atuais. O mundo corporativo, por exemplo, necessita cada vez mais de profissionais 360°. Sucintamente, um profissional 360° dentro de uma organização é aquele que está atento à sua área, ao diálogo de sua área com as demais e o seu interesse visa ultrapassar as paredes da própria organização estabelecendo possíveis conexões entre o que está dentro e fora. Ou seja, seu olhar, seu interesse, suas relações, consequentemente o seu conhecimento, se expandem. O potencial desse profissional busca sempre abarcar inovação, execução e integração. Num mundo em que se fala em disrupção é muito interessante essa versatilidade. Abre espaço à criatividade.

     E que isso não se confunda em saber de tudo sem se aprofundar em nada. Não é isso. Até porque um polímata é essencialmente um especialista em mais de uma área de conhecimento. Ou seja, ele se aprofunda nos saberes. Você não precisa dominar tudo, mas eu diria que é bem interessante você definir primeiramente duas ou três áreas de conhecimento que a priori dialoguem com a sua carreira profissional, com os seus interesses pessoais e também com as suas habilidades naturais. Assim você vai aos poucos aumentando as áreas de conhecimento de interesse para campos mais distantes do seu universo habitual. E isso não tem absolutamente nada a ver exclusivamente com uma capacidade de superdotação, mas sim com vontade, curiosidade e estar aberto para isso.

     Cresci ouvindo as pessoas conversando ao meu redor falando que eu era um “crânio”. Como se eu fosse alguém com uma inteligência acima da média. Isso nunca foi verdade! E eu não estou sendo modesto. Eu sempre fui inteligente sim, mas esforçado também. Só que a minha inteligência sempre esteve dentro de parâmetros considerados normais, nunca recebi qualquer diagnóstico de superdotação. O que eu poderia afirmar, com muito gosto ainda, que sempre tive uma curiosidade acima da média. Uma boa disposição para aprender coisas novas. Sempre gostei de pesquisar coisas interessantes, de ler assuntos dos mais diversos, de fazer associações entre os conhecimentos, sempre gostei de conversar com as pessoas – leia-se aqui entrevista-las – e sempre tive uma cabeça muito aberta e uma vontade voraz de ler o mundo. Pela ótica da ciência; pela ótica da política; pela ótica do regime; pela ótica da religião; da espiritualidade; do misticismo etc. Eu sou curioso! Quando eu era criança ia quase todos os dias à biblioteca municipal para fazer os trabalhos da escola. Nessa ida à biblioteca aprendia sobre o tema do trabalho em questão; passava pela prateleira dos gibis; em seguida ia ao corredor dos livros de astrologia, numerologia, simbologia; lia as revistas sobre dieta, nutrição, exercícios físicos, saúde e bem estar etc. Nunca pensei: “o que me agrega ou o que ganho aprendendo sobre isso?” Meu objetivo era saciar a sede de conhecimento.

     Sou graduado em Administração com ênfase em Comércio Exterior. Fiz MBA em RH com ênfase em Departamento Pessoal. Iniciei um outro MBA em Gestão de Pessoas com foco em Coaching e Lideranças. Fiz uma pós-graduação em Psicologia Organizacional. Atualmente sou aspirante em Psicanálise. Veja que essas são áreas que abrangem negócios, psique e comportamento. E garanto que no meu dia a dia faço a intersecção desses conhecimentos acima com outros tidos como pseudociência como a astrologia por exemplo. Eu me defino como um solucionador de problemas. Penso que todos os dias os problemas batem a nossa porta e eles demandam uma resolução. Todas as vezes em que estou diante de um problema 'x', eu faço uma vasta varredura na minha mente em busca de quais arcabouços teóricos, quais conhecimentos, quais técnicas possuo que poderão me auxiliar na resolução desse problema em questão. Vou dar um exemplo hipotético.

 

Ex.: Um gerente me pede uma ajuda do que poderíamos fazer para solucionar uma situação em seu setor. Há um colaborador muito impulsivo. Ele é muito objetivo, possui um jeito de falar direto e os colegas se melindram. Sempre rebate o que falam com ele. Esse seu jeito assertivo demais, agressivo e um tanto mandão está desestabilizando a equipe. O gerente já tentou dar um feedback ao colaborador mas ele bateu de frente. Apesar do seu comportamento inadequado, esse colaborador costuma atingir bons resultados, então o gerente me pede para eu dar ao colaborador um feedback sobre seu comportamento. 

 

     Peço a ele para enviar esse colaborador à minha sala. Após ouvir a breve fala do gerente já pesquei uma série de características comportamentais (observadas pelo gerente, que precisarei verificar se confirmam ou não com a realidade) e formei uma estratégia na minha mente. Para executar esse feedback então usarei conhecimentos da psicologia analítica do Jung sobre arquétipo (e aqui entra astrologia, porque é composta deles), usarei conceitos da administração, de gestão de pessoas, da psicologia e da psicanálise. Segundo a psicologia analítica do Jung, arquétipos são ideias primordiais, modelos ideais que estão formados em nossa mente há gerações e inconscientemente os vivenciamos. A partir desse relato do gerente (note que grifei palavras) o colaborador vivencia – mesmo sem querer ou perceber! – arquétipos típicos como o do guerreiro; do deus Ares; do signo de áries. E aqui vale ressaltar que o colaborador está apenas exibindo o lado sombra do arquétipo do signo de áries (e não raro, às vezes esse colaborador “coincidentemente” é do signo de áries). Todo arquétipo tem um lado luz e um lado sombra. Utilizando os conhecimentos de arquétipo do Jung e pegando a astrologia como base arquetípica, eu precisarei de duas coisas para trabalhar esse feedback: o aspecto luz do próprio signo de áries e o seu oposto complementar zodiacal – libra.

     O que isso significa? Se eu sei a priori que ele possivelmente vivencia o lado sombra do signo de áries sendo impulsivo e um tanto agressivo, preciso usar libra que diz de diplomacia, de parcimônia, de justiça, da ideia de um outro. Ele precisa lembrar que existe um outro, enxergar o gerente, enxergar a equipe, ele – por mais energia que tenha – não concretiza nada sozinho! Ele está muito no eu, especificamente no Id. Libra lembra de ser receptivo, de ser mais passivo. Não adianta eu me posicionar como a autoridade e fazer frente porque ele vai rebater, seu temperamento é colérico, seu espírito está bélico. Já ouviu aquela frase: “dois bicudos não se beijam”? Eu não posso entrar no seu jogo, ele quem tem que entrar no meu! Se eu for à força, no fim terei de usar a punição disciplinar para coloca-lo em seu devido lugar e assim ele não entenderá o objetivo do feedback, ele acatará por medo da punição e não por uma conscientização que é o esperado, haja vista que o próprio gerente diz que ele dá bons resultados. Então vale a pena o investimento num bom feedback. E o bom feedback não está no que é falado, mas sim como é falado. Se um dos lados não entra no conflito, não há como duelar, então por mais que ele se exceda e aumente o tom de voz comigo, eu devo me manter equilibrado, sensato, mantendo o meu tom de voz cada vez mais baixo... Sem perceber ele espelhará o meu comportamento. Ele baixará o seu tom de voz e não conseguirá brigar sozinho, precisará conversar comigo e assim entraremos no campo do diálogo.

     Agora que ele baixou as suas armas, ele está apto a me ouvir. Só que não posso ser direto e falar objetivamente o que quero. Aqui entram entendimentos da psicologia. Quando vamos dar um feedback para uma pessoa, se somos muito diretos e falamos objetivamente onde uma pessoa está errando, isso é recebido como uma agressão emocional. Quem nunca ouviu aquela expressão popular: “fulano foi direto e reto, soou até agressivo"? Porque de fato é assim que o ser humano sente. É um golpe emocional! E como tal é instintivo a pessoa levar para o lado pessoal e buscar se proteger. Aí de duas uma: para algumas pessoas a melhor defesa é o ataque, então a pessoa vai contra-atacar e pode gerar uma discussão desnecessária; enquanto outras poderão se melindrar e se blindar emocionalmente, então elas se fecham, a partir daí você pode falar o quanto quiser, a pessoa não dará mais abertura, porque ela se fechou emocionalmente e tudo o que for dito entrará por um ouvido e sairá pelo outro. Eu sei que muitas pessoas lendo isso podem pensar o seguinte: “Ah! Mas isso é uma frescura! Se a pessoa se doer problema dela!” Bem, problema dela não! Nós estamos num ambiente organizacional, então o problema é da empresa! Ela pode estar com frescura ou não, mas se a minha comunicação pode afetar o seu resultado é óbvio que o mais sensato é eu pensar. Isso não é uma guerra de egos. Utilizamos a melhor estratégia para extrair das pessoas o seu melhor resultado.

     E lembra quando falei de utilizar o aspecto luz do arquétipo do signo de áries? No aspecto luz, esse arquétipo traz as seguintes características: iniciativa, bravura, coragem, energia, pioneirismo, honestidade, liderança, ambição, firmeza, lealdade etc. São ótimas características! Se ele já vivencia o lado sombra do arquétipo do guerreiro, é possível facilmente serem desenvolvidas as características para ele vivenciar o aspecto luz desse arquétipo. E no fim pouco importa se ele é ou não do signo de áries, ele está sob a égide desse arquétipo. Ele vivencia, mesmo sem saber, essas características. O que ele pode fazer conscientemente é querer trabalha-las. E eu enquanto RH buscar desenvolvê-las pois poderiam agregar muito ao time. Vale ressaltar aqui que embora muitas pessoas, por desconhecimento, desqualifiquem o Jung e a psicologia analítica e o coloquem numa categoria mística ou esotérica, seus estudos sobre arquétipos são muitíssimo interessantes. Veja a quantidade de conhecimentos teóricos e técnicos que posso me basear só para executar um feedback mais assertivo a um colaborador, visando a melhor estratégia, a mais eficiente e eficaz. Lidar com ser humano não é nada fácil, mas é muito gratificante a nível de troca de experiências. 

     Esse blog então não tem um objetivo, ele tem vários, são múltiplos e não importa sobre o que eu fale ou como eu coloque, sempre quero lembrar você que podemos mais! Somos dotados de uma capacidade neuroplástica. Nosso cérebro está constantemente se transformando a partir dos nossos hábitos. Estamos sempre aprendendo e nos adaptando. Se você observar um bebê, ele é como um elástico, é potencialidade pura, um bebê não tem consciência se conseguirá andar ou falar, mas ele olha adiante com curiosidade e vontade e segue tentando sem se importar com o que estão pensando, até que um dia ele simplesmente consegue! Nessa fase da nossa vida acreditávamos mais, tentávamos mais, consequentemente conseguíamos muito mais. Quero lembrar você, assim como busco me lembrar todos os dias, que somos como elásticos ao nascer e nosso objetivo aqui nessa vida é nos esticar ao máximo descobrindo sempre novos talentos, novas capacidades, novas habilidades. Todos temos multipotencialidade! Não crie muros na sua mente. Crie pontes!

sábado, 24 de outubro de 2020

RAÍZES PROFUNDAS

     Hoje pretendo trazer uma discussão para pensarmos sobre dois sentimentos: o amor e o ódio. Em seguida quero estender essa discussão para uma reflexão a outros pontos e situações da vida. Então, a princípio gostaria que você pensasse sobre essas perguntas: 

Quais pessoas você diria que ama ou que já amou inteiramente?
E quais pessoas você diria que odeia ou que foi capaz de odiar completamente?

     Gostaria que você se respondesse essas perguntas antes de prosseguir. Tente buscar em sua mente ao menos uma pessoa para cada uma dessas perguntas acima.

     Desde muito jovem me dediquei a observar e a analisar os comportamentos, os meus e os das pessoas ao meu redor. Busquei aprender com isso. Tentei crescer a partir disso. Hoje sou aspirante a psicanalista. Já tinha interesse por pesquisar assuntos dessa natureza que hoje em dia estudando mais a fundo a psicanálise me sinto fascinado. Se você acompanha esse blog há algum tempo, no mínimo você já notou que os textos aqui são densos. Intensos. Conteúdos bem profundos. Mas digo que eu sou assim. Levo a minha vida assim. Lembro de um conto que li – desses com moral – que falava que todo dia um homem via o seu vizinho cuidando do jardim. Um dia o homem se mudou e após décadas voltou ao seu antigo endereço se surpreendendo com o antigo jardim de seu vizinho; ele havia se tornado um enorme bosque com árvores com troncos robustos e aparentemente essas árvores eram as únicas daquela rua que não se quebraram com os ventos de uma recente tempestade. Então ele foi cumprimentar o antigo vizinho e o questionou sobre o belo resultado do seu jardim. O vizinho apenas lhe disse que regava pouco as plantas que agora eram árvores e como não receberam dele água facilmente, elas precisaram aprofundar suas raízes e se tornaram mais fortes e resistentes às intempéries. Faço analogia da minha infância com esse conto; minha criação foi difícil em vários pontos, mas tive muitos ganhos emocionais a partir disso. Tenho consciência deles. Nunca busquei por sofrimento, mas sempre busquei os ganhos a partir dele. O budismo tem um ditado que diz que da lama nasce a flor de lótus. A psicanálise faz esse movimento de voltar o olhar ao passado para analisar o presente e esse material analítico escavado apesar de denso é bastante rico.

     Quem costuma ler o meu blog sabe que a minha infância foi bem complicada. Filho de pai alcoolista, agressivo, autoritário, com uma mãe focada exclusivamente ao seu trabalho, totalmente distante das questões emocionais dos filhos. De fato isso aconteceu. Mas não somente. Meus pais também tiveram ótimas qualidades, dignas de muito respeito e admiração – poderia citar várias delas. Um exemplo que me marcou foi o fato de crescer percebendo como meus pais eram solidários. Eu cresci assistindo – e participando – de ações onde meus pais nos levavam para doar comida, roupa, qualquer ajuda às pessoas mais pobres do que nós. Esses momentos me marcaram muito na infância. Então, eu seria simplista se taxasse que eles foram maus ou bons; certos ou errados; tudo depende do ângulo. A nossa noção de “verdade” depende do ângulo. E nunca é uma coisa ou outra, é sempre uma coisa e outra. Lembro de um episódio forte que vivi na adolescência ainda que foi crucial para compreender muitas situações na minha vida, porque esse episódio gerou questionamentos que foram a mola propulsora de conclusões que chegariam mais tarde. Relatarei esse episódio para trazer uma reflexão que embasará a ideia central do texto de hoje. Amor e ódio.

     Quando eu tinha uns treze anos de idade, por algum motivo banal meu pai e eu estávamos um dia discutindo – como era de costume –, ele estava bêbado, a discussão foi se intensificando, quando ele ao perceber que não conseguiria me calar num “duelo verbal”, partiu nesse momento para a agressão física, então ele começou a me bater. Eu sempre orgulhoso, só me lembro de me concentrar para não esboçar nenhum abalo. Durante toda a agressão mantive o queixo erguido, o olhar fixo nele e uma postura de altivez. Mentalmente a ordem que me dava era a seguinte: “Não recue. Não chore. Não se abale. Você não vai dar esse gosto a ele!”. Para mim essa era uma questão de honra! Imagino que isso o enfurecia ainda mais já que ele esperava algum sinal de submissão, de passividade, de obediência, mas só encontrava em mim um olhar de ódio, uma expressão de desdém...

     Não sei se haveria fundamento orgânico nisso, mas imagino que em algum momento a adrenalina em seu sangue pode ter afastado o efeito do álcool e ele foi caindo em si, ficando sóbrio. Nesse instante, quando ele estava “retomando a consciência” dos seus atos, eu pude ver claramente em seus olhos uma expressão de horror pela constatação do que estava fazendo, ou seja, ele estava perplexo de se ver espancando o próprio filho. Nesse momento ele se emocionou muito e eu precisei até fugir o meu olhar. Então ele me abraçou por trás, disse que me amava profundamente e só me pediu perdão. Nesse momento eu desabei! As emoções reprimidas vieram à tona em explosão! Eu não conseguia parar de chorar. Nesse momento só pensava: “Esse é o homem que eu mais amo na vida e é também aquele que eu mais odeio! Como posso ter, simultaneamente, sentimentos tão opostos pela mesma pessoa!? Eu não entendo!” Mas fui atrás de entender. Descobri que sim, é possível. Somos capazes de amar e odiar ao mesmo tempo uma mesma pessoa.

     Amor e ódio são faces de uma mesma moeda. Toda pessoa que amamos, em algum nível a repelimos, num nível até inconsciente podemos odiar algo nessa pessoa amada. E toda pessoa que odiamos, não somos capazes de odiar sem sentir por ela admiração ou atração em algum nível. E se isso não fosse verdade, se não existisse no objeto do nosso ódio nada que nos cativasse simplesmente ignoraríamos! Seríamos indiferentes. Não é possível você odiar aquilo que não mexe com você, aquilo que não te mobilize interiormente de alguma forma. Entenda que se algo numa pessoa ou situação está te incomodando é porque isso diz de você, isso tem sintonia com você ou você simplesmente nem seria capaz de se sentir incomodado. Se por um lado isso pode ser assustador. Por outro lado é libertador. Se não somos santos, o diabo também não é como pintam! Eu poderia facilmente me justificar perante à vida com a alegação “Sou assim porque meu pai foi um homem mau!”. Usar dessa narrativa para justificar ser um mau caráter e depois me colocar como uma vítima das pessoas. Só que não tenho inclinação para respostas rasas. Não me valho de análises polarizadas e reducionistas. Tampouco creio em conclusões fatalistas. Tudo depende. Depende de quê? Eu diria de quem. Como lembra Sartre, o que importa é o que fazemos com aquilo que acontece conosco. Então depende de mim. A responsabilidade nisso agora é minha.

     Nós somos muito mais complexos do que imaginamos! Nossos comportamentos e sentimentos são muito mais intrincados e até contraditórios do que gostaríamos. Meu pai errou sim em muitos aspectos. Mas ele também acertou em muitos outros. Eu escolhi ficar com o que foi o seu melhor e aproveitar em minha vida aquilo que for útil. Saudável. Coisa que ele não era. Alcoolismo é considerado uma doença que merece a devida atenção e um tratamento. E eu sei que muitas pessoas podem estar lendo isso agora e me julgando: “A sua relação com o seu pai foi tóxica. Ele foi um péssimo exemplo a você de homem. Você “defendendo” tudo o que aconteceu, você assume isso como correto e se não tomar cuidado terá dificuldade para compreender o que é amor sadio. Isso se refletirá em suas relações pessoais, sociais, profissionais, afetivas etc.” Ok, meus parabéns! Mandaram bem no diagnóstico! Mas só até a página 2! Confesso que isso é possível. Mas será que também não seria possível que tudo o que vivenciei foi mais amplo e complexo, onde fiz escolhas conscientes também e tive ganhos e os pontos mais negativos hoje se tornam bons exemplos daquilo não quero para minha vida? Um pai alcoolista pode ter dois filhos e um ter o vício e o outro não. Ao indagarmos ambos, um filho poderia dizer que se tornou alcoolista porque teve um pai alcoolista, enquanto o segundo poderia dizer que não bebe porque teve um pai alcoolista. Ou seja, as origens que levaram um filho ao vício foram as mesmas que distanciaram o outro dele. Há um ditado japonês que diz que o vento é o mesmo, mas a sua resposta é diferente em cada folha.

     Quando você entende que tudo na vida é no mínimo dual e essa dualidade no fim é complementar, você passa a compreender melhor as inconsistências e inconstâncias das pessoas. Desenvolve uma postura mais assertiva ao invés de reativa. Sua visão enxergará mais amplamente as situações e os acontecimentos e você suspenderá os seus julgamentos, e quando não, eles serão menos taxativos. Você começa a entender que a verdade é na verdade só uma verdade. E percebe que não faz sentido classificar as situações e as pessoas entre certo ou errado, bom ou mau, porque entre uma coisa e outra existe um longo caminho e muito o que analisar. Nada é tão simples quanto parece. Quando você aprende a enxergar os pontos positivos em quem você odeia, você respeita essa pessoa. E quando você aprende a enxergar os pontos negativos em quem você ama, você respeita a si mesmo!