domingo, 2 de março de 2014

Estrangeiro



La Liberté guidant le peuple, Eugène Delacroix

O que me preocupa não é o grito dos maus, mas o silêncio dos bons”. (Martin Luther King)


Tenho muita dificuldade em definir a mim mesmo o que é ético, o que não é; o que na verdade seria moral, ou imoral. Nunca sei plenamente se é correto responder a verdade diante de uma pergunta me feita. Imagino se a pessoa espera de fato a verdade. Não a sua verdade – a que quer ouvir, a que conforta os seus interesses, ou os da maioria, mas a que condiz com o que realmente penso. Nunca descobri o limite entre expôr de mais ou de menos; me expôr mais, ou me expôr menos... E me incomoda pensar sobre isso; me faz sentir diferente. Quem tenta sair do padrão e termina taxado.

O que me espanta mesmo é uma sensação de me sentir estrangeiro em terra natal. Observar como tomamos como certo coisas que são descaradamente erradas – conscientes. A questão é que se incomodar parece pior. O relativismo no político/social/corporativista garante maior sobrevivência. Quase uma legitimidade predatória. Relativamos tanto a verdade, a honra, a ética ao ponto delas se diluirem em meio aos nossos próprios interesses. Ser transparente virou sinônimo de não ser político. Falar a verdade tem hora. E ser honesto não combina numa negociação. É preciso ser calculista, ter cartas na manga, e “palavras flexíveis”. Não é permitido se colocar muito também (a menos que isso não desagrade ninguém).

Assim nos tornamos pessoas que respondem apenas o óbvio. Sorrimos simpáticos e parecemos íntimos de quem no fundo nem apreciamos. Aplacamos sonhos, vestimos máscaras e adentramos passivamente na roda, acompanhando o rebanho. E nos matamos um pouco por dia.
Para onde estamos indo? Quais perspectivas temos? Desconheço quais são os princípios e valores que conjugam esse momento atual. No passado existia verdadeiramente uma coisa chamada Palavra, que remetia à honra de um homem. Dois homens selavam um compromisso através de fios do bigode, mais nada. E por incrível que pareça bastava. Não eram necessários contratos, assinaturas, e nem testemunhas. Hoje se você fizer isso é logrado na certa. Um homem não sustenta mais sua afirmação, se algo por escrito, que leve sua assinatura, não o lembrar disso. Ou seja, um papel precisa lembrá-lo de que ele é um homem (no sentido ético da palavra). Mas o que é ética mesmo? Ah! Mas quem se importa?!

Eu me importo! Me incomodo. E me espanto diariamente. Nem acredito que tudo acontece debaixo do nosso nariz. Nossa educação em casa é frouxa, na escola alienada e na sociedade psicopática. Em casa educamos os filhos, não para serem sensíveis e inteligentes, mas para serem fortes e espertos (o que leva uma conotação bem diferente), não mostramos limites nem punimos maus atos. Na escola castramos qualquer senso crítico e sabotamos cidadania. E na sociedade aprende-se apenas os atalhos do curso, quem são os “cabeças” da pólis e como obter as armas necessárias. Onde estamos errando? - é o que me pergunto toda vez que ouço nos noticiários que uma criança cometeu um crime. Ou uma mãe abandonou o filho num hospital. Roubos, assassinatos, violência, delitos que, praticamente, têm nos obrigado a nos conformar com a realidade atual. Só que aquele que acomoda-se com essa realidade não pode reclamar de futuro, porque é conivente. Uma realidade como a de hoje, baseada em valores psicopáticos, só pôde se estabelecer tanto tempo tendo havido um conluio coletivo. Todos somos, de alguma forma, em maior ou menor grau, cúmplices! E isso deveria nos causar muita vergonha e nos incomodar bastante. E nem de longe isso é exagero.

Precisamos resgatar alguns valores antigos que, do meu ponto de vista, jamais deveriam se perder, independente do quão a sociedade avance. Honra. Fraternidade. Ética. Justiça. Coragem. Desabituarmos-nos dessa mania de ficar procurando muitas vezes razões para tentar justificar o injustificável. Ao invés disso, prestar mais atenção à formação das gerações. Pais atentarem-se em dar uma educação com mais limites e diálogo; professores uma educação que estimule a criatividade e a vontade de pensar e as pessoas de bem se unir, pois como bem diz a médica psiquiatra autora de diversos livros, Ana Beatriz Barbosa Silva, “o mal é muito unido!”.