segunda-feira, 2 de junho de 2014

A ORIGEM DA DEPRESSÃO



Tenho ouvido cada vez mais a palavra Depressão. Como se uma sensação do que seria essa palavra estivesse sobrevoando ao meu redor num círculo que vai se fechando gradativamente, muito próximo de me tocar. Uma sensação que não vem de mim, mas chega até mim por vir de pessoas bem próximas. Ao olhar para essas pessoas vejo em seus olhos tristeza. Mas é outro tipo de tristeza, é como uma falta de energia, é quase um desespero. Parecem-me perdidas em seus próprios sentidos, como se não suportassem as próprias sensações! Acho muito estranho isso e me assusta ver tantas pessoas assim. Para mim a depressão é um fenômeno muito curioso, pois acredito que somos feitos para suportar qualquer sensação. Temos estruturas para lidar com a intensidade gerada pelo jogo de forças que é a vida, porque é um jogo de forças do qual fazemos parte. Mas acredito que os nossos novos hábitos contemporâneos têm nos enfraquecido. A nova realidade, trazida com a modernidade, está nos enfraquecendo gradativamente.

No passado, sabia que uma ou outra pessoa estava com depressão. Não era algo muito natural. Muito pelo contrario. Eu ouvia mais pessoas desconhecidas comentarem sobre casos assim e sempre com espanto e preocupação. Saber que alguém estava com depressão era uma notícia vinda de longe, distante de nosso convívio. Muitas vezes alguém que nem sequer conhecíamos. Hoje a notícia vem do nosso trabalho. Há um caso na vizinhança; outro na família. Outro na escola, na faculdade. Estão estampados nas revistas. Ouvimos diariamente na televisão; na roda de conversas com amigos; na roda de conversas de estranhos. As vezes é uma sensação que chega a assustar a nós mesmos... Bate uma aflição e já vem o alerta: será?! O mais espantoso é que já não mais vejo as pessoas falando sobre essa doença com preocupação. É uma notícia qualquer! Apenas mais uma pessoa deprimida. Fraca. Distante do jogo de forças. Aliás, nós chegamos ao ponto de comentar sobre catástrofes sem sequer esboçarmos algum sentimento forte. Tornamo-nos frios. Insensíveis. E fracos! Uma insensibilidade – para não escrever: fuga de sensibilidade – que nos tornou presas fáceis para a depressão!

Acredito que a depressão é uma filha bastarda da modernidade com a capacidade humana de lidar com os conflitos. Capacidade que está intimamente ligada aos sentidos físicos. Ao meu ver, a depressão se configura na fraqueza de um indivíduo perante o jogo de forças da vida – do qual fazemos parte – e está invariavelmente ligada às transformações e evoluções que o homem têm criado desde sempre. Quanto mais avançou a tecnologia, proporcionalmente enferrujou essa capacidade, e à ela devemos nossa existência. Precisamos sentir! A tecnologia acabou nos “desconectando” desse jogo de intensidades ao nos habituar a não sentirmos, consequentemente nos enfraquecendo, nos deprimindo. Essa é a minha tese para a origem da depressão: a própria modernidade.

Não mais permitimos às crianças trepar em árvores, brincar em grama, conversar olhando nos olhos (nós também perdemos esse hábito), porque hoje tudo é via virtual. E o que os pais fazem é não ousar frustrar os filhos, assim dão a eles tudo o que a tecnologia oferece. A tecnologia se encarrega da criança. Brincadeiras online. Desafios online. Livros, estudos, pesquisas, conversas, interação, tudo – e todos – online. É como se tivéssemos atravessado o espelho para um mundo virtual, que parece bastante “movimentado” (e movimento é sinônimo de vida), mas que na verdade se resume a tempo, quantidade, códigos vazios... E as sensações? E o sentir físico? O embasamento da globalização é a virtualidade, e nós estamos utilizando a virtualidade como fuga de sensações. Mas não todas as sensações, apenas as difíceis; as dolorosas; as complexas. A gente quer apenas sensações que sejam simples, prazerosas e que consigamos dominar. O problema é quando não conseguimos...

A vida é extremamente intensa, não podemos negar isso. As sensações são verdadeiras lâminas que nos atravessam e lidar com elas não é fácil. Mas é preciso! Somente lidando com as contradições e os conflitos da vida que verdadeiramente vivemos. O contrário disso são fugas. Toda vez que nos medicamos para aliviar algum conflito nos desconectamos do todo. Quando fugimos do cara a cara; quando abusamos de vícios e prazeres; quando buscamos escapes. A modernidade traz ao homem a tecnologia de que ele precisa para viver melhor, mas ele a aproveita para anestesiar suas crises pessoais. Essa é a origem da depressão! A tecnologia, substituindo a religião, tornou-se um novo ópio, que, mal utilizada, faz as pessoas viverem na superfície de suas vidas, escondendo-se de si mesmas, nunca chegando a tocar estágios mais profundos e necessários. Ao invés de estarem se protegendo - como acreditam estar -, estão se enfraquecendo! E cedo ou tarde vem algum problema maior, que consegue transpor essa superfície, e então surge uma depressão. A pessoa, desacostumada de sentir plenamente, agora se enfraquece por não saber lidar com as próprias emoções.

Não sou contra a internet. É inútil ser contra a modernidade, porque é um fenômeno natural da evolução humana. O tempo passa e o homem modifica o seu entorno. Aperfeiçoa-o. A questão não está na luta contra ou a favor à tecnologia, mas em utilizarmos a tecnologia para vivermos melhor, e não para fugirmos da vida e consequentemente nos deprimirmos.


Cena do filme Equilibrium (2002):