domingo, 26 de agosto de 2018

A formação para Gestão de Pessoas



Toda organização (seja ela pública, privada, uma ONG etc.) podemos dizer que é composta por um conjunto de elementos físicos e não-físicos. Como exemplos de elementos físicos podemos citar resumidamente a matéria prima, o maquinário, as instalações, o layout produtivo, as pessoas envolvidas etc. Como exemplos de elementos não-físicos podemos citar, também de forma breve, a tecnologia de informação, a contabilização, o conhecimento, o planejamento, a comunicação, a cultura, a construção de uma hierarquia e como se dá o processo decisório (mais verticalização; mais horizontalização) etc. Toda organização impacta e também será impactada pelos elementos (físicos e não-físicos) externos, como por exemplo a sociedade na qual está inserida; o meio ambiente; o seu público alvo; o governo (impostos, legislações, informações obrigatórias etc.). A chave do bom funcionamento da dinâmica desses elementos está na sua gestão. É a administração da organização.

De forma resumida (mas nem tanto) expus acima o principal escopo de ensino de um curso de Administração de Empresas – do qual tenho formação. Nesse curso você vê um menu de teorias e técnicas e perpassa por todas as áreas e setores que existem numa organização, através das disciplinas. É um curso amplo, genérico, que entrega o que se promete: uma visão sistêmica do todo.

Quando falamos em administrar uma organização, de todos os elementos que eu citei, na minha opinião, hoje mais do que nunca o calcanhar de Aquiles é o fator Humano. A tecnologia da informação é importante. A comunicação é importante. A gestão do conhecimento, o planejamento e o cumprimento da legislação são importantes. Todos os elementos têm a sua devida importância. No entanto, por trás de todos esses elementos existem o quê? Pessoas. Ao isolarmos cada organização, cada área, cada setor, cada elemento, cada processo, para se chegar numa matriz originária, vamos descobrir que ali reside um ser humano. Portanto, é verdade que essencialmente são as pessoas que levam a organização em direção aos objetivos esperados. E dessa forma, faz com que a Gestão de Pessoas seja hoje o braço direito da administração de qualquer empresa. E é verdade também que será a gestão mais difícil de todas, porque envolve o elemento mais complexo de todos, pois cada ser humano é único, dotado de subjetividade e influenciado por fatores biopsicossociais.  

A questão é: o curso de Administração de Empresas capacita para gerir pessoas? Não. (E agora os administradores vão cair de pau em cima de mim rs rs). Não capacita. Em Administração de Empresas você estuda teorias, aprende técnicas, há uma bagagem de cálculo, mas não se vê profundamente e não se tem muitas disciplinas voltadas à Gestão de Pessoas. E não sei também se esse é o foco do curso, pois como já dito acima, o curso entrega um conhecimento amplo e mais generalista da Administração, e depois de formado o profissional vai se especializar na área que ele quer ou se identificou mais. Como acontece em muitos outros cursos de graduação! Não tem nada de errado com isso. E eu adorei o curso que fiz, se voltasse atrás teria escolhido novamente sem sombra de dúvida, mas eu já até falei sobre isso aqui; no meu segundo ano de faculdade tive a oportunidade de liderar uma equipe e eu pedi para sair. Eu não consegui! Isso significa que todo administrador não conseguirá? Óbvio que não. Não é correto generalizar. Mas – na minha opinião – o administrador tem uma tendência a ser mais objetivo, mais burocrático, mais técnico, talvez até mais rigoroso e a perceber e compreender menos as questões subjetivas dentro da organização e os fatores biopsicossociais que podem estar impactando os trabalhadores. Não é uma característica ruim essa, é apenas uma visão. Se eu fosse sintetizar numa frase, eu diria que: “o administrador tem uma tendência a enxergar a relação Empregador x Empregado como unicamente uma relação comercial.

E hoje a gente sabe que não é bem assim...

Aí vou trazer outra questão: então seria aquele com formação em Psicologia o profissional mais indicado ao Recursos Humanos, à Gestão de Pessoas? Não. (E agora os psicólogos vão cair de pau em cima de mim rs rs). Eu não tenho graduação em Psicologia, sou graduado em Administração, mas na minha opinião, pelo que observo, o curso de Psicologia também não capacita o psicólogo (como precisaria) para dar cabo da organização. Me desculpem. Eu me pós-graduei em Recursos Humanos, depois fiz Gestão de Pessoas, e fiz Psicologia Organizacional e do Trabalho, e atuo nessa área há anos. Se existe déficit na formação do administrador para dar cabo desse desafio, ao psicólogo também. A visão aí vai radicalmente para a outra ponta. Eu sou apaixonado pela Psicologia, como adoro os meus amigos psicólogos, tenho planos até de cursar a graduação, mas pelo que observo (com o perdão do engano) é uma ciência que, se o estudante não é bem orientado quando ele opta pela Organizacional, quando ele cai na organização de fato, ele tem dificuldade pois tem uma “tendência a ser humano demais. Se o administrador tende a enxergar a relação trabalhista como puramente comercial, o psicólogo é o inverso, ele tende a esquecer que é business. Que é um negócio, dentro de um sistema capitalista, amarrado por um contrato de trabalho. Ou seja, as partes em comum acordo se acertaram que o empregador pagará “x” para o empregado entregar “y”. Ou seja, se em algum momento o empregado entregar menos, seja em horas trabalhadas ou em quantidade produtiva, está errado. Há um descumprimento aí, que tem que ser averiguado.

E o psicólogo certamente argumentaria que por trás do trabalhador existem “n” fatores que podem estar o impossibilitando de cumprir com o combinado (os fatores biopsicossociais). Ok, é compreensível, vamos então averiguar o que se passa e veremos o que é possível ser feito. Mas a questão é: quanto tempo temos disponível para isso? Lembrando que estamos amarrados por um contrato, numa relação de negócio e estamos equacionando tempo x custo x benefício. E o psicólogo tenderia a achar isso muito frio, muito calculista, muito pragmático. Mas devemos lembrar que, caso a organização não seja uma instituição filantrópica, seu objetivo primordial é o lucro. O empresário começa uma atividade econômica porque ele quer obter lucro. E não tem nada de errado com isso, estamos num sistema capitalista – se é bom ou mau, é este o que temos. Essa visão demasiadamente humana de alguns psicólogos, quando vão para a organização, tem mais a ver com a Psicologia Social do que propriamente com a Psicologia Organizacional e do Trabalho. Se o Estado não tem uma estrutura que possa dar suporte ao trabalhador, vamos jogar essa bola ao empresário?

Numa aula uma professora (psicóloga) nos pediu a seguinte reflexão: “você tem uma babá que cuida de seus filhos enquanto você precisa trabalhar. Um dia a babá te liga que não poderá ir trabalhar porque seu filho está doente. Na semana seguinte ela liga e diz que não poderá ir trabalhar porque terá consulta médica. Depois ela liga que não poderá ir trabalhar por um outro motivo qualquer (mas justificável). Todas as vezes que a babá falta ela justifica, mas ou você precisa faltar do seu trabalho ou precisa se virar com as crianças. Quanto tempo você mantém essa situação, sem trocar de babá?”. Note que em nenhum momento está se julgando a conduta da babá no exemplo, pois ela está faltando ao trabalho por motivos justificáveis. Muito compreensíveis. Mas será que é o empregador quem dever arcar com esse custo? E por quanto tempo ele consegue fazer isso?

Na minha visão, o profissional que atua em Gestão de Pessoas tem que entender que a relação é comercial então precisa sim existir um certo pragmatismo; a atividade econômica visa o lucro e não convém perde-lo de vista (para o bem de todos: empregador, empregado e governo!). A contrapartida o capital mais importante de uma organização não é tecnologia nem são as máquinas, já se sabe que são as pessoas, que hoje mais do que nunca é chamado de Capital Intelectual. E ele necessita sim ser valorizado. Mas valorizar não significa sair concedendo aumento de salário ou dar mais benefícios indiscriminadamente, ou fazer vista grossa para tudo, porque se isso não é pensado econômica e financeiramente falando, é uma atitude irresponsável porque a longo prazo coloca a própria atividade econômica em risco. O ponto foco da Gestão de Pessoas é ser capaz de enxergar o trabalhador com seus pontos fortes e pontos a serem trabalhados, levar em consideração que a motivação é intrínseca, portanto é pessoal. Alguns funcionários irão trabalhar exclusivamente pelo salário para pagar contas, outros já gostam do que fazem, outros gostam do ambiente e dos colegas, outros gostam da oportunidade de desafio que foi dada, outros gostam de aprender e querem crescer profissionalmente etc. Cada funcionário tem as suas próprias demandas, as suas próprias necessidades, ele gosta e quer que a empresa perceba isso. E a empresa deve fazê-lo, dentro do que é possível ser feito em dado momento.

A questão que fica então é: qual seria a melhor formação para se atuar em Gestão de Pessoas? Não tem. (E agora quem está estudando pra isso vai cair de pau em cima de mim rs rs). Sinceramente falando, eu não sei se existe uma graduação específica. Assim como não sei se é necessário ter uma graduação para isso. Conheço empresários que não tem formação superior e dariam uma verdadeira aula nesse quesito. Assim como conheço ótimos gestores que são graduados em Comunicação, em Engenharias, em Direito, em Economia etc. Talvez o foco nem seja o curso, mas sim o indivíduo. Prefiro pensar que um gestor precisa ser técnico o suficiente para não perder de vista o negócio em que atua, mas precisa também ser humano o suficiente para não perder de vista aquilo que ele tem nas mãos, o seu capital intelectual! E quando bate uma dúvida gosto ainda de recorrer aquela célebre frase do Jung: “conheça todas as teorias, domine todas as técnicas, mas ao tocar uma alma humana, seja apenas outra alma humana”.

sábado, 11 de agosto de 2018

O psicopata no trabalho



Existe uma questão que sempre busquei entender, que trata da origem de nosso caráter. Uma linha da ciência diz que somos folhas em branco ao nascer e é o meio (os nossos cuidadores, a escola, a sociedade etc.) o responsável por nos construir enquanto pessoa. Outra linha da ciência já considera que, em partes, seríamos sim folhas em branco, porém não totalmente, há uma parcela herdada, mesmo quando estamos falamos de caráter.

Faço sempre essa reflexão quando me deparo com uma pessoa com um desvio de caráter muito acentuado. Quem de nós nunca se deparou com um indivíduo assim, não é? E quando encontramos uma pessoa com essa característica no ambiente organizacional?

Certa vez, trabalhava numa empresa e estava numa sala numa situação bastante complicada para uma pessoa, uma funcionária. Havia acontecido uma série de situações, bastante sérias, e essa pessoa tinha sido descoberta como a autora dos atos e eu estava presente no exato momento da revelação da verdade. Confesso que a atmosfera na sala era tão tensa e havia o compartilhamento de um constrangimento alheio por todos os envolvidos, menos pela autora. A todo instante, eu só olhava, quase que desesperadamente, para o rosto dessa pessoa e eu buscava ali em seus olhos algum sinal de arrependimento, culpa, e sequer vi uma faísca de constrangimento! Eu nunca me esquecerei daquele momento. Como nunca me esqueci daquele olhar...

Alguns chamam de mau caráter. Outros, de perverso. Mas estamos falando de psicopatas. Pessoas com transtorno de personalidade antissocial. Segundo a literatura científica, estima-se que sejam 4% da população, sendo 3 homens para cada mulher. Divididos entre graus que vão de leve, moderado, até grave, eles estão entre nós e é certo afirmar que já trabalhamos com algum, em algum momento de nossa vida. Pessoas muitas vezes brilhantes. Inteligentes, comunicativas, sociáveis, charmosas, sedutoras até; pessoas absolutamente racionais, que sabem fazer a cena muito bem. Jogam muito bem o jogo! O jogo das relações sociais, de poder; eu diria que são políticos natos, nasceram com uma articulação impressionante.

Aqui cabe fazer uma diferenciação entre o que seria um traço e o que seria o transtorno de fato. O traço é a característica. Quem tem o transtorno possui os critérios (listados no DSM-V Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, por exemplo). Porém, nem todos que apresentam traços terão o transtorno. E já li alguns psiquiatras dizendo que ter um traço nem sempre é ruim, até pelo contrário, pode ser muito bom para um indivíduo. Eu por exemplo posso dizer que teria um forte “traço psicopático”, que sempre gozaram de mim por conta da minha excessiva racionalidade e da baixa emotividade. Sou muito cerebral, e por isso pouco empático, tenho dificuldade de me pôr no lugar das pessoas e compreender rapidamente suas necessidades. Afirmo que a minha personalidade é um tanto calculista, sou sim um pouco frio, controlado e contido, detalhista e metódico, e um tanto quanto “distante emocionalmente” das outras pessoas. Mas eu jamais seria capaz de prejudicar objetivamente, conscientemente, alguém! Isso vai contra todos os meus princípios, contra o meu caráter, contra a minha própria criação. Não fui educado assim.

Mas confesso que ter o traço me ajuda na minha profissão e pode ajudar em outras. Veja que a descrição que dei cabem bem para um contador, para um engenheiro, para um desenhista técnico. São úteis para mim quando preciso calcular uma folha de pagamento ou uma rescisão de contrato de trabalho, porque consigo fazer isso com uma precisão quase cirúrgica. Características boas até para um juiz. Eu por exemplo sou lembrado pelo senso de justiça e procurado às vezes para arbitrar desavenças (por enxergar o fato com frieza e os envolvidos sem vínculo emocional). Sou um observador atento e detalhista. Sou intuitivo. Faço umas boas interpretações e análises. Então, ter traço nem sempre é ruim. O traço é uma coisa e o transtorno em si é uma outra completamente diferente. E isso vale para todos os transtornos de personalidade.

E note que grifei acima a palavra consciente porque psicopatas têm consciência de seus atos, por isso não devem ser considerados doentes mentais. Não há tratamento nem cura, estamos falando de personalidade. É uma maneira de ser. Uma forma de se exercer e existir no mundo, onde o outro não tem valor, o outro é só um meio para se atingir um objetivo.

As perguntas do milhão são: como identifica-los? E como lidar com eles?

Para responder a primeira pergunta, gostaria de lembrar que aprendemos desde pequenos (e a gente sempre esquece) que não se julga um livro pela capa. Da mesma forma que não se começa a ler o livro pelo fim; a gente tem que partir da primeira página. Um funcionário que apresente sinais de desvio de caráter numa empresa (como mentir, omitir, distorcer, trapacear ou até furtar ou roubar) certamente já tem um histórico. Ele provavelmente tem uma série de experiências profissionais anteriores obscuras. Mal resolvidas. Mal contadas. O passado desse profissional quase sempre será marcado por experiencias profissionais meio parecidas ou será um passado nebuloso, conflituoso, ou de difícil acesso; onde certamente ele próprio dificulta o acesso. E quando tocado no assunto ele sempre vai se colocar como a vítima e ter um discurso de pena. Aí entra o sinal de alerta: cuidado com aqueles profissionais que são perfeitos demais e chegam numa entrevista com um currículo irretocável (ninguém é perfeito assim, de verdade). Especial cuidado com aqueles profissionais que têm sempre um discurso que foram ou que são vitimizados. Psicopatas são especialistas em jogar com emoções alheias. Preste atenção em subordinados ou em colegas de trabalho de mesmo nível hierárquico ou de níveis mais baixos (só serão de níveis acima se tiverem algo a ganhar ou se você estiver no caminho obstruindo sua escalada) que te apresentem uma realidade embutindo já uma interpretação parcial e tendenciosa dos fatos. Eles geralmente não te dão tempo nem espaço de raciocinar por si diante das situações e ficam sempre tentando conduzir a sua interpretação (que na verdade é a interpretação que querem que você tenha). Essa é a manipulação! E tem sempre uma finalidade por trás (pode ser poder, status, dinheiro ou puramente diversão). Nem todo manipulador é um psicopata, mas todo psicopata será um manipulador nato. Estes profissionais sempre estarão envoltos a conflitos, mas nunca ligados diretamente. Gosto de dizer que sempre os veremos próximos do fogo, mas nunca conseguimos liga-los ao incêndio!

Responder a segunda pergunta talvez seja ainda mais difícil, porque mais difícil do que perceber uma pessoa genuinamente mau caráter, é saber lidar com uma depois da constatação. Acredito que, como o ditado, “a ocasião faz o ladrão” (quando o ladrão é mau caráter!). Para os profissionais, eu recomendaria que se você perceber que uma pessoa da empresa tem uma má índole, não crie ocasiões que possam te prejudicar. Não confidencie segredos. Não deixe senhas gravadas no seu computador. Evite comentários de chefes em comum ou de outros colegas que possam ser usados posteriormente contra você. Mantenha uma distância profissional sadia. Seja profissional! E acima de tudo: seja o mais racional possível ao lidar com essa pessoa especificamente. Indivíduos com um mau caráter jogam com as emoções alheias, isso significa que pessoas mais emotivas, que dão uma maior abertura aos sentimentos, tendem a ser alvos mais fáceis da manipulação, pois são naturalmente mais vulneráveis. Neste caso, evite excessos de emotividade e busque sempre um senso autocrítico para o seu comportamento. Para as empresas, eu recomendaria basicamente duas medidas: regras claras e punições efetivas! O psicopata no trabalho não deixaria de cometer um deslize só porque vai prejudicar um colega, mas certamente deixará de cometer se tiver certeza de que será responsabilizado. Ele tem consciência de seus atos. Se souber de antemão que na empresa em que trabalha as normas de conduta são claras, são sérias e se for pego infligindo haverá consequências relevantes para si, ele se adéqua. Ou no mínimo perde campo de atuação. O psicopata sempre vai existir em todas as organizações, porque ele está em todas as camadas e áreas da sociedade, mas ele só ganhará espaço de atuação na empresa em ambientes não estruturados, ambientes que não tenham regras claras ou que estas sejam constantemente relativizadas, e principalmente onde não exista uma punição efetiva perante a constatação de um mau comportamento ou de um comportamento não adequado.