terça-feira, 31 de outubro de 2017

Uma vida espartana



Uma vez eu assisti um filme, eu acho que era “300”, e numa determinada cena um dos dos personagens dizia que o oponente havia oferecido algo aos espartanos, que era para eles irrecusável. “Era uma morte honrosa na batalha”. Eu gosto do sentido dessa frase, da filosofia espartana, porque ela retrata bem a minha vida e o jeito que eu gosto de levar as coisas. Muitas vezes eu já me perguntei assim de brincadeira: se eu gostaria de ter nascido em Atenas, que foi um berço do conhecimento humano; ou em Esparta, que era uma terra de guerreiros bravos. Eu não tenho bem uma resposta certa, porque por um lado reconheço que sou inteligente e houve momentos que ter sabedoria me ajudou muito, já me abriu portas. Mas tenho certeza que após atravessar essas portas, eu precisei muito mais saber brigar. E isso eu tive que aprender muito cedo na minha vida. O brigar a que me refiro é ir de encontro ao problema e tentar resolvê-lo; é aceitar um desafio que não é meu mas que eu comprei a ideia, e querer superar o meu próprio limite, seja físico, seja psicológico, seja emocional, todos. É uma sensação de você entregar tudo.

Algumas pessoas me chamam de workaholic. Já ouvi de tudo também; de super-homem a salvador da pátria. O sargentão. Já pensei mesmo em seguir carreira militar. Na adolescência eu cheguei a cogitar isso. Eu sou disciplinado, sou honrado, sou persistente e eu adoro brigar. Características típicas de um guerreiro. Me venda uma boa ideia – ou melhor, me faça comprar a sua ideia e vai ter um fiel escudeiro. Eu sou o cavaleiro da Coroa, o capitão do exército do Rei, o pastor alemão da propriedade, aquele gladiador que dá a cara a tapa e vai de encontro à fera na arena. Eu não tenho medo. Se tem uma coisa que eu não tenho é medo. Muito pelo contrário, eu sou apenas cauteloso e estratégico, eu só dou uns passos para trás para depois saltar para frente. Eu adoro uma boa briga. Me dê uma boa briga e vai ter um bom guerreiro, leal e forte ao seu lado. E eu sei que me faz mal isso, a princípio. Dói meu estômago. Me dá enxaqueca. Choro à noite calado escondido, enquanto lambo as minhas feridas. Muitas das vezes eu engulo o choro e disfarço os hematomas da batalha. Para minutos depois recomposto, estar lá de novo no meu posto, na linha de frente, onde é o meu lugar. Você quer me irritar é tentar me tirar isso, querer meu polpar, ou tomar uma briga minha. Eu fico louco, porque as minhas batalhas, as minhas brigas, quem luta sou eu. As minhas vitórias ou as minhas derrotas não terceirizo. E qualquer cicatriz eu nunca me arrependo, eu as tomo como troféus.

Eu adoro a sensação de estar no campo de batalha. Da adrenalina que isso dá. Isso me alimenta. Quando a minha vida fica calma demais, sem nenhum dilema existencial, sem nenhum problema para resolver, sem nenhum inferno para suportar, num primeiro momento é uma delícia. E eu aproveito também dessas férias. Mas com o passar do tempo, eu já percebi que isso me entristece. É como se a vida fosse gradativamente perdendo o brilho. É como se fosse tirado de mim uma necessidade essencial. A de ter uma morte honrosa na batalha. Eu olho para trás e me lembro dos momentos em que beijei o chão, quando alguma boa pancada foi forte demais. No momento eu confesso que doeu. Muito. Mas essa é só uma visão isolada da situação, porque quando eu olho para o contexto e eu vejo o momento que eu levantei e fui para cima novamente, e eu continuei brigando ou resistindo apesar de tudo, mesmo que fosse para apanhar de novo, a sensação que fica é muito boa. Porque eu sou meio sem vergonha... Não que eu goste de apanhar, eu gosto é de brigar. E eu já aprendi nessa vida que o bom guerreiro não é aquele que bate forte. A primeira e a melhor lição de todas, é aquela onde se aprende a apanhar. É aprender a cair. É aprender a errar. É aprender a se machucar, a se decepcionar, a amargar uma derrota. Mas não desistir. E levantar no momento apropriado e novamente avançar.

E que não se enganem com a minha carinha, eu também sei bater forte. Eu não tenho problema em beijar o chão também. Eu não tenho problema com pancada forte, eu até desejo que seja assim. Porque eu já sei muito bem me levantar. O chão nunca será meu lugar. Mas eu gosto de atingir o chão, porque do momento que eu estou no chão, a minha única opção é levantar. Do fundo do poço, a minha única visão é a da boca que dá para o Céu. E a verdade, é que a melhor visão do Paraíso se dá realmente do inferno. Quando caímos, quando apanhamos, quando nos decepcionamos, é justamente quando nos reconstruímos, nos reinventamos, é quando renascemos melhores. A vida é uma morte constante. E a vida só tem valor quando é desafiada. As coisas só têm valor quando são conquistadas. Exatamente por isso que não podemos desejar que as coisas venham fácil, porque para fazer sentido e para ser realmente especial, precisamos batalhar e conquistar na raça. Sem medo de arriscar. Sem medo brigar. Sem medo de cair. Exatamente porque é na queda, que o rio ganha força.


É, eu acho que eu preferia mesmo nascer em Esparta.