O ambiente organizacional é
composto por pessoas e suas relações interpessoais. A psicologia
organizacional é uma especialização da Psicologia que estuda,
dentre outras coisas, os fenômenos psicológicos que se manifestam
no ambiente de trabalho, ou seja, os comportamentos. Onde há
relações humanas existe a possibilidade de se observar a ocorrência
de diversos mecanismos e dinâmicas, como por exemplo os mecanismos
de defesa, e um em particular será o objeto dessa postagem de hoje:
a projeção.
A projeção é um mecanismo de
defesa descrito por Sigmund Freud através da Psicanálise, uma linha
que caminha paralela à Psicologia e que embora em muitos momentos
bebam ali da mesma fonte (a psiquê), tem essencialmente objetos de
estudo diferentes. A grosso modo, enquanto a Psicologia estuda o
consciente e o comportamento manifesto, a Psicanálise se debruça
sobre o inconsciente. E a projeção é um mecanismo de defesa
inconsciente. Aqui duas coisas já são possíveis de se
observar então: 1 – a palavra “defesa”; 2 – a
palavra “inconsciente”. A projeção então é um
mecanismo que todas as pessoas produzem (todas!), sem se dar conta
disso, e por uma única razão que é a de proteção de entrar em
contato com conteúdos próprios que foram recalcados por serem
indesejáveis, inaceitáveis, de difícil lidar, dolorosos etc. É
importante também destacar que quanto mais um indivíduo se
autoconhece, se analisa e busca refletir sobre seus medos, suas
motivações e seus desejos mais íntimos, menos tende a projetar isso para fora, assim como quando ocorre, mais rapidamente ele pode ter
consciência disso.
Aqui vou trazer meu exemplo pessoal.
Tive uma infância e uma adolescência muito difíceis em relação
ao meu relacionamento com o meu pai. Imagino que neste momento
algumas pessoas aqui lendo esse texto já começam a torcer o nariz
pensando assim: “Lá vem essa história de falar da infância...”
Preciso pontuar que, sim, quando se
fala em Psicanálise é necessário esse voltar. Por quê?
Para a Psicanálise, a formação do indivíduo se dá nos primeiros
anos de sua vida através das relações com os primeiros cuidadores.
Você já deve estar pensando: "E isso nunca muda?!" Bem, atualmente, através
de estudos recentes de Neurociência, especificamente sobre
neurogênese (geração de novos neurônios), neuroplasticidade, caminhos neuronais diferentes criados por
mudanças conscientes e persistentes de novos hábitos e estilos de
vida, sim é possível mudar! Contudo, faço um adendo aqui: algumas
coisas nunca vão mudar. Um exemplo básico disso: extroversão e
introversão. Eu sou introvertido. Se me pedirem para dar uma
palestra, para ir a um evento e fazer networking, ministrar aulas,
estar com um grupo de pessoas conversando e interagindo, posso fazer
tudo isso, mas depois vou me recarregar num canto,
sozinho, fazendo atividades solitárias, como ler, assistir um
documentário, correr, ouvir música, refletir ou meditar. A palavra
crucial aqui é recarregar. O introvertido se desgasta através
do contato com as pessoas e ele se recarrega sozinho. O extrovertido
é o contrário, ele se desgasta ficando sozinho e se recarrega no
contato com as pessoas. Um pode se tornar o outro definitivamente? A
ampla literatura científica em Psicologia responde não. É o mesmo
com a orientação sexual. Existe por exemplo “ex-gay”? A
resposta é não. Impossível isso. Então, para concluir essa parte:
tem aspectos da nossa personalidade que podemos mudar; tem aspectos
da nossa personalidade que poderíamos melhorar; e tem aspectos da
nossa personalidade que nunca mudarão.
Voltando à minha infância... Eu
amava meu pai, o via como um super-herói mesmo. Ele era muito forte
psicologicamente, fisicamente também. E crítico. Muito crítico.
Ele pegava no meu pé para estudar, ele dava bastante importância
aos meus estudos. De presentes dele eu ganhava livros, revistas, ele
acompanhava minhas tarefas de casa. Ele fazia questão de ir às
reuniões de pais e mestres. Eu apanhava se tirasse alguma nota
vermelha. Não consigo me lembrar se eu já gostava de estudos na
infância, se isso então era algo natural – veio comigo, ou se
acabei desenvolvendo através do medo que tinha dele e também da
vontade que tinha dele me admirar. Estava sempre tentando comprar o seu apreço
sendo um menino prodígio. Pois bem, essa é uma parte da história. A outra é
aquela que me oponho a tudo isso, assim que posso.
Mesmo quando criança tinha coisas
na minha educação que eu não concordava. Meus pais diziam que eu
tinha um gênio muito forte. Minha mãe até hoje brinca que quando
nasci, na hora do parto, o médico dava aqueles tapinhas e nada, nada, chegou uma hora que o médico se cansou e disse: “Mãe, esse
menino vai ser ruim, hein! Olha! Ele não chora!”. Eu me lembro de certa vez na infância que meu pai estava me batendo, até que em num dado
momento ele grita comigo: “Por que você não chora?!”.
Olhei bem nos seus olhos e respondi: “Porque eu sei que é isso
o que você quer!” Aí ele parou. Enquanto criança contive
o impulso de me opôr a ele, na adolescência eu já não aguentei
mais. Por volta ali dos meus quatorze anos passei a enfrentá-lo fortemente e
nessa época tivemos umas brigas terríveis mesmo.
O que eu quero dizer com essa minha
história? Note aqui duas coisas: 1 – os conteúdos carregados
de fortes emoções; 2 – a minha relação com os cuidadores
na infância e na adolescência. O que isso significa? É nesse
período que uma série de características psicológicas e
comportamentais estão se formando e as experiências vividas nessa
fase, especialmente aquelas marcadas por fortes emoções, criam o que
Freud chamou de traumas e que são fundantes do indivíduo.
Estruturantes. O que quero dizer? Criou-se aqui no meu caso uma
estrutura: *figura de autoridade x oposição. E ela se reverberou em
outras esferas mais tarde na minha vida nas mais diversas figuras de poder; fosse nas salas de aula com alguns professores, nas
empresas com alguns chefes, na vida em geral com qualquer
pessoa hierarquicamente superior a mim em determinada circunstância ou situação. E isso tende a sempre ser assim, pois uma hora
ou outra faço o quê: *projeto fora de mim essa dinâmica.
Voltando então agora ao mundo do trabalho... É comum em algum momento eu projetar essa dinâmica em algum chefe ou algum colega mais controlador, me pôr numa postura de oposição
e, inconscientemente, partir para o contra-ataque (contra-ataque,
porque imagino ter sido atacado primeiro). Quantas vezes, de repente, não me peguei brigando?! Só que hoje tenho bem mais
consciência desse mecanismo de defesa, isso se trata de uma projeção da minha
infância. E na verdade nem estou me opondo à pessoa de fato, estou
me opondo ao meu pai projetado na pessoa. Por eu ter recalcada uma sensação de
impotência e não querer ter contato com essa sensação de me sentir
comandado à força, meu psiquismo precisa projetar isso para fora de mim,
para eu criar todo um cenário que só vai reafirmar depois, para mim mesmo, que eu sou livre. Mas imagina o desgaste disso... O prejuízo nas relações interpessoais. E eu só trouxe um exemplo, de um dos mecanismos. E logicamente que venho me analisando desde então e me atentando a tudo isso. E é exatamente isso o que proponho que cada um faça.
A Psicanálise então tem essa
proposta base, a de autoconhecimento. Basicamente é trazer para a
consciência conteúdos do inconsciente que foram originados lá
atrás, recalcados e
hoje causam alguma disfuncionalidade na vida do sujeito. Isso vai
cura-lo? Não. Psicanálise não fala em cura. Isso vai mudar sua
estrutura então? Não também. Uma autoanálise ou uma análise é
como jogar luz sobre um cômodo escuro. Você não muda a disposição
dos móveis, nem o layout desse cômodo, mas havendo iluminação no
ambiente que antes estava escuro, pelo menos, passará agora a
enxergar a localização das coisas e não ficará sempre
esbarrando nos mesmos móveis. Assim quando enxergar alguma
sombra, saberá qual móvel exatamente está projetando essa
figura.
O que eu recomendo para você que
está lendo essa postagem? Em primeiro lugar, essa postagem é para
você se analisar, esqueça de observar o comportamento do outro e
tentar mudá-lo. Preste atenção se você não está constantemente
projetando conteúdos que são seus nos seus colegas de trabalho.
Vejo muito isso acontecer no dia a dia. E isso vai minando as
relações profissionais. É natural que aconteçam as projeções,
todos nós projetamos em maior ou menor grau, porque estamos lidando
com pessoas, mas a medida do possível precisamos trazer para o
consciente os nossos comportamentos. E não resolve você apontar ou
dizer quando alguém está projetando, porque é a própria pessoa
quem precisa ter essa autopercepção, mas se ela não estiver aberta a
isso não vai adiantar. Foque então em você, nas suas relações e nos
seus comportamentos e pense o que você pode fazer para melhorar.
Preste atenção em quais são as suas queixas corriqueiras no ambiente organizacional. Um líder que tem na
equipe por exemplo um colaborador que ele fica de marcação e sempre
aquele colaborador chama sua atenção, poderia se fazer as seguintes
perguntas. Por que sempre ele? Por que será que isso, nele,
sempre me chama a atenção? O que isso poderia dizer sobre mim?
Trazer a reflexão para si. Se você tem um colega de trabalho
que nunca te fez absolutamente nada, mas você não gosta dele, você
tem implicância com o comportamento dessa pessoa ou você evita de
falar com ela, pergunte a si mesmo o porquê disso tudo. Uma boa
forma de obter autoconhecimento e autodesenvolvimento, não apenas
profissional, mas também pessoal é estar sempre se analisando, se
fazendo perguntas, buscando entender a origem das questões,
inquietações, seja no trabalho ou fora dele.