domingo, 23 de fevereiro de 2014

ENERGIA X CONTEMPORANEIDADE



Toda mudança positiva - todo salto para um nível maior de energia e consciência - envolve um ritual de passagem. A cada subida para um degrau mais alto na escada da evolução pessoal, devemos atravessar um período de desconforto, de iniciação. Eu nunca conheci uma exceção.” (Dan Millman)


Tudo no mundo é feito de energia, inclusive nós mesmos. Quando acordamos, levantamos e fazemos as tarefas diárias somos movidos por energia. Quando falamos, quando brigamos, quando trabalhamos, quando comemos, até quando parados, tudo o que fazemos é impulsionado por energia. Acredito que a quantidade dela pode variar de uma pessoa para outra, mas o controle e a canalização dela fazem toda a diferença na manutenção de uma vida mais saudável, e eles só podem ser obtidos mediante consciência e reflexão sobre os próprios atos. Sobre essa energia. Mas a gente não a percebe; a gente nem se percebe.
A sociedade contemporânea globalizada, mesmo trazendo muitos benefícios à humanidade – benefícios materiais em grande parte –, tem prejudicado sorrateiramente o bom fluir dessa energia nas nossas vidas, o que tem gerado os grandes males da atualidade: ansiedade, pânico, impulsividade, obesidade, depressão, compulsões, e por aí vai.

A sociedade que vivemos é caracterizada por exigir de nós reações muito rápidas a estímulos que têm vindo muito rapidamente também, e isso impossibilita algo extremamente necessário para que não haja desperdício ou uma sobrecarga energética: a pausa para reflexão – ter a consciência dos nossos próprios atos, para avaliar consequências. O espaço entre as demandas externas que chegam diariamente e as respostas que precisamos dar está sendo cada vez mais curto; não tem dado tempo para que o pensamento racional entre em ação; ao invés disso reagimos impulsivamente automaticamente. A Dianética fala sobre isso como Mente Analítica e Mente Reativa. A Neurociência fala em Sequestro da Amígdala Cerebral. Seja o nome qual for, o princípio é o mesmo: ações sem a percepção do que está sendo feito, e por quê. É o caso do obeso – que as vezes nervoso, ansioso, triste – desconta na comida e não percebe a quantidade do que está ingerindo. Ou o compulsivo em compras que acaba se endividando facilmente. Ou aquele que por impulsividade age primeiro; fala, grita, prejudica-se, e depois se arrepende. Pessoas sobrecarregadas com estresse que não conseguem dar vazão às próprias demandas e acabam surtando. Pessoas se vitimizando por uma situação, quando são incapazes de perceber que os seus próprios atos culminaram para o acontecido. Não enxergam isso! Realmente não conseguem. Volto a repetir, porque até a nossa percepção da realidade está alterada. Para nós a realidade parece mais rápida do que o pensamento consegue acompanhar e até a nossa percepção de tempo está alterada; a gente percebe-se sempre com menos tempo do que o necessário, como se o tempo passasse mais depressa.

Toda essa problemática do meu ponto de vista começa já na fase escolar. Se disciplinamos nossas crianças e nossos adolescentes para reproduzirem conteúdos e não educamos para a criação de novos, se impomos a memorização de dados e não incentivamos uma reflexão sobre a realidade e um pensamento crítico, de que forma, mais tarde quando adultos nessa sociedade contemporânea, eles saberão responder às demandas? A resposta é que eles não saberão. Essa é a nossa problemática atual. Nós somos incapazes de pensar sobre a vida com um olhar amplo e um pensamento crítico; o que nós temos a oferecer são respostas prontas. Comportamentos irracionais. Mecânicos. Quando estamos com um problema nos angustiando, ao invés de refletirmos sobre esse incômodo, preferimos comprar, comer, beber, tudo para fugir da realidade. Quando precisamos ter atitude frente uma situação, ou reagimos impulsivamente e depois pensamos sobre o que fizemos, ou paralisamos e nada fazemos. Não tem meio termo. Não tem racionalização. É como a cobra que come o próprio rabo! 


Acredito que este problema atual é mais sério do que qualquer política pública conseguirá resolver facilmente. É um problema de estruturas psíquicas. Comportamentos muito enraizados. Eu acho que quisemos tanto um dia fabricar um cidadão pacato e passível de controle, como esse que vive na sociedade atual, e conseguimos! Vemos uma sociedade hoje imatura politicamente, que quando tenta revindicar alguma coisa termina extrapolando e gerando mais violência. Só que nós não podemos reclamar agora. O projeto não foi esse? Não queríamos uma massa assim? Se agora queremos mudar, se agora queremos uma sociedade forte, matura politicamente, precisamos mudar métodos! Fazer tudo o que deixamos de fazer até hoje. Oferecer uma educação de qualidade que atinja a todos com igualdade, e que privilegie a criatividade e o pensamento analítico. Dar suporte psicológico, médico, social. E por que não espiritual?! Demonstrar assim que a vida é mais do que tudo isso. Devemos fazer o que deveríamos ter feito. Do jeito certo. E isso vai demandar tempo. E resultados aparecerão a longo prazo. Será que podemos esperar? Só que quanto mais demoramos também, menos tempo temos...





" Ó, vós, na possessão de tão robustos intelectos... observai os ensinamentos que se escondem... sob o véu destes estranhos versos." (Dante Alighieri)


sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Tempos modernos demais

 “A solidão é o preço que temos de pagar por termos nascido neste período moderno, tão cheio de liberdade, de independência e do nosso próprio egoísmo.” (Soseki Natsume)


Na minha infância chamar alguém de amigo demorava um tempo. O amigo em questão tinha de passar por testes, provas de lealdade e só com o tempo construía-se a amizade. Para considerarmos ele melhor amigo então era muito pior. Me lembro do receio que eu tinha de assumir que alguém era um grande amigo e no fundo não ser. Me incomodava essa mentira. Porque não era fácil assim. Hoje vejo pessoas que mal se conhecem e se intitulam “irmãos”. Fazem juras e trocam declarações. Não sei se acredito que isso seja amizade mesmo, porque as minhas referências foram outras.
Namoros eram bem mais demorados – demorava para começar porque tinha toda uma conquista a ser feita até pegar amizade, demoravam até virarem casamentos (quando viravam!), porque as famílias precisavam se conhecer a fundo, havia protocolos sociais a serem preenchidos, que ainda seriam avaliados. Os pais sempre tinham um olhar desconfiado de proteção. Sem falar que era comum um protocolo a mais. O noivado. Hoje quase não ouço mais essa palavra. Mesmo a palavra namoro quase não ouço. Substituídas por “pegar”, “ficar”, “curtir”. Isso nas relações sem compromisso. Em lances mais sérios: amigar. Nada contra casais amasiados. Um papel é só um papel, o que manda são os sentimentos. Mas eu falo de tempo. De preparo e amadurecimento até que as coisas possam acontecer naturalmente, e com firmeza!

Lembro que nas empresas a grande maioria dos empregados por exemplo eram antigos de casa. Não existia esse negócio de rotatividade de pessoal. Meus familiares e vizinhos diziam de boca cheia uns aos outros sobre aposentaria com carteira profissional de pouquíssimos registros. Muitas vezes um único emprego na vida! Hoje pego carteiras na mão e são continuação de uma primeira, e já não tem mais espaço para registrar – de pessoas mais jovens que eu! Não sou moralista. Nem nostálgico. Não parei no tempo. Nem quero retornar. Sou a favor de outros olhares, gosto de costumes diferentes e é preciso mesmo abrir-se a esses novos tempos. Mas me surpreende muito a velocidade que as coisas estão acontecendo. Por exemplo. Recentemente, conversando com um garoto de uns 19 anos sobre casamento e família, fiquei perplexo ao ouví-lo dizer seriamente que ele e sua namorada – que é menor – estão fazendo planos para o primeiro filho; eles se conhecem não tem um ano, não terminaram os estudos ainda, e moram com os pais. Se isso está normal, se é assim que as coisas devem acontecer, se sou eu o retrógrado, volto a repetir que as minhas referências foram outras.
Quando olho para trás e me lembro dos meus pais, dos meus vizinhos, da forma como a sociedade funcionava na época (e nem faz tanto tempo assim), revivo outro período literalmente. Sinto mudanças radicais. E me desculpem não é para melhor. Não nesse aspecto. Como disse Mario Sergio Cortella: Geração Miojo. Hoje tudo é instantâneo: amizades miojo, namoros miojo, trabalhos miojo, ascensão miojo...  Vidas miojo! Aí me pergunto: qual a qualidade nisso!? Qual o sabor de uma vida miojo? Ou o preço disso?

A sociedade atual, principalmente as gerações novas, está baseando-se unicamente em números, em quantidades ao invés de sustância e qualidade, e esse comportamento não tem precedente. Essa alta rotatividade de pessoas entrando e saindo de relações sem qualquer vínculo profundo e significativo, deixa um espaço vazio e uma sensação de solidão. E na tentativa de preencher esse espaço, vejo muitos jovens viciados num prazer encontrado em se arriscar em experiências novas: novos amigos, novos amores, novos desafios, novos empregos, novos estilos, novos gostos... Buscam se destacar de alguma forma na multidão e chamar a atenção para si mesmos e sempre buscando conquistar algo e se superarem. Mas não vivem as suas conquistas! Querem desafiar, alcançar status, conquistar o seu espaço, mas não para usufruí-lo! Aí o problema: ambições vazias. As tradições, as convenções, tudo o que é usual e atual é considerado sem graça. Obsoleto e desestimulante. E aí outro problema: intolerância com insatisfações. Resumindo. Uma geração ambiciosa, que tem se sentido vazia e que busca desafios como estímulos, mas que não tolera um não.

Sempre ouvimos frases como “o mundo antes era melhor”, e nós sempre julgamos estar vivendo tempos de coisas modernas demais e sem futuro. Só que agora é mesmo muito pior, o nosso inimigo é muito maior do que antes. Somos nós mesmos. Não estamos travando batalhas com outros, lá fora, estamos perdendo de nós mesmos. E muitos ainda dizem que ao pensarmos demais no futuro, ou lembrarmos demais do passado, a gente não vive o nosso presente. Numa alusão de que muito pensar implica em não viver. Mas esse tipo de filosofia que é danoso à vida. Devemos então viver sem pensar? Ou pensar muito pouco? Acredito plenamente no contrário. Quando a gente quer só viver de presente afim de curtir o momento, a gente acaba por comprometer o futuro. Uma coisa não dissocia da outra. É necessário aproveitar o presente sim, mas já projetando o futuro, pensar nos nossos atos e estar ciente que qualquer ação hoje desencadeará em algo amanhã. Estar preparado para essas consequências. E julgar se valerá a pena. O segredo está onde sempre esteve; na consciência do que estamos fazendo!


Você sabe o que você está fazendo?