domingo, 31 de março de 2019

A DOR DE UMA EXISTÊNCIA HUMANA



Dói. Está doendo agora. Uma dor afiada e silenciosa que vem chegando de mansinho, rasteira e vai se aninhando sobre o meu peito e atrapalhando a minha respiração. Ela atordoa meus pensamentos e me faz sentir um gelo na boca do estômago... É hora de escrever.

Enquanto escrevo este texto e ouço ‘One of us’ de Joan Osborne – como se fosse a primeira vez –, sinto um vento frio soprando meu rosto, bem típico da estação de outono, e sinto cada veia do meu corpo pulsando forte, pulsando firme, como se me lembrassem de uma sensação já vivida anteriormente. Meu corpo está anestesiado, mas ao mesmo tempo sinto tudo, e ele sabe do que se trata. É o sofrimento da condição humana. Esse sofrimento me traz uma dor que me lembra de que estou vivo, de que existo e que aqui dentro involuntariamente se move como uma serpente rastejando, uma força antiga, potente, da qual não tenho total controle. Embora já aprendi a abrir mão de tentar controla-la. Deixe-a vir. Deixe agir. Deixe me queimar, pois também vai me nutrir.

Uns a chamam de sofrimento existencial, outros de ansiedade, há também quem vá dizer de que se trata de um possível episódio depressivo. Mas não penso assim. Não sinto assim. Para mim o sofrimento do qual estou falando, e vivenciando, é o mesmo que já me assombrou dezenas de outras vezes e tenho certeza de que toda a humanidade já se deparou com ele em algum momento pois se trata da dor da própria condição humana. É digno do humano. É a vida em si, existindo, mostrando-nos que a mesma energia que move os planetas ao redor do Sol e que sustenta galáxias inteiras, movendo montanhas e alternando marés, é a que pulsa em nossos corpos. Quando ela vem só tem um caminho, um único objetivo, vem para alargar a nossa alma através de seu rastro, para caber mais mundo interior. E quando bem canalizada não nos destrói, pelo contrário, estranhamente termina nos nutrindo e nos tornando mais fortes. Mais largos. Mais íntegros. Possibilitando que em nós caiba mais vida e assim, consequentemente, mais sofrimento. É um eterno ciclo entre tensão e expansão, tensão e expansão...

Acho engraçado, até com um pouco de preocupação, como a sociedade foge dessa dor. De fato, ela é bastante difícil de suportar; ela é pesada, nos queima mesmo sendo fria, é intimidadora. Intimida porque gera uma constatação franca, crua, realista, que bate forte e não agrada um ego tão carinhosamente construído. Nosso ego quer glória, status, quer prazer. No entanto, ele se depara com cenas fortes, reais, com sofrimentos tão vivos que nos colocam rente ao chão na posição que verdadeiramente temos. A de reles mortais. Nus. Fracos. Frágeis. Dependentes. Isso nos assusta. Alucina. Agride. Machuca. Cortando como se fosse uma lâmina afiada cada camada construída de ilusões e vaidades.



Mas tenho que confessar uma coisa que talvez alguns ainda não saibam. Eu adoro flertar com essa dor. O sofrimento e eu já somos bem íntimos. O conheci cedo na vida. Ele bate forte sim, mas confesso que sempre fui tão apaixonado pela vida em todo o seu esplendor que nunca pude abrir mão de nenhum sentimento sequer! Em especial aqueles mais ‘dark’. E vamos combinar que a vida é um kit completo! Nesse baú tem matizes de emoções e sentimentos tão variados, indo do amor ao ódio, de compaixão a maldade, de algum afeto a total indiferença. E ainda tem raiva, orgulho, inveja, ciúme, paixão... São tantos e tão diversos entre si que procurei nessa vida dialogar com todos. Embora nem sempre foi uma questão de escolha. Estou sendo sincero e alguns talvez pensem que seja loucura de minha parte gostar ou procurar sofrer, mas isso não é verdade, porque eu nunca procurei por sofrimento. Eu não preciso. É exatamente o contrário, é o sofrimento que me procura. E não adianta querer ou tentar fugir, porque ele sempre me acha; ele sempre sabe onde me encontrar, assim como sempre soube onde bater pra doer pra valer. E dói. Já sofri bastante, acredite.

Mas o lado bom de passar por esse sofrimento que vem da vida é que a gente cresce, amadurece, ele faz a nossa vida encher de intensidade, de profundidade, de significância! Quando sou assombrado por ele, todas as músicas do Capital Inicial por exemplo ganham um tom mais vívido... Me aproximo mais do rock, das canções melancólicas, com letras profundas. E como meu coração ferve ao ouvi-las... Embora muita gente não saiba, tenho um mundo interior muito rico. Sou muito profundo, tanto que às vezes me perco em mim mesmo; me faço mergulhos internos tão profundos que às vezes é difícil retornar à superfície. Sempre nos embalos de músicas melancólicas como as da Adele ou mais intensas como as do Linkin Park, do Charlie Brown Jr ou do CPM 22... Nos momentos de dor sempre me pareceu que tudo em mim queima de forma vívida. Os sentidos se aguçam e as músicas batem fundo, no fundo, e se misturam com leves doses de melancolia, nostalgia e introspecção. E reflexão. E contemplação. Curto muito isso. Bate uma incrível vontade de orar, de chorar, de correr, de gritar, como se a minha alma estivesse se dilacerando. É quando se faz necessário um movimento como resposta para tudo isso, que seja capaz de balancear essa sensação. E assim como muitas pessoas fazem, descobri boas ferramentas para isso: a arte e a atividade física (criei um dia esse blog e comecei a correr). Sempre ouvindo música. Corro e escrevo no blog ouvindo música. Arte e atividade física são formas eficientes de dar vazão, expressão, de fazer o contraponto ao sofrimento proveniente da própria existência humana, e são tão necessárias porque qualquer sofrimento retido por muito tempo adoece.



Para finalizar gostaria que acreditasse em mim quando digo que, quando o sofrimento vir te visitar e te provocar alguma dor, no fundo é apenas a própria existência querendo mais espaço, não negue isso, busque investigar, dialogue com esse conteúdo interno que emerge. É a própria vida pulsando dentro de você, por isso você sente peso, pois é como se o universo todo estivesse em você. E na verdade está, pois lembre-se que somos feitos de poeira de estrelas! Então, como o próprio Atlas da mitologia, carregue seu mundo nas costas com grandiosidade. Um humano potente é aquele capaz de dar conta de si, de sustentar o seu mundo interior, de suportar a dor da existência humana no peito. Na pele. Carrega-la com dignidade. Com bravura. Com sabedoria. Nós abrigamos um universo dentro de nós mesmos e quando surge um sofrimento é apenas um sinal da vida exigindo formas de expandir. Algo dentro de nós precisa expandir e isso dói. É como trocar de pele. O sofrimento nos diz ‘você precisa ficar maior, precisa crescer, para caber mais conteúdo dentro de si, caber mais mundo, mais vida’. E quanto mais vida interior existir em nós, mais fortes, criativos e empoderados de nós mesmos nos tornamos.

Da próxima vez então que sentir seu peito queimar, a respiração apertar e uma angústia surgir, não importa a origem do que esteja vivenciando, procure se lembrar de que tudo se trata da própria vida, que habita em você, que vem exigir mais espaço. Deixe fluir. Deixe agir. Deixe queimar! Sustente com dignidade esse sofrimento. Converse com ele. Mature-o. Descubra o que ele quer, para o quê veio e de que forma poderá ajudá-lo a passar por você. Ele vai atravessa-lo ao meio como uma lâmina suave e isso te parecerá dolorosamente prazeroso, pois ao terminar esse processo a vida já não lhe será mais a mesma, nem a sua existência e nem mesmo você.