sábado, 12 de agosto de 2017

A MEDIDA DE TODAS AS COISAS


Quando eu tinha cinco anos, me lembro de comprar umas balas só porque no papel vinha uma pequena frase descritiva de cada signo do zodíaco. Eu devia ter uns sete anos, quando li o primeiro horóscopo nas páginas finais de uma dessas revistas de fofocas. Descobri que nos jornais também havia esses horóscopos, e o mais interessante nessa época era que ali num bar próximo da minha casa, jogando fliperama eu notava a seguinte cena: todo leitor do jornal, quando chegava na parte do horóscopo, dava uma olhada a sua volta, disfarçava um pouco e rapidamente corria os olhos para ler a previsão do seu signo. Eles tinham vergonha. Ou medo. Concluí naquele momento que as pessoas tinham a mesma curiosidade que eu, mas diferente de mim, elas tinham vergonha disso. “Por que ler o horóscopo era motivo de vergonha?” - me perguntava, enquanto jogava Street Fighter.

Por essa mesma época, fui a primeira vez à biblioteca municipal para fazer trabalho da escola. Da para notar que eu sempre fui muito curioso e observador, então é óbvio que fiquei mais vasculhando e conhecendo cada canto da biblioteca do que me concentrei no trabalho. Foi então que encontrei lá uma sessão de prateleiras classificada de “Esoterismo”. Eu já escrevi sobre ela aqui. Lá tinha livros que iam de astrologia à numerologia; de yoga à meditação; de chackras à terapias alternativas. Tinha livros que discorriam sobre a origem do fascínio do homem pelos oráculos e práticas adivinhatórias e autoconhecimento. Livros sobre ervas medicinais. Sobre mitologias e folclore brasileiro. Livros que alertavam sobre a importância de trazer mais espiritualidade para nossa vida, demasiada materialista. Eu adorava essa biblioteca e toda vez que íamos para lá, dava um trabalho para me tirar daqueles corredores pois sempre tinha alguma coisa que eu queria ler. Quero lembrar que isso foi a mais de vinte anos atrás, não existia Google. Poucos tinham acesso à internet. Computador era artigo de luxo, era caro, a maioria das pessoas não tinha e as pesquisas eram feitas em bibliotecas com auxílio dos livros e escritas naquelas folhas de papel almaço. Mas eu não me importava com isso, pois eu via naquelas prateleiras conhecimentos que, por algum motivo, ao longo do tempo foram se perdendo da humanidade e caindo em descrédito. Quando eu lia sobre práticas de medicinas alternativas por exemplo, mesmo eu sendo muito criança, aquilo já me fazia muito sentido, e eu já pensava que tinha algo de errado no caminho escolhido por nós até então. Acredito que hoje exista um movimento interessante e  noto que alguns já perceberam que tem algo de errado com essa economia desequilibrada; com esse sistema capitalista desenfreado, onde as contas nunca fecham; com essa nossa resistência de olhar para dentro de nós mesmos e refletir questões pessoais; sem falar num número alarmante de casos de transtornos e doenças mentais que só cresce a cada ano. Alguns estão “despertando” e buscando práticas e conhecimentos antigos.

Desde o início dos tempos, o homem teve ao seu alcance os quatro elementos principais para manipular: o fogo, a terra, o ar e a água. A medida que seu conhecimento aumentava sobre a manipulação desses elementos, ele ia desenvolvendo seu entorno e criando novas técnicas, novas ferramentas, mas tornou-se uma relação de poder e domínio. O homem se tornou um deus de si, ele se colocou no centro e dominou o resto, deixando a natureza a mercê de suas necessidades. Mas essa relação nem sempre foi assim... Alguns povos indígenas, aborígenes, alguns pajés, xamãs, todas essas tribos mantiveram ou mantém até hoje uma relação diferente com a natureza. Eles se veem como parte do entorno, onde homem e natureza são indivisíveis, eles respeitam a natureza porque já se veem como natureza. É interessante ler relatos da forma como alguns nativos desses locais pedem licença à floresta para caçar, pescar ou colher; como agradecem cada alimentação e só retiram o suficiente para saciar a fome, dando o tempo necessário para um local se regenerar. No xamanismo por exemplo, entende-se que existe um elo entre o mundo espiritual e o mundo material, e os xamãs creem em espíritos da natureza que não só os protegem e os curam, mas sempre lhes proverão o necessário. Vejo nessas culturas beleza e uma riqueza de aprendizado pois vivem em harmonia com o meio. Transcenderam valores que as sociedades modernas ainda não. Tinha um professor de biologia que nos falava que o homem era um vírus no planeta Terra, e este, como todo organismo, está lutando contra a ameaça invasora. E o aquecimento global seria um dos sintomas, porque a febre é a forma do organismo lutar contra a ameaça, elevando a própria temperatura. Eu sei que é uma analogia grosseira, ficcional, mas ela nos proporciona boas reflexões.

Agora abro um parênteses interessante sobre a origem da nossa relutância em aceitar ler ou ouvir sobre conhecimentos pouco ortodoxos e práticas tidas como pseudociências. Primeiro porque no movimento antropocêntrico, o homem se colocou como um deus e assumiu a ciência, sua ferramenta-mãe, como sendo aquilo que ele pode aferir e provar inequivocamente com seu racionalismo iluminista, e todo o contrário disso foi rebaixado a um pseudoconhecimento. Segundo porque existe algo chamado Igreja, muito poderosa na Idade Média, que criou nessa época uma máquina de moer pessoas “indesejáveis”, ela chamava-se Inquisição. Qualquer pessoa minimamente diferente ou com ideias que contrariassem o status quo era acusada de herege, bruxa, satanista e sua sentença era a morte. Óbvio que isso gerou um medo coletivo. Esse medo está enraizado no nosso inconsciente até hoje. Assim como o preconceito. Por isso os leitores do jornal na minha infância tinham vergonha de serem vistos lendo o horóscopo, eles poderiam ser taxados de inúmeros adjetivos; por isso quase ninguém frequentava a sessão de esoterismo da biblioteca, tinham vergonha de serem vistos por lá. Esoterismo virou sinônimo de práticas ocultas voltadas para o mal. As pessoas sempre associam a algo negativo. E só estão reproduzindo o preconceito.

Toda vez que ouvimos que alguém tem uma religião diferente, como o candomblé ou a umbanda por exemplo; que se submete a algum tratamento de saúde alternativo, como o reiki, a homeopatia, a acupuntura; que busca autoconhecimento através da realização do seu mapa astral ou numerológico; automaticamente olhamos para essa pessoa de forma diferente, enxergando muitas dessas práticas como algo negativo, prejudicial ou errado. Mesmo embora algumas dessas mesmas práticas já foram até incorporadas aos tratamentos ofertados pelo SUS (Sistema Único de Saúde). Nota-se portanto que o que é considerado correto ou incorreto, positivo ou negativo, saudável ou prejudicial não é só uma questão de opinião, como também do tempo em que uma sociedade está. Os mesmos pensadores e cientistas de séculos atrás, que hoje elogiamos e referenciamos, muitos se intitulavam como astrólogos também. Muitos desenvolveram estudos místicos sobre a influência dos números. Eram pagãos. Os médicos chegavam a fazer o mapa astral do paciente para poder consultá-lo melhor. Diz-se que astrologia chegou a ser uma disciplina da medicina. De tudo o que já li a minha vida toda sobre esoterismo, vejo que a principal força motriz nunca foi outra senão conhecer a si próprio. O objetivo primordial é o autoconhecimento. Seja a astrologia, seja a numerologia, ou o tarot, o xamanismo, a wicca, a meditação, a yoga, a maçonaria, seja qual for, tudo se trata no fim de um voltar-se para o interior; são práticas de desenvolvimento pessoal através do autoconhecimento, com um intuito de se tornar um ser humano melhor. Todas essas práticas enxergam o homem na mesma visão do alquimista, como sendo ele ao nascer uma pedra bruta, ignorante, sem luz, que aos poucos lapidará sua evolução através do seu autoconhecimento.

A minha aposta para os próximos anos é que cada vez mais as pessoas procurarão conhecimentos e tecnologias considerados hoje alternativos, para uma qualidade de vida melhor. E isso já está acontecendo em alguns cenários! Principalmente no oriente. É o executivo que reserva alguns minutos do dia para uma meditação. Ele come produtos orgânicos e pratica yoga. Ele já fez o seu mapa astral e numerológico, então ele sabe quais são os seus pontos fortes e os pontos que precisa trabalhar mais, assim como ele sabe quais setores da vida tendem a serem mais críticos. Ele sabe qual é o seu dosha. E ele faz algum tipo de terapia. Essa é a minha aposta não só porque eu acredito fielmente nisso, como porque eu ainda vou trabalhar com isso! É o meu projeto de vida. Ter um espaço, que reúna vários ensinamentos de diversas culturas, que eu já li ou me aproximarei ao longo da vida, que perpassará a dança, a culinária, a medicina, a estética, com o objetivo de encontrar um caminho de equilíbrio entre corpo, mente e espírito. Trabalhos individuais ou em grupo, mas personalizados para cada indivíduo! Que seja capaz de fazer, primeiramente, essa pessoa se ver, se perceber, se conhecer, aprender a se equilibrar, então aprender a sozinha se desenvolver. Um espaço que a ensine os primeiros passos possíveis, com base numa análise pessoal, e depois ensine essa pessoa a redesenhar sozinha, se redescobrindo, se reinventando e se desenvolvendo continuamente. Porque nós somos como elásticos ao nascer, nossa capacidade de expandir é uma condição natural.